Muhammad Ali, o pugilista mais conhecido do século XX, teve uma personalidade extremamente complexa e envolvimento direto com as mudanças que sacudiam o mundo nos anos sessenta. Esporte, orgulho racial, religião, política, mulheres, fama e dinheiro: desvele o homem por trás do mito.
Basicamente, o que torna a trajetória de Muhammad Ali tão importante num período específico do século XX é o fato de se tratar de um atleta de ponta com um peso político e cultural de grande ineditismo. Numa época conflituosa em que a televisão e o showbizz esportivo se desenvolviam, Ali emergiu como um vulcão, escancarando a divisão racial dos Estados Unidos. Veja como isto se deu.
1. Introdução
Cassius Marcellus Clay, Jr. nasceu em Louisville, no Kentucky, em 17.01.1942, 18:35 [+6:00; Astrodatabank/AA]. O boxeador destacou-se em sua profissão chegando ao auge [Sol em Capricórnio e Ascendente Leão] de forma original e engajada [Lua em Aquário]. Dotado de incrível autoconfiança, seu brado “I am the Greatest” tornou-se sua marca registrada [Capricórnio e Leão]. Tinha um comportamento excêntrico e provocador, além de possuir uma forte consciência coletiva [Mercúrio e Vênus em Aquário]. Um verdadeiro ídolo político do esporte.
Começando pelo Sol em Capricórnio, que é o regente do mapa, temos duas configurações de aspectos cruciais. Em primeiro lugar, já que se trata de um boxeador, vejamos a Quadratura T com Marte em Touro e Plutão em Leão, um aspecto naturalmente violento e relacionado ao extravaso de energia e índole rebelde.
Temos um atleta [Sol na casa VI, Marte na IX] com uma “agressividade inconsciente” [Plutão na XII]. Se esta agressividade gera violência interior e exterior [Quadratura T nas casas VI, IX e XII], ela também e capaz de lhe dar prazer [Parte da Fortuna em conjunção com Plutão]. Ali casou-se muitas vezes, teve outras tantas mulheres, e pode ser considerado o machista clássico. Os signos envolvidos [Capricórnio, Touro e Leão pela ordem] conferem grande obstinação e autoconfiança, decisiva para entender sua personalidade e habilidade como boxeador. Repare que mesmo Marte estando exilado [Touro] e mal aspectado, a Quadratura T produziu um grande lutador. A quadratura entre Marte e Plutão, especificamente, possui um orbe bastante estreito.
A outra configuração, não menos importante, é o Grande Trígono entre o Sol, Urano em Touro e Netuno em Virgem, sendo que há ainda um trígono do Sol para Saturno em Touro [Saturno e Urano numa conjunção na casa X]. O elemento Terra dá as cartas e o GT encontra-se nas casas II, VI e X. A categoria de Clay/Ali foi a dos pesos-pesados.
Sendo a casa VI um setor de desenvolvimento físico e profissional dos indivíduos [ainda mais tendo o Sol como regente do mapa, ocupando-a], vê-se o GT Sol-Urano-Netuno favorecendo o sucesso na carreira e, sobretudo, a projeção histórica. Resumidamente, poderíamos apontar Urano na casa X como símbolo de seu interesse político e originalidade social, assim como Netuno na casa II reflete seus valores espirituais, decisivos em sua trajetória.
Contudo, voltemos à configuração anterior, a Quadratura T entre Sol, Marte e Plutão. Se o Sol é o regente do mapa, contribuindo para que Cassius Clay tivesse uma personalidade forte e muito orgulho pessoal, Marte e Plutão são os dispositores da casa IV, ligada às origens e à tradição. Tem-se, pois, uma pista para uma das possíveis causas da agressividade natural do pugilista: o sentimento de opressão na sociedade racista dos Estados Unidos. Este foi, aliás, o motivo de sua “revolução particular”, levando-o a trocar de nome e religião. Ali é, portanto, produto direto da histórica segregação no país.
Quanto ao Grande Trígono, naturalmente especial por envolver o Sol natal com a configuração Saturno-Urano e Netuno, tem Saturno [dispositor do Sol, da Lua, Mercúrio e Vênus e das casas VI e VII], Urano [dispositor da Lua, Mercúrio e Vênus, além da casa VII] e Netuno [dispositor da casa VIII].
Saturno-Urano em Touro e na casa X indica o potencial para que viesse a se tornar popular em sua geração [trígono com o Sol em Capricórnio]. Contudo, percebe-se que Saturno-Urano estão em tensão direta com o stellium entre Lua, Mercúrio e Vênus em Aquário, sendo dispositores dos mesmos. Vênus está na cúspide da casa VII, angular como Saturno e Urano. Esta configuração diz respeito a fatores como a própria natureza conflituosa do boxe, a combatividade política, o abraçar polêmico de hábitos e crenças estrangeiras e uma série de outros fenômenos “sociológicos” de sua vida pessoal [casas VII e X, principalmente].
Clay sempre disse o que pensava, de forma provocativa [Lua-Mercúrio-Vênus em Aquário]. Sabia se promover como ninguém [Capricórnio-Leão-Aquário] e desafiava arrogantemente seus adversários desclassificando-os e acusando-os de medrosos e feios. Achava-se lindo e o melhor do mundo. Era extremamente arrogante e às vezes histérico. Teve muitos casamentos [Quadratura T entre Vênus, Saturno, Urano e o Ascendente] e, como não podia deixar de ser, grandes oponentes no ringue. Lua e Mercúrio na casa VI [próximos a VII] estão em trígono com Júpiter na casa X [performance atlética, engajamento social, desenvolvimento de ideais]. A Lua está em oposição a Plutão, conferindo um caráter ainda mais dramático a sua revolta interior.
2. Ali, Plutão e os EUA
Diante de uma trajetória tão vinculada aos acontecimentos políticos de seu país e de seu destaque como ídolo nacional, nada mais apropriado do que uma comparação entre os mapas de Muhammad Ali e dos Estados Unidos.
Ali tem o Sol em conjunção exata com Plutão dos EUA, símbolo de seu impacto social através da postura agressiva em relação à discriminação racial. Por sua vez, ele foi provavelmente o maior peso-pesado da história -em tese, o homem mais “forte” dos Estados Unidos. Somem-se essas duas características de sua trajetória e temos um indivíduo cuja influência cultural em vida, sobre o país em que nasceu, é essencialmente “plutoniana”. O próprio Plutão natal de Clay/Ali é “indigesto”, pois se encontra numa Quadratura com o Sol e Marte natais [e em conjunção ao Nodo Norte dos EUA].
Posto que o Plutão norte-americano está na casa II, o pugilista possui sintonia direta com a poderosa economia local, o que se amplifica com o Grande Trígono natal e com o fato de Lua e Mercúrio formarem trígonos com Saturno dos EUA, na casa X. Por outro lado, sua Quadratura T também envolve Plutão dos EUA, refletindo um potencial inato para “desestabilizar” o país e propor mudanças radicais, como o próprio separatismo entre brancos e negros. Plutão de Ali está em conjunção com o Nodo Norte de seu país, reforçando a natureza da interação plutoniana de ambos. Júpiter, em conjunção com Urano, extrapola o potencial “revolucionário” do boxeador, e por estar junto à cúspide da casa VII, o deu cacife para ser um dos “inimigos” declarados do Estado.
Outro ponto decisivamente importante é que, paralelamente ao combate político pelejado por Muhammad Ali nos anos 60 a conjunção entre Sol do pugilista e Plutão dos EUA revela ainda a profundidade com que ele foi capaz de compreender a natureza do showbizz esportivo e seu acelerado processo de transformação que ocorria justamente naquela época. Tendo Plutão em Leão, Ali foi capaz de cultivar exaustivamente a identidade e o ego e atingir suas ambições [Capricórnio/Leão]. Sentindo-se à vontade para lidar e beneficiar-se dos louros do esporte e dos recursos da mídia ele naturalmente enriqueceu [Sol de Ali cai na casa II dos EUA, em conjunção com Plutão].
Netuno de Ali está em Virgem [assim como Netuno dos EUA] e em conjunção com o MC do país. Ali foi fonte de inspiração religiosa e igualitária dentro e fora dos Estados Unidos e transformou-se num verdadeiro mito. Netuno em Virgem pode gerar uma concepção da religião e da espiritualidade excessivamente crítica e nada ecumênica. Um tipo de competitividade religiosa que caracteriza muito bem os Estados Unidos da América.
Naturalmente que esta “inspiração” projetada por Ali sobre o país é transmitida pelo modo como o Sol natal dele é “turbinado” pelo Plutão da comunidade social da qual faz parte. O Sol do pugilista está em trígono com Netuno dos EUA. Saturno e Urano de Ali fazem o mesmo aspecto, sendo que o trígono de Saturno para Netuno é exato.
Voltando à conjunção entre o Sol de Ali e Plutão dos EUA, podemos fazer ainda uma correlação sobre o vínculo do pugilista com a organização Nação do Islã, uma entidade com fins político-raciais. Do ponto de vista do establishment político norte-americano, o Nação do Islã era um grupo marginal e tinha por objetivo lutar pela conversão religiosa e pela consciência política dos negros [Plutão natal de Ali está na casa XII e é co-dispositor da IV].
Mas, se a conjunção entre Plutão dos EUA e o Sol natal de Muhammad Ali revela uma “fonte de poder social”, ela também indica indícios da manipulação do pugilista pelo “sistema e suas forças coletivas”. Enquanto ator da cena política local, o Nação do Islã influenciou decisivamente a trajetória da juventude de Ali, logicamente aproveitando-se de sua projeção no mundo esportivo norte-americano. Herbert Muhammad, filho de Elijah Muhammad, o mentor do grupo islâmico, foi seu empresário por vários anos a partir de sua conversão e dirigia a carreira da Ali de acordo com os interesses da organização. Durante a cassação de sua licença para lutar, quando esteve por baixo, o Nação do Islã nem de longe conferiu ao pugilista a atenção que lhe dava antes, o que magoou profundamente a sua família.
A biografia de Muhammad Ali e o peso que exerceu sobre sua geração têm envolvimento direto com a conjunção Urano-Plutão em Virgem, que entre os anos mais intensos de sua vida aplicou conjunção ao seu Nodo Norte. A “transformação” pessoal de Ali influenciou a política norte-americana através do desejo de afirmar-se diferente e em oposição ao sistema. Ali incorporou as contradições e as mudanças de sua época, tida como “revolucionária” [Urano-Plutão conjunção Nodo Norte].
Entre os anos de 1964-67, quando o trânsito da conjunção Urano-Plutão pairava sobre o Nodo Norte, Netuno em Escorpião [metamorfoses espirituais e políticas envolvendo a idéia de religiosidade] cruzava o FC, aplicando sextilha à conjunção e inspirando o sentimento de tomar parte cada vez mais intensamente de sua comunidade étnica [casa IV], buscando sobretudo o confronto com os “brancos opressores”.
3. Origens
Cassius Clay ganhou o mesmo nome de seu pai, que é na verdade o nome de um político abolicionista do século XIX. Filho de um pintor de cartazes e letreiros religiosos que tinha confissão metodista e de uma dona-de-casa batista, Cassius Clay e o irmão foram levados a seguir a vertente protestante da mãe, com a anuência do pai. É interessante observar esta ditocomia religiosa envolvendo a tolerância entre duas correntes nitidamente distintas do protestantismo tendo em vista a posterior conversão de Ali ao Islã. (batistas X metodistas). Vivendo em meio aos desenhos com motivos religiosos do pai, cresceu desconfiando do cristianismo por assistir seu pai pintar Cristo sempre branco e de olhos azuis.
O trígono entre Sol e Netuno e Júpiter angular na casa X dão a dimensão da importância do “espírito religioso” [Sol-Netuno] e da “fé enquanto instituição política e cultural” [Júpiter na casa X, exilado]. Saturno, dispositor do Sol, também está na casa X, junto a Urano. O pugilista capricorniano era de fato um indivíduo profundamente cônscio da importância de seu papel como membro da sociedade e desta última como o espaço inalienável de atuação “política” e “profissional” [Sol na casa VI trígono Saturno-Urano na X]. Com Netuno fechando o Grande Trígono na casa II, temos enfim a magnitude do processo de engajamento étnico e cultural operado na conversão ao Islã, que envolveu a produção de filmes, gravação de discos e a edição de biografias por Clay/Ali, sempre de olho na autopromoção e nas vendas [Capricórnio e Leão].
Numa era de solidificação do papel da televisão e do esporte como negócio, o pugilista sentia-se bem junto aos meios de comunicação [Lua, Mercúrio, Vênus em Aquário, Saturno-Urano na casa X]. Na TV, nas concorridas pesagens com os adversários e em flagrantes forjados, ele caçoava dos outros pugilistas, enaltecendo a si próprio com rimas e repentes que são esboços do que viria a ser o rap.
Clay concluiu o ensino médio em 369º lugar dentre os 391 formandos de sua escola, em 1960. Nos tempos de aluno sempre viajava nos finais de semana para lutar. Na cerimônia de sua formatura, um colega orador lembrou-se de que Cassius também merecia uma menção honrosa posto que “um dia ele fará mais dinheiro do que qualquer um neste lugar”. A forte ênfase de Ali no elemento Terra, sua intimidade natural [Sol] com a configuração central de sua geração [Saturno-Urano trígono Netuno] e o destaque que assumem nas casas II, VI e X mostram que o colega de escola estava absolutamente certo. Não apenas um grande campeão (a medalha de ouro olímpica viria ainda naquele ano), mas alguém que desempenharia um papel de enorme relevância no movimento pelos direitos civis, no pesado jogo do showbizz e na própria consciência norte-americana.
Cassius Clay foi levado ao boxe com 12 anos de idade, por um policial que o encontrou na rua espumando de raiva por terem roubado a sua bicicleta. Paralelamente, sem seu “olheiro” saber, começou a treinar também em outra academia de pugilismo, onde o treinador era melhor. Assim, podia ganhar 4 dólares por semana apresentando-se no programa de TV que o policial apresentava e melhorava os fundamentos em sigilo com o outro técnico, que terminou acompanhando a trajetória de Clay no esporte amador.
Portanto, devemos analisar com atenção o momento em que Cassius Clay começa a praticar o esporte que lhe traria a glória e o alçaria à condição de ator político. Para tal, utilizaremos o retorno solar de seu décimo-segundo aniversário, na cidade de Louisville.
Primeiramente, é importante ressaltar que por volta dos cinco anos de idade Plutão em Leão começou a fazer oposição a Lua-Mercúrio-Vênus em Aquário de Cassius, certamente apontando para uma fase problemática de convívio familiar e social. Traumas de infância, incompreensão/intolerância dos pais e conflitos com os garotos de sua idade devem ter pontuado a segunda fase da infância e a pré-adolescência. O menino é levado ao boxe por surpreender seu “descobridor” através da sua raiva [Quadratura T Sol-Marte-Plutão].
No retorno solar de 1954, Vênus [regente do MC] estava em conjunção exata ao Nodo Norte, indicando que precocemente Clay descobriria seu ofício. Ambos, junto com Mercúrio, acompanhavam o Sol do pugilista novato e este stellium em Capricórnio encontrava-se em oposição a Urano em Câncer. Sua vida entrava numa rota de franca mudança e os confrontos no ringue passariam a ser a sua forma de viver. Urano, então na casa XII, marcaria a “gestação do futuro campeão”, que ganharia a medalha de ouro e se tornaria mundialmente conhecido quando o mesmo Urano [radical na casa X] chegasse ao Ascendente.
A oposição entre o stellium em Capricórnio e Urano formava aspectos favoráveis com a conjunção Saturno-Urano natal na casa X, simbolizando o germe de sua carreira, que por fim o levaria ao estrelato e à luta pelos direitos civis nos EUA. Vivendo seu primeiro retorno de Júpiter refaziam-se os trígonos natais para a Lua, Mercúrio e Vênus nas casas VI e VII, indicando o ingresso no meio do boxe [Júpiter na casa XI] e os seus “parceiros” nesta primeira jornada [o policial-apresentador que lhe pagava e o treinador secreto].
A Lua, regente daquele retorno solar, aplicava trígonos para Marte e Saturno em Câncer, favorecendo vínculos e uma atitude emocional positiva frente ao seu desafio. Marte, em quadratura com Lua-Mercúrio-Vênus em Aquário, revelava o prenúncio de muitos confrontos. Finalmente, Netuno na casa III e envolvido numa Quadratura T com o stellium em Capricórnio e Urano em Câncer, o subterfúgio de treinar em dois lugares diferentes.
Outro aspecto importante é a quadratura entre Plutão [co-dispositor da casa IV, origens] e a conjunção Saturno-Urano. De certo modo ela indica a passagem de experiências inter-raciais de caráter familiar e vicinal [Plutão-Ascendente em oposição a Lua, Mercúrio e Vênus na casa VII, infância] para uma percepção mais ampla e sociológica da condição do negro norte-americano [Plutão quadratura Saturno-Urano na X, início da adolescência]. Este aspecto é muito importante, porque atinge especificamente os mesmos meninos de sua geração e, no caso de Clay, uma bandeira específica a ser empunhada na década seguinte.Este artigo é o primeiro de uma série de quatro, cobrindo toda a carreira de Muhammad Ali. Não deixe de ler a sequência:
1959-1966: o Islã e a glória olímpica
1967-1973: Muhammad Ali, o inimigo da América
1973-1999: da luta do século ao mal de Parkinson