Curitiba: sete linhas planetárias no caminho do biarticulado
Para quem não conhece Curitiba, ou conhece-a apenas superficialmente, começaremos com uma rápida explicação sobre a geografia da capital paranaense, para em seguida aplicar as linhas planetárias sobre a planta da cidade.
Curitiba é a segunda capital brasileira de altitude mais elevada (a primeira é Brasília), sendo que a maior parte da área urbana situa-se acima de 930 metros. Tal fato faz com que os verões sejam amenos e os invernos bastante rigorosos. Os bairros mais elevados situam-se na zona norte e a altitude vai diminuindo lentamente na direção sul, até as margens do rio Iguaçu, que marca a fronteira do município.
A construção mais alta de Curitiba (e mais alta do Brasil no gênero) é a Torre Mercês, que suporta equipamentos de telecomunicações e tem no seu topo um mirante que permite uma vista panorâmica de 360 graus. Quem sobe ao mirante tem a oportunidade de verificar que Curitiba cresceu em torno de dois eixos muito claros e bem definidos, ambos cortando a área central: são estes os eixos nordeste-sudoeste e leste-oeste, facilmente verificáveis por se apresentarem, vistos do alto, como duas “tripas” de avenidas movimentadas, tráfego intenso e uma compacta barreira de edifícios.
Outros setores da cidade — as regiões noroeste e sul, por exemplo — mostram-se como áreas bem mais tranquilas, com população mais espalhada e predomínio de edificações baixas e áreas verdes. Os dois eixos a que nos referimos são como dois rios por onde corre o movimento da cidade. Em torno deles estão os bairros de maior especulação imobiliária, os grandes shoppings, os pontos da moda.
No caso de Curitiba, o Local Space pode ajudar a testar a hora mais provável da fundação da cidade, em 29 de março de 1693. Temos uma série de bons argumentos, que são detalhados em outro artigo, para situar o horário correto em torno das 10h da manhã. Neste caso, o trajeto das linhas planetárias daí decorrentes deve apontar para significados compatíveis com a vocação histórica e a função atual dos vários setores da cidade. Projetaremos as linhas planetárias tomando como referência a Praça Tiradentes, local de fundação e onde está o marco zero de Curitiba.
O primeiro dado significativo é que sete das dez linhas correm no sentido aproximado nordeste-sudoeste, confirmando claramente o eixo mais ativo no desenvolvimento da cidade. De forma geral, aí estão os bairros mais importantes e densamente povoados, assim como a maioria das áreas consideradas nobres e valorizadas. Isso inclui o Batel, uma espécie de Ipanema curitibana bem a sudoeste do Centro. Não por acaso, este é mais ou menos o sentido do trajeto da principal linha do ônibus biarticulado, que alimenta alguns dos terminais de maior movimento da capital paranaense.
Duas das linhas restantes correm praticamente no sentido leste-oeste. Experimente observar o que há por ali: é o eixo de desenvolvimento urbano que se estende do estádio Pinheirão, a leste, até o parque Barigui, incluindo algumas vias retilíneas que cruzam a cidade de uma ponta a outra, algumas delas cercadas por uma barreira de altos edifícios residenciais. A última linha faz o trajeto norte-sul e cruza o Centro Cívico, bem a norte do centro, núcleo de decisões do município. Parece lógico, não?
Mas vamos à contrapartida: no eixo noroeste-sudoeste, que não é cruzado diretamente por qualquer linha planetária, o que encontramos? Avenidas de trânsito complicado ou algo que lembre a agitação do Batel? Ao contrário. O que vemos por ali são exatamente os bairros mais modorrentos de Curitiba, alguns deles lembrando ainda a tranquilidade de pequenas cidades interioranas. Enfim: Curitiba parece ter-se organizado nitidamente em torno de um molde invisível, onde a teia das ruas reflete e corporifica a trama do cosmo.
A linha Sol-Mercúrio
Comecemos por analisar dois pares de linhas que cortam a cidade praticamente superpostas, criando uma regência mista sobre as áreas que atravessam. O primeiro par é Sol-Mercúrio, cujas linhas correm tão unidas que devem ser consideradas, na verdade, como uma só. Ao longo de seu trajeto, os significados dos dois planetas aparecem fortemente mesclados, se bem que aqui e ali seja possível perceber a predominância de conteúdos de um e de outro.
A linha Sol-Mercúrio, a partir do Centro para noroeste, atravessa o Passeio Público e avança em direção ao Alto da Glória, de onde prossegue até atingir os limites da cidade no bairro do Atuba, ao norte do trevo rodoviário da BR-116. No sentido sudoeste, a partir da Praça Tiradentes, atinge em cheio a movimentada Praça Osório e corta ao meio o bairro do Batel. Estão sob a regência das linhas Sol-Mercúrio a Boca Maldita, o shopping Cristal, a TV Paranaense, a rua 24 Horas e quase toda a Avenida do Batel.
Mercúrio aponta para regiões movimentadas, com forte vocação comercial ou que estimulam a conversa, a troca de informação, a atividade educacional e as concentrações de jovens. A linha do Sol indica áreas nobres e vocacionadas para o brilho, além de responder pelos bairros que melhor definem a identidade da cidade. O Batel é, neste sentido, “a cara” de Curitiba, ou a face solar-mercuriana que a cidade deseja mostrar. Alguns bairros da zona noroeste, como o Cabral, apresentam vocação semelhante, com belas construções e crescente sofisticação.
No caminho da linha do Sol fica a Rua Comendador Araújo que, nas últimas décadas do século XIX, era a residência dos “barões do mate”, figuras mais importantes da aristocracia local. Também sob a linha do Sol está o Passeio Público que, embora um tanto desprestigiado nos dias de hoje, já foi o espaço mais moderno e elegante da cidade no início do século XX.
Mesmo o periférico bairro do Atuba carrega um significado solar, já que ali surgiu o primeiro núcleo de povoamento de Curitiba, o Arraial Grande, onde concentravam-se os aventureiros de Ébano Pereira, no século XVII, em busca do ouro de aluvião (o ouro é um metal regido pelo Sol). Quanto ao Alto da Glória, o próprio nome já remete à ideia do Sol a pino, pois glória é um conceito solar e alto indica um lugar destacado na paisagem.
Na carta natal de Curitiba, Mercúrio (comunicação) está em Áries, signo de Marte (assertividade, agressividade). A Boca Maldita — tribuna informal em plena rua, onde circulam as fofocas políticas, formam-se opiniões e acontecem comícios, manifestações e performances de artistas de rua — reflete bem essa marca mercuriana. Além de ser um dos pontos mais movimentados da cidade, foi também o palco da primeira manifestação pública da campanha das Diretas Já, em 1984, dando início ao processo que levou ao estabelecimento da Nova República, em 1985.
Também é ali que se situa o Palácio Avenida, edifício utilizado durante todo o transcorrer de dezembro para a apresentação do coral de crianças que já se transformou em uma das atrações turísticas de Curitiba.
A linha da Lua
O segundo par de linhas superpostas é Lua-Plutão, cujo percurso também é idêntico, mas com a particularidade de que a Lua é ocidental, afetando mais fortemente a região Oeste, e Plutão é oriental, sendo sua presença mais sentida nos bairros da Zona Leste.
A Lua rege as superfícies líquidas, os parques de ambiente nostálgico e repousante, assim como os restaurantes e todos os locais que, de alguma maneira, inspiram a imaginação e estimulam a ligação com o passado e com a família. O bairro mais lunar de Curitiba é, sem dúvida, Santa Felicidade, que surgiu no século XIX como uma colônia de imigrantes italianos e hoje abriga tranquilos condomínios residenciais, além de imensos restaurantes e a maior e mais tradicional concentração de descendentes de italianos da capital paranaense.
A figura da mamma que agrega filhos e netos em torno de generosos pratos de polenta lembra a simbologia de Câncer, signo de domicílio da Lua. Outro espaço lunar é o belo Parque Barigui, onde se localiza o maior espelho d’água da região urbana. O subtom plutoniano desta linha transforma a região também em um espaço seletivo, fato visível no populoso bairro do Bigorrilho, que sofreu uma forte explosão imobiliária na última década. Apesar de valorizado e densamente povoado, este bairro não apresenta muito movimento nas ruas, e tende a permanecer o que é hoje: uma área residencial, e não um agitado point social.
A linha de Marte
A linha de Marte corre praticamente no sentido norte-sul, sendo, aliás, a única a fazê-lo: é a linha de trajeto mais afastado das demais, permitindo que a regência de Marte se afirme de forma indisputada por uma larga porção da cidade.
Marte rege o esforço físico, o esporte, a luta pela sobrevivência, a adrenalina, os confrontos, a iniciativa. É significador de processos dinâmicos, onde há necessidade de dispêndio de energia, assim como de máquinas, motores e da indústria mecânica. No mapa Local Space, tende a indicar áreas onde se desenvolvem atividades esportivas, quartéis, oficinas de automóveis, núcleos operários e assim por diante. Pode ser também um indicador de regiões onde a violência e sua repressão estejam na ordem do dia.
É significativo que boa parte da Zona Sul esteja no trajeto desta linha. Em contraste com outros setores de Curitiba, ali encontramos bairros menos arborizados, de paisagem mais áspera e despojada, em consonância com as características deste planeta masculino. A linha de Marte passa diretamente sobre o estádio do Atlético Paranaense – o “caldeirão da Baixada”, território da torcida mais numerosa e fanática do Paraná. Mais ao Sul, está a Vila Fanny, sede do time com maior número de títulos nos campeonatos de futebol amador.
Ao longo desta linha encontramos uma grande concentração de campos de várzea, gramados onde o futebol é jogado por prazer e onde surgem, ainda hoje, muitos futuros craques para os grandes clubes. A linha de Marte também passa perto dos bairros de tradição operária no final do século XIX, São Francisco e Bom Retiro, que concentravam aguerridos sindicatos e associações de trabalhadores (imigrantes, na maioria). Já no extremo sul de Curitiba estão os bairros operários modernos, habitados por gente acostumada a “dar duro” e “batalhar pela sobrevivência” (duas típicas expressões marcianas).
Ainda Marte: parques que lembram o trabalho braçal
Duas das mais aprazíveis áreas verdes de Curitiba, o Bosque do Papa e o Parque São Lourenço, estão no trajeto da linha de Marte, o que, em princípio, não parece muito lógico. Contudo, basta lembrar como surgiram para perceber a presença da marca marciana: ambos tiveram origem em terrenos desapropriados de antigas fábricas; ambos são muito procurados por desportistas matinais; e, no caso do Bosque do Papa, a atração principal são as sete casas de troncos que compõem o Memorial da Polônia, mostrando os objetos e ferramentas que caracterizavam a rotina de lutas dos primeiros imigrantes poloneses. Ali estão, entre outros objetos, a pipa de azedar repolhos e a velha carroça, sempre a lembrar o trabalho braçal. A beleza do Bosque do Papa provém exatamente de sua simplicidade rústica e espartana.
Local Space de Curitiba: as linhas de Plutão, Urano, Netuno, Júpiter e Saturno