Barbie foi lançada na Califórnia no dia 9 de março de 1959. Resultou de um projeto desenvolvido pela empresária Ruth Handler com base numa boneca alemã de 1955, chamada Bild Lilli. Esta antecessora surgira, na verdade, em 1952, como personagem de uma história em quadrinhos para adultos do jornal Bild, de Berlim. Nesta, Lilli estava sempre perseguindo homens ricos e exibia um comportamento que flertava com o erotismo e a pornografia.
Lançada como boneca em 12 de agosto de 1955, Bild Lilli não se destinava ao público infantil: os pontos de venda eram tabacarias e bares, onde podia ser vista em poses sensuais, com as pernas abertas e olhar provocativo. Foi exatamente este aspecto transgressivo que encantou a empresária americana Ruth Handler.
Até então, bonecas sempre representavam bebês ou crianças pequenas, e eram destinadas exclusivamente ao público infantil. Ruth e seu marido Elliot, donos da Mattel, tiveram a ideia de lançar uma boneca de aparência adulta, que, em vez de ser o bebê cuidado por menininhas com instintos maternais, proporcionasse um modelo de comportamento feminino que estimulasse a imaginação de suas donas.
A proposta funcionou. Em menos de um ano Barbie (diminutivo de Barbara, nome de uma das filhas do casal proprietário da Mattel) já superava em vendas Bild Lilli. É claro que a empresa alemã se sentiu lesada, do que resultou uma briga judicial encerrada apenas em 1964 através de um acordo em que a Mattel adquiria os direitos de fabricação de Bild Lilli.
Barbie é hoje a boneca mais famosa e conhecida do mundo, com mais de um bilhão de unidades vendidas por ano. Em torno dela e de seu amigo Ken surgiu aos poucos toda uma indústria de acessórios (roupas, bolsas, casinhas) e, a partir do final da década de 1980, uma franquia de desenhos animados e filmes que mantém viva a mística dos personagens.
Trata-se de um caso clássico de aplicação bem-sucedida do conceito de produto ampliado ou estendido — quando, a partir de um produto central, ou core, surge uma miríade de bens e serviços correlatos, que às vezes geram mais receita do que aquele que lhes deu origem.
No caso de Barbie, o exemplo radical é o filme lançado mundialmente em 2023, cuja repercussão já está trazendo uma onda de renovação do interesse pela boneca.
Barbie e seu rastro de contradições
E aqui chegamos às polêmicas. A mais antiga é a que diz respeito à questão da dismorfia. A magérrima Barbie tem medidas absolutamente antinaturais, quase impossíveis de ver em mulheres reais. Mesmo assim, a boneca simboliza um padrão de beleza que vem-se afirmando no mundo ocidental pelo menos desde a década de 1960: Barbie antecede em poucos anos o sucesso da modelo Twiggy, e ambas contribuíram para a explosão de casos de anorexia entre meninas nas últimas décadas.
Na verdade, a magreza não foi resultado de uma escolha estética, mas sim de uma estratégia comercial: se não fosse tão magra, Barbie não pareceria elegante e natural quando vestida com as dezenas de roupinhas de boneca que constituem parte essencial dos lucros da Mattel. Barbie, tanto quanto Twiggy (ou Gisele Bündchen), é apenas um cabide para vender moda e alimentar as caixas registradoras. Mas, mesmo não intencional, o efeito sobre o aumento de casos de dismorfia corporal é extremamente inquietante.
Falamos em dismorfia? Eis uma chave importante para a compreensão do mapa da boneca e de suas correlações com um antigo mito grego. Voltaremos a este ponto em outro parágrafo.
Outra polêmica antiga diz respeito ao estímulo à antecipação da adolescência. Barbie é consumida especialmente por crianças até dez anos, mas “vende” um comportamento de liberdade e independência que mais se assemelha ao do final da adolescência. Este consumo precoce de valores de uma faixa etária mais velha incomodou por décadas os educadores, pais e psicólogos. Contudo, as críticas já perderam força. A erotização da infância é hoje um fato, e não apenas por responsabilidade da estrela da Mattel.
Uma polêmica ainda mais séria é a da ausência de representatividade étnica: a Barbie original expressava um padrão estético branco e anglo-germânico, que nem o lançamento de versões negras ou hispânicas conseguiu diluir por completo. “O que adianta Barbie ganhar cabelos cacheados, pele escura e trajes exóticos, se suas medidas e traços faciais continuam a seguir o padrão da loura californiana?”, reclamavam os críticos.
Como resposta, a Mattel tem investido numa variedade cada vez maior de formas de apresentação. Algumas bonecas já estão tão distantes do padrão original que nem sempre é fácil reconhecê-las como Barbies.
Das polêmicas ao mapa: Barbie, a filha da Lua Nova
Não temos o horário exato do lançamento de Barbie. Contudo, ela vem à luz provavelmente na manhã do dia 9 de março, pouco depois da Lua Nova em Peixes, exata às 2h51 da madrugada. Como a Lua Nova é um símbolo de semeadura e de começos, consideramos que a carta da Lunação levantada para El Segundo, cidade-sede da Mattel, pode dar uma estrutura de casas para a compreensão deste sucesso mundial.
Vemos de imediato que o Ascendente é Capricórnio (um signo de corporações e negócios nada infantis) e que seu regente, Saturno, está em domicílio e ocupando a discreta casa 12. Netuno, planeta de sonho, fantasias e também dos enganos, ocupa o Meio do Céu. No conjunto, o mapa parece mostrar as lojas de brinquedos cheias de crianças de olhos extasiados enquanto o empresário de espírito prático fica escondido em seu suntuoso escritório, contando os milhões.
Se progredirmos este mapa da Lunação, veremos que em 2014, quando as vendas da Barbie começaram a despencar, a Lua progredida havia acabado de fazer um retorno à posição natal. Pouco tempo depois, em 2017, chegava ao Fundo do Céu, em oposição a Netuno. Barbie parecia ter encerrado seu ciclo e caminhar para o esquecimento (aposentadoria é assunto de casa 4!).
Mas não era ainda o fim da história: o lançamento do filme estrelado por Margot Robbie encontra a Lua progredida exatamente no Descendente do mapa de lançamento, em seu próprio domicílio e iniciando uma fase de vigorosa subida em direção ao Meio do Céu. Trata-se de um novo ciclo de popularidade, que se estenderá ainda por alguns anos e dará uma sobrevida à boneca mais lucrativa do universo.
A força de Marte e de Júpiter
Bonecas têm muito a ver com Vênus, mas este planeta, na carta de Barbie, está em exílio (Áries), em conjunção com o restritivo Nodo Sul e em trígono com o nada recatado Urano em Leão. Barbie não é a menininha disposta a atender às expectativas sexistas, pois expressa a emergência do desejo de romper as amarras de gênero e participar do mundo masculino. Marte, por sua vez, está em Gêmeos e em quadratura com o Sol, num dos aspectos mais importantes desta carta.
Como Mercúrio está em Áries, os dois planetas encontram-se em mútua recepção (troca de domicílios), o que fortalece a ambos. Marte e Mercúrio parecem proclamar ao mundo neste mapa os valores da adolescência e da ousadia: nenhuma surpresa, portanto, quanto ao enorme sucesso do personagem junto às meninas.
Destacamos até aqui o papel de Marte e de Saturno na carta da Barbie. Mas é preciso lembrar também a importância de Júpiter, o chamado Grande Benéfico, que, por sorte da Mattel, está domiciliado em Sagitário e dispondo de Sol e Lua (Júpiter é regente clássico de Peixes). O planeta ocupa a casa 11, relacionada ao futuro e aos projetos: para Barbie e suas fãs, o amanhã será sempre rosa. Forma também uma quadratura com Plutão, num aspecto indicador de riqueza e abundância. É a mesma configuração que esperaríamos encontrar no mapa de uma gigante do petróleo, ou de um personagem como o Rei Midas, que transformava em ouro tudo o que tocava.
A boneca de oito signos
Do ponto de vista do modelo de distribuição planetária, Barbie tem um mapa do tipo espalhado, ou salpicado. Não chega a ser perfeito (o modelo ideal, muito raro, teria planetas distribuídos por dez diferentes signos), mas a presença de planetas em oito signos já destaca a capacidade de sintonizar com uma grande variedade de interesses, aptidões e comportamentos. Com um mapa tão disperso, Barbie consegue agradar a crianças do Canadá, da Bolívia e do Afeganistão, sem maiores dificuldades.
Dos signos sem planetas, três são exatamente aqueles regidos pelos planetas femininos, Vênus e Lua, o que não deixa de ser sugestivo de quanto Barbie subverte algumas questões de gênero. Já os dois signos mais enfatizados da carta são Áries (o comportamento adolescente) e Peixes, este em destaque absoluto, com a conjunção Sol-Lua.
E aqui chegamos ao mito grego.
Barbie, atualização do mito grego de Proteu
Proteu era uma divindade marinha, filho primogênito de Poseidon. Era conhecido por sua grande competência de prever o futuro e profetizar, mas também pela capacidade de adquirir a forma que desejasse e fugir dos importunos que vinham solicitar seus serviços. Simbolizava a natureza amorfa da água, que se adapta a qualquer recipiente e não se deixa aprisionar.
Barbie é uma atualização do mito de Proteu, o que pode ser observado em três configurações de seu mapa de lançamento: a Lua Nova no oceânico signo de Peixes, Netuno no Meio do Céu e o mapa de modelo Salpicado, indicando o talento natural de “nadar conforme a maré” e assumir qualquer forma.
Ao longo de sua história de 64 anos, Barbie transmutou-se em tudo que, a cada década, poderia estimular a imaginação das crianças: foi vista como teen-ager, comissária de bordo, atleta, médica, cantora, modelo, vendedora, cadeirante, garota mexicana, africana, uma completa cidadã do mundo.
Tal como Proteu, pode ter todas as aparências, enquanto a verdadeira essência permanece nas sombras. Barbie é produzida em países do Terceiro Mundo, por operários explorados e mal-remunerados: sob os mil disfarces de Netuno, esconde-se a dura realidade do capitalismo capricorniano.
Outro ponto que une Barbie e Proteu é a compulsão pela transformação da própria aparência, que passa pela anorexia e, em casos extremos, pelas cirurgias mutiladoras. Há dezenas de Barbies e Kens humanos que se submetem a tantas intervenções radicais que, na verdade, parecem ter aberto mão da própria humanidade.
Proteu é quase um sinônimo de flexibilidade, ou de versatilidade. Porém, em seu aspecto mais negativo pode descer às profundezas e animalizar-se, tudo para não atender ao apelo de encarar o futuro. Este é o lado mais sombrio de Barbie: a maturidade e a independência que ela sugere só existem no mundo cor-de-rosa de Netuno.
Mauricio diz
Ótima análise. Bem adequada ao momento que vivemos. Parabéns!
Redação Constelar diz
Obrigado, Mauricio!