Com exceção dos historiadores, provavelmente ninguém mais deveria estar interessado hoje no comportamento de figuras tão distantes no tempo quanto a rainha Carlota Joaquina e a Marquesa de Santos. Todavia, o cinema e a TV periodicamente se encarregam de revivê-los através de filmes, minisséries e novelas. Filmes como Independência do Brasil, de 1972, e o divertido Carlota Joaquina, de Carla Camurati, já haviam despertado a atenção sobre tais personagens. Na minissérie A Marquesa de Santos, exibida pela TV Manchete em 1984, a amante do imperador ganhou corpo através da nudez de Maitê Proença. Já a minissérie O Quinto dos Infernos, produção da Rede Globo de 2002, foi impiedosa ao retratar Carlota Joaquina como uma rainha ninfômana, D. João VI como um monarca idiota, D. Pedro e o Chalaça (Francisco Gomes) como simpáticos garanhões e o príncipe D. Miguel como um neurótico. E todos vivendo numa sociedade absurdamente devassa, onde as roupas pareciam servir apenas para serem arrancadas por amantes ardentes.
Quinze anos depois, a Globo volta ao mesmo tema com a novela Novo Mundo, que estreou às 18h do dia 22 de março de 2017. Vênus, regendo o Ascendente e angular na casa 7 – a mais ocupada do mapa, aliás – mostra um decidido viés para o romance e a aventura leve (Vênus em Áries), temperado por uma certa preocupação em refletir os dilemas morais e as questões de poder da política brasileira atual. Basta observar que Júpiter está em Libra, na casa 1, envolvido numa quadratura T com Plutão, Urano e Mercúrio. O toque Libra/Júpiter garante um tom politicamente correto: se os protagonistas das versões anteriores foram Dom Pedro (1972), Carlota Joaquina (1995) ou o Chalaça (2002), a figura histórica que agora ocupa a função de queridinha do público é… a princesa Leopoldina!
Não é por acaso que Novo Mundo tem Júpiter em quadratura com Plutão. O aspecto também está presente em Independência ou Morte, o filme chapa-branca que, lançado em 1972, foi o precursor do interesse pela temática da Independência. Da mesma forma, Carlota Joaquina, de 1995, que coloca em cena os mesmíssimos personagens sob uma luz demolidora, foi lançado na esteira de uma conjunção Júpiter-Plutão em Escorpião, exata poucas semanas antes.
Correndo o risco de uma simplificação excessiva, podemos dizer que as obras sobre a Independência surgidas sob aspectos Júpiter-Plutão correspondem a momentos mais conservadores: o regime militar, em 1972; a ascensão de Fernando Henrique Cardoso, em 1995; e as tentativas de reforma da CLT e da Previdência sob Henrique Meirelles, em 2017. Já a minissérie O Quinto dos Infernos, em 2002, parece corresponder a um ponto fora da curva.
Com Urano no Ascendente, a elite esteve na berlinda
Seria natural que os acontecimentos da época da Independência viessem à baila em 2002, até porque naquele ano Urano transitava nas proximidades do Ascendente e avançava pela casa 1 do mapa do Grito do Ipiranga, onde permaneceria por mais alguns anos. O trânsito de Urano pelo Ascendente da Independência só acontecera duas vezes anteriormente, e foram dois períodos bastante convulsionados: o primeiro correspondeu às muitas revoluções e guerras civis do final do período regencial e do início do governo de Pedro II, cuja maioridade teve de ser antecipada às pressas; o segundo abrangeu os conturbados governos de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, que enfrentaram a porretadas e sucessivos estados de sítio ocorrências como a revolta do Forte de Copacabana, uma revolução em São Paulo, a fundação do Partido Comunista, ondas de greves operárias e agitação por todo o país.
Nota: Consideramos neste artigo o mapa da Independência para o horário das 16h30 LMT de 7 de setembro de 1822. Há defensores de outros horários, com o Ascendente variando do início de Aquário ao início de Peixes.
Nestas passagens anteriores de Urano pelo Ascendente, o país colocou suas elites na berlinda, e de forma bastante agressiva. É compreensível, assim, que a terceira passagem, em 2002, levasse o mais importante veículo de comunicação do país a abrir espaço para uma escrachadíssima demolição de ícones históricos tratados com reverência nos manuais escolares. Tudo em sintonia com o grande acontecimento político do ano, materializado alguns meses depois: a inédita eleição de um operário para a presidência da República.
A expressão quinto dos infernos foi aplicada ao Brasil pela rainha Carlota Joaquina, que não tinha o menor desejo de vir para cá – e que, ao retornar para Portugal, fez questão de limpar os sapatos ainda no cais, para tirar dos pés qualquer resquício de terra brasileira. Por ironia, foram os quintos do Brasil (o imposto de 20% cobrado sobre o ouro das Minas Gerais) que sustentaram por muito tempo a cambaleante monarquia portuguesa.
Tendo entrado no ar sob um Ascendente em Leão (por volta das 22h do dia 8 de janeiro), a minissérie tem em seu mapa uma erótica Lua escorpiana em quadratura com Urano, enquanto Mercúrio em Aquário forma conjunção quase exata com o melífluo Netuno. Atrevida, exagerada e cheia de sexo explícito, O Quinto dos Infernos apelou para o voyeurismo do público, lembrando uma espécie de pornochanchada histórica. Não obstante, despertou a curiosidade sobre meia dúzia de personalidades cujas vidas foram realmente um bocado movimentadas.
Novo Mundo e o resgate da imagem de Leopoldina
É sintomático que, em tempos de Lava Jato e de absoluto cansaço com os desmandos da classe política, a novela Novo Mundo tenha diminuído o peso de personagens interessantes mas extremamente corruptos, como Chalaça e Carlota Joaquina. Por outro lado, foi a primeira produção da indústria cultural a dar destaque à sempre esquecida Leopoldina, prometendo, inclusive, “corrigir” a História e evitar a exploração dramática de seu triste fim. A verdadeira imperatriz, em sua última carta, data de 8 de dezembro de 1826, assim relata os sofrimentos por que vinha passando:
Há quase quatro anos, minha adorada mana, como a ti tenho escrito, por amor de um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado da maior escravidão e totalmente esquecida pelo meu adorado Pedro. Ultimamente, acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento a meu respeito, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças.
Leopoldina morreria deprimida e abandonada três dias depois. Com Júpiter em Libra no Ascendente da estreia, a novela Novo Mundo decidiu que as boas imperatrizes não morrem diante do público, e optou por um final mais cor-de-rosa. Ao menos na novela, é possível fazer justiça contra o arraigado poder de Plutão em Capricórnio.
Leia a série completa sobre as personalidades que levaram o Brasil da Colônia à Independência:
- Do Quinto dos Infernos ao Novo Mundo
- Carlota Joaquina, quase rainha da… Argentina
- D. João VI, apenas um comedor de coxinhas?
- Marquesa de Santos, a Titila do Imperador
- O dia em que a família real fugiu para o Brasil
- Chalaça, a sombra danada do Imperador
- Afinal, quem era o Chalaça?
- Chalaça, o homem do Chupa-Chupa
- Chalaça e PC Farias, estranhas semelhanças
- Dom Pedro I e Fernando Collor: a história se repetiu?