Uma das questões importantes que a Psicanálise, através de Jacques Lacan, aponta no seu estudo do aparelho psíquico é a existência de um lugar da falta. No seu Seminário 4, “A relação de objeto”, Lacan indicou haver uma relação entre falta e objeto. E concluiu dizendo que uma falta psíquica pode e deve ser preenchida por algo (objeto) como resultado do desejo do sujeito.
Para explicitar o funcionamento do aparelho psíquico Lacan estabeleceu três registros psíquicos – o Real, o Simbólico e o Imaginário – RSI.
O registro do Simbólico é o lugar fundamental da linguagem. É a relação do sujeito com o Grande Outro (a Cultura). Para cada sujeito envolve aspectos conscientes e inconscientes. Isso significa que a maneira que o Inconsciente se manifesta, se dá através da linguagem.
O registro do Imaginário é um registro psíquico correspondente ao EU (ego) do sujeito. Esse, busca no outro (pessoas, amor, imagem, objeto), uma sensação de completude, de unidade. No entanto, o Outro não existe para desenvolver a imagem com que o EU (ego) quer ser sustentado.
O Imaginário define-se como o reino em que não existe divisão entre sujeito e objeto. Significaria dizer que, nesse registro, o sujeito não se diferencia do objeto do seu desejo, formando, pois, uma unidade. Nessa fase, o enfant começa a estabelecer uma ilusão narcísica, pela qual buscará nessa relação indissolúvel entre sujeito e objeto perceber a falta e a incapacidade de se integrar com ela mesma. Na medida em que o enfant se identifica com sua imagem, experimenta a falta.
O registro do Real psíquico não deve ser compreendido com a noção corrente de realidade. O Real para Lacan é o impossível, aquilo que não pode ser simbolizado e que permanece impenetrável para o sujeito. Ele nos diz que o Real é aquilo que escapa à materialização e, assim também, ao desejo.
No registro do Real, o sujeito fica totalmente incapacitado para seguir o princípio da realidade, tornando-se (em certo sentido), um sujeito de ficção. Por isso, Lacan coloca o Real como algo fictício, sujeito à linguagem, vinculado ao desejo. No Real se expressa e se recicla de forma permanente um desejo que o sujeito nunca pode gratificar.
No sentido de complementar nosso trabalho de pesquisa, fui buscar nos trabalhos desenvolvidos pela psicanalista Piera Aulagnier um outro registro psíquico. Piera acompanhou Lacan quando de sua ruptura com a IPA (Associação Psicanalítica Internacional) em 1964. Trabalhou com ele mais alguns anos, inclusive participando ativamente da elaboração do Seminário 9 – A Identificação. Em 1969, rompeu com seu mestre indo formar seu próprio grupo – Quatrième Groupe – em Paris.
Com ela, entendemos a existência e a importância de um quarto registro – o Originário. Aulagnier considera que, antes do processo primário – que vai constituir o Inconsciente – existe um modo mais arcaico de funcionamento biológico (que terá no futuro uma influência no aparelho psíquico), que representará, isto é, registrará nessa estrutura originária o encontro inaugural boca-seio, por meio de um pictograma ou representação pictográfica.
O Originário ignora todo signo de relação. Prazer e desprazer são decorrentes de sucessivos encontros. Graças à exigência de representatividade, ele inscreve uma “imagem da coisa corporal”. Esse primeiro processo de inscrição é sensorial. Nesse nível, o encontro da boca (órgão sensorial) com o seio (objeto complementar externo e com poder de estimulação) leva ao prazer ou desprazer e será o protótipo do elemento de informação libidinal possível de ser representado.
Para a atividade pictográfica, que é pulsional, é impossível representar a boca separada do seio. Eles serão representados como se fossem uma unidade, gerando ora prazer, ora desprazer. É uma lei do “tudo ou nada”. É próprio do pictograma a impossibilidade de levar em consideração os conceitos de exterioridade, de não-identidade, de ausência de projeção.
A representação pictográfica do fenômeno é condição necessária à sua existência na psique. É o modo de funcionamento mais primitivo, mas que se manterá em ação no decorrer da vida do sujeito, simultânea e mais ou menos conflituosamente com os processos primário e secundário de que nos fala Freud.
Representação astrológica da teoria psicanalítica
Assim, astrologicamente, dividimos a mandala em quatro processos: o Originário, o Simbólico, o Imaginário e o Real. Para os três primeiros, temos sempre quatro casas astrológicas, cada uma representando um elemento – fogo, terra, ar e água.
Para as três casas de água – quatro, oito e doze – o mesmo raciocínio da divisão em duas partes, colocando os últimos dez graus (ou último terço da casa) representando o lugar da falta ou do furo, o Real.
Assim, para a quarta casa, temos o lugar de das Ding (a Coisa), lugar psíquico do furo (ou falta) – definido por Freud – fundamental ao aparelho psíquico que faz mover (movimentar) o desejo. Por ser o núcleo de todo processo psíquico é um lugar que só é percebido se porventura algum luminar ou planeta ali se encontrar ou fizer sua passagem por progressão ou trânsito.
Para a oitava casa, localizada no registro do Simbólico, temos a existência de uma falta que Lacan denominou de objeto a (objeto “autre”, em francês). É ele que se aloja no âmago do Outro do amor. Por possuir o objeto que desperta o desejo, aquele que você ama, é também seu parceiro sexual – ele vira então objeto do desejo.
O objeto a não é um objeto do mundo sensível, empírico. Pode ser qualquer coisa ou alguém que provoque desejo ou angústia. Não é nomeável, pois não é da ordem da linguagem. Nem tampouco tem algum aspecto, pois não é visível e nem tampouco tem consistência É da ordem do Real. O objeto a afeta o sujeito e sua única consistência é lógica.
Equivale ao objeto perdido cuja falta estrutura o Inconsciente. O objeto a é aquilo atrás do qual passamos a vida correndo. Mas nunca o encontraremos, a não ser seus substitutos, transitórios ou fugazes. Trata-se de um objeto sempre em alteridade para o sujeito do desejo que o “encontra” no pequeno outro, seu semelhante, como aquilo do parceiro que lhe desperta o desejo e lhe dá prazer. É também o objeto da angústia e alvo (efêmero) da satisfação pulsional.
Para a décima-segunda casa, localizada no registro do Imaginário, temos uma falta nos seus dez últimos graus (ou último terço da casa). Tanto Freud como Lacan dominaram esse lugar de Falo Imaginário. Um lugar de falta que permite a construção (ou não) de uma imagem narcísica que, a princípio irá sustentar toda a organização do registro do Imaginário.
Numa fase madura, permite organizar uma hipótese ordenadora. Aqui há a existência de um significante que permite um acesso a um ponto onde não há significantes. é um operador simbólico que possibilita ao sujeito se situar frente ao seu desejo. O Falo Imaginário pode permitir ao sujeito se fazer representar diante do que não possui qualquer representação no Inconsciente, ou seja a diferença sexual.
Aqui podemos refletir a construção da escolha sexual – não se nasce homem ou mulher, torna-se. O sujeito poderá se posicionar como homem ou mulher (ou outra forma) e se deparar com a inexistência de um significante que defina a posição de cada sexo no Inconsciente, Cabe ao sujeito situar-se quanto ao seu desejo.
Na verdade, ninguém tem o Falo (Imaginário). O homem se protege da falta por meio do “ter”. A mulher encontra como meio de proteção, esconder a falta por meio de “mascaradas”. Todo e qualquer sujeito é marcado pela falta.
Onde entra o Complexo de Édipo?
Para finalizar, cabe apresentar, resumidamente, o Complexo de Édipo. Esse é uma ordenação que regula o desejo, nesse lugar fundado pela Psicanálise. O Édipo freudiano é uma estrutura que se inaugura como efeito da castração.
Castração é uma operação colocada em curso pela lei (simbólica) que constitui o complexo subjetivo. Dessa maneira é que se dá a fundação do humano e o estabelecimento de uma relação que é essencialmente “de linguagem”.
A proposição freudiana alterou radicalmente a perspectiva cartesiana do sujeito. Assim, o desejo assume o estatuto de estorvo do pensamento, conturbando a ordem e impossibilitando a isenção de erros, em função da alma não ser puramente cognitiva.
Para compreender o Complexo de Édipo na Astrologia temos que fazer a interpretação da relação entre o SOL, a LUA e o ASCENDENTE. A maneira de lidar com a(s) falta(s) numa mandala é “acionar” a(s) casa(s) seguintes – a(s) de fogo – no sentido que possamos criar “soluções” (parciais) para lidar com essa(s) falta(s).
Apresentamos nesse artigo as bases conceituais e as possíveis articulações na criação de um método terapêutico que pretende aproximar os dois saberes – Astrologia e Psicanálise.