O remake da novela O Astro, em 2011, pôs em evidência os preconceitos que os meios de comunicação ajudam a difundir sobre a astrologia. Tipos estereotipados como o charlatão Herculano Quintanilha nada têm a ver com a comunidade astrológica – mas o público sabe fazer esta distinção?
Preconceitos na novela e no Globo Repórter
Vamos diretamente ao ponto mais irritante – ao menos para nós, astrólogos: O Astro é uma novela que contribui para a difusão de todos os velhos preconceitos sobre os métodos e a prática profissional da astrologia. O personagem principal é Herculano Quintanilha, que aprende astrologia enquanto paga por um crime que não cometeu. Ao sair da cadeia, passa a apresentar-se como astrólogo e mago numa churrascaria. Charmoso e com poucos escrúpulos, Herculano é um “alpinista social” que usa seu suposto conhecimento dos astros apenas como trampolim para as mais desvairadas ambições.
Para um público que, em sua esmagadora maioria, não tem uma compreensão correta do que é e para que serve o conhecimento astrológico, a novela apenas ratifica algumas associações automáticas que a mídia não cansa de difundir. E aí têm lugar todos os estereótipos do astrólogo como mago, suposto vidente, charlatão e oportunista, sempre disposto a explorar a credulidade do público. Herculano Quintanilha não faz verdadeiras leituras de mapas, e sim performances espetaculosas em ambientes de mau gosto. Tudo no personagem remete aos piores preconceitos, do turbante aos trajes em cores berrantes. É a velha conexão da astrologia com misticismo e breguice, como na letra da música-tema de João Bosco:
Em setembro
Se Vênus me ajudar
Virá alguém
Eu sou de Virgem
E só de imaginar
Me dá vertigem
Se alguém ainda acredita que essa exposição em horário nobre traz qualquer benefício, é porque desconhece a força de alguns poderosos grupos de pressão, para os quais a validação da astrologia representa uma desestabilizante ameaça.
Numa tentativa de tratar a questão com suposta imparcialidade, a Rede Globo dedicou, na mesma semana de estreia de O Astro, uma edição inteira do programa Globo Repórter à astrologia, com resultados bastante dúbios. Se o público teve a chance de conhecer as colocações sensatas de Cid de Oliveira e o desafio de pesquisa proposto por Francisco Seabra, teve, por outro lado, reforçada a impressão de que todo o conhecimento astrológico se resume a velhos chavões sobre signos solares. Foi o que propôs a veterana Zora Yonara, uma radialista muito conhecida no Rio de Janeiro, mas sem qualquer inserção no ambiente de produção teórica.
E mais: como de hábito na abordagem televisiva, o mesmo caldeirão misturou astrólogos, ciganos, integrantes de seitas espiritualistas e numerólogos. Essa mescla passa a falsa ideia de que todos fazem parte de um mesmo movimento, numa grande salada mística. Mascara-se, mais uma vez, o fato de que a astrologia é um saber racional e uma linguagem interpretativa cuja aplicação independe totalmente de dons psíquicos ou cosmovisões religiosas.
Cadê nosso serviço de media watch?
A pedagoga e astróloga bissexta Rita Kamil enviou uma mensagem contando o seguinte:
Insensato Coração, sucesso atual da Rede Globo [em 2011, na mesma época de O Astro], apresenta a atriz Glória Pires no papel de uma enfermeira, ou melhor, de uma auxiliar de enfermagem. A própria personagem fez questão de explicar a diferença mais de uma vez, e de forma extremamente didática. “Enfermeira só com curso superior”, foi o que ela disse. Na mesma novela há uma personal trainer que também já deu uma bronca num candidato a emprego só porque ele desconhecia que a profissão de professor de Educação Física é séria, regulamentada e exige diploma.
O que Rita quer dizer é que não se pode hoje denegrir a imagem de determinadas profissões nos meios de comunicação de massa sem o risco de um processo ou de, pelo menos, uma boa dor de cabeça. Se uma novela mostra um advogado desonesto, haverá sempre outro advogado de caráter íntegro, para compensar. Médicos? Quase sempre competentes e absolutamente dedicados – e trabalhando em hospitais imaculadamente limpos! (laboratórios e planos de saúde são grandes anunciantes, esqueceram?)
No mundo do politicamente correto, o papel de vilão sobra então para as profissões e grupos sociais com menor capacidade organizativa e mecanismos mais frágeis de autoproteção. Grupos com pouca voz na mídia são mais facilmente estereotipados, num mecanismo de exclusão bastante eficaz. Para virar esse jogo, a comunidade astrológica não deve pretender apenas maior presença nos meios de comunicação, mas sim uma presença qualitativamente eficaz, capaz de promover o rompimento do estereótipo fácil e a criação de um real interesse no público. Não é certamente o caso de O Astro, e nem tampouco do Globo Repórter.