Dois astrônomos — um professor e sua auxiliar, candidata ao doutorado — descobrem que um gigantesco meteoro irá atingir a Terra em seis meses. É preciso fazer a notícia chegar à comunidade científica e às autoridades governamentais, mas ninguém parece dar a mínima importância. A presidente dos Estados Unidos (Meryl Streep num papel sob medida) é cínica, mentirosa, corrupta e guarda esqueletos no armário. Tem um filho um tanto idiota que, além de chefe de gabinete, também interfere no trabalho do FBI. Empresários interesseiros também estão no circuito: por que pulverizar o meteoro com armas nucleares se ele pode conter riquezas minerais que farão a fortuna de quem as explorar?
Este é o ponto de partida de Não Olhe para Cima (Dont Look Up), produção da Netflix que se tornou a mais assistida e comentada no mundo desde a semana do Natal. Não é para menos: o filme tem tudo a ver com o mapa de sua estreia, em dezembro de 2021, e funciona como um espelho bastante impiedoso destes tempos de Plutão em Capricórnio, Netuno em Peixes e Urano em quadratura com Saturno.
Não é um filme-catástrofe. A destruição do planeta é apenas uma metáfora para falar do negacionismo, das fake news e da filosofia cínica do “cada um por si” — as grandes pragas desde mundo pós-pandemia.
Os personagens podem ser divididos em quatro grupos que conhecemos muito bem: os representantes da ciência, os políticos profissionais, as grandes corporações e a mídia. Movendo os cordões da marionete, o indefectível Plutão.
Plutão em Capricórnio: não olhe para cima, ele ainda está lá!
Capricórnio é signo de estruturas hierárquicas, da organização do Estado, das ambições políticas e da administração pública. Plutão é um significador de jogos de poder, controle e manipulação. Desde que entrou em Capricórnio, em 2008, vem virando a política do mundo pelo avesso e trazendo à tona o jogo bruto dos grandes interesses, com a apropriação da máquina pública para aventuras personalistas e até mesmo ditatoriais, num vale-tudo sem fim. Basta pensar nas figuras que emergiram durante este período para vermos em toda a parte a marca de Plutão em Capricórnio:
- Xi Jinping, Vladimir Putin, Recep Erdogan, Kim Jon-un e Nicolás Maduro, todos autocratas assumidos;
- Donald Trump e seus seguidores mundo afora, que assumem o poder pelo voto e depois vão minando as estruturas democráticas dos países que dirigem.
As armas desta geração de autocratas pluto-capricornianos são sempre as mesmas: uso intencional das fake news, conservadorismo extremado e negacionismo. O auge destas características corresponde exatamente à tríplice conjunção de Júpíter, Saturno e Plutão em Capricórnio, em 2020, a mesma que trouxe também a Covid-19.
Não Olhe para Cima é antes de tudo um filme sobre o negacionismo. Não apenas o de quem não acredita na ciência por motivos ideológicos, mas principalmente o de quem tem plena condições de compreender a realidade e prefere negá-la por pura conveniência calculista. Interessante observar que o filme começou a ser produzido no final de 2019, quando a tríplice conjunção ainda estava em formação, e foi lançado mundialmente pela Netflix na véspera do natal de 2021, sob um stellium de quatro planetas em Capricórnio. O dispositor deste quarteto é Saturno em Aquário, fazendo naquele dia sua última quadratura exata a Urano em Touro. É um aspecto que se repetiu várias vezes ao longo de 2021 e sintetiza a tônica destes tempos estranhos: o embate entre política e ciência, assim como a subordinação da pesquisa e dos avanços tecnológicos a interesses econômicos os mais variados. Quem melhor corporifica Saturno-Urano no filme é o ansioso Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), estraçalhado pelas próprias contradições éticas.
Mudanças à vista… mas só daqui a três anos
Urano não tem em Touro um de seus posicionamentos mais confortáveis. Será preciso aguardar seu ingresso em Gêmeos, em 2025, para que a comunidade acadêmica comece a respirar novos ares, menos contaminados pelo imediatismo do lucro. Plutão só deixará os domínios da política em 2024, quando ingressar em Aquário. E, lembrando que Netuno em Peixes tem sido um grande combustível das redes sociais e da credulidade da opinião pública, será preciso também aguardar o ingresso de Netuno e Saturno em Áries, em 2025-26, para que o uso manipulatório das fake news comece a perder força.
Em Não Olhe para Cima os meios de comunicação e seu dúbio papel estão exatamente no meio do tiroteio. Ao tratar da postura de apresentadores de TV, figurões do showbiz e jornalistas da grande imprensa, o filme é absolutamente demolidor. A notícia é antes de tudo um produto, e, se a audiência não reage conforme o esperado, passa-se de imediato para a próxima atração. É o pragmatismo de Mercúrio em Capricórnio do mapa da estreia somado ao escapismo de Netuno em Peixes.
A jovem astrônoma Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence, ótima), que não consegue conter a emoção ao anunciar a tragédia iminente, desencadeia reações negativas nas redes sociais e é imediatamente defenestrada. Neste filme, o anseio de quem pretende ser levado a sério por simplesmente fazer a coisa certa e dizer a verdade (Lua em Virgem) acaba sempre detonado por quem tem algum poder, sejam militares, pessoas poderosas ou apresentadores de TV (aspectos tensos da Lua com Marte e Júpiter). Kate, aliás, é a própria corporificação do aspecto Lua-Marte da estreia do filme, já que representa o bom senso indignado das pessoas comuns frente à incompetência do Estado para resolver questões realmente essenciais.
Não Olhe para Cima está longe de ser uma obra-prima. Mas, ao lado do coreano Parasita, é um dos filmes que melhor captam o Zeitgeist (espírito do tempo) deste ínício de década tão marcado por Capricórnio. Que o diga a enxurrada de memes que associam os personagens do filme aos figurões da política brasileira — e também argentina, mexicana, italiana, turca… Plutão em Capricórnio continua manipulando os cordões da marionete em todos os idiomas.