Mais escorregões
do Globo Repórter
Qual seria a influência cósmica
sobre nós, os terrestres? São 12 os signos
do Zodíaco e todos eles têm características
marcantes.
Aqui aparece um novo lugar comum: o de que astrólogos
estudam influências cósmicas (também
referidas popularmente como vibrações, eflúvios,
fluxos astrais etc.). Trata-se de uma distorção, já
que o campo de estudo da Astrologia são as correlações
entre fenômenos celestes e terrestres, sem pressupor que haja
entre eles, necessariamente, um nexo causal. Deixar que se pense
que astrólogos levam a sério a teoria das influências
é expor a Astrologia a ataques tão injustos quanto
irrefutáveis, como o dos astrônomos que argumentam
- e com toda a razão! - que a influência energética
do corpo do obstetra sobre o bebê na hora do parto é
centenas de vezes mais potente que a de planetas distantes, como
Plutão. Astrólogos sabem que as coisas não
funcionam exatamente assim, mas raramente conseguem impedir que
os meios de comunicação lhes atribuam este discurso
simplista.
E prossegue o texto do programa:
Coragem e iniciativa são qualidades atribuídas
a quem nasce sob a influência de Marte, que governa Áries.
O libriano tem o dom do equilíbrio, da harmonia. É
o signo do ar, dominado por Vênus. Urano governa Aquário
e impõe a liberdade, a vanguarda. Netuno teria dado aos piscianos
a intuição, a sensibilidade. E os nossos limites?
Bom, isso é com Saturno, que tem fama de durão.
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A logomarca da UnB sugere Netuno, planeta
de fusões e sínteses - inclusive do conhecimento
científico com o paracientífico. |
Certamente este texto não passou pela revisão
de um astrólogo, já que não faz mais do que
reforçar a concepção de que tudo se resume
aos signos solares. Sabemos que não existem librianos ou
piscianos, mas seres humanos complexos, que mesclam uma infinidade
de traços astrológicos. O texto do Globo Repórter,
apesar de ter passado uma idéia positiva da matéria,
não fez a necessária distinção entre
a Astrologia de caráter popular, que utiliza apenas os doze
arquétipos de signos solares, e a de natureza mais técnica,
onde o que conta é a delicada teia de interações
entre planetas, signos e casas. Em conseqüência, é
bem provável que mais gente passe a prestar atenção
na coluna de horóscopo do jornal, exatamente o tipo de Astrologia
que a pesquisa da Universidade de Brasília não
pretendeu validar.
De acordo com os astrólogos, os astros e os
planetas têm o poder de nos guiar. E tudo depende da
posição do Sol na hora exata do nascimento.
Mas estaria mesmo o destino de nossas vidas escrito nas estrelas?
Falso. A maioria dos astrólogos não
atribui aos planetas "o poder de nos guiar" nem diria
que tudo depende apenas da "posição do Sol".
Muito menos teria a coragem de afirmar que "o destino de nossas
vidas está escrito nas estrelas". É possível
assistir a um congresso inteiro de Astrologia, ou ler centenas de
páginas sobre o tema, sem encontrar tais expressões
uma única vez sequer. São afirmações
como estas, atribuídas indiscriminadamente a todos os astrólogos,
que nos tornam vulneráveis aos ataques de astrônomos
e outros cientistas. Aqui, mais uma vez o Globo Repórter
reforçou percepções deturpadas.
"Existem indícios bem fortes e bem claros
de que a posição dos planetas e dos astros, na hora
do nascimento, influencia mesmo. Dá para tirar conclusões
quanto à personalidade da pessoa", diz o coordenador
da pesquisa, Paulo Celso Gomes.
Finalmente uma referência ao resto do sistema
solar. O problema é a utilização, mais uma
vez, da expressão influência. Quem vai aparar
os tomates que todas as sociedades astronômicas certamente
arremessarão? E, logo na seqüência, outra afirmação
descuidada:
Paulo Celso vivia desconfiando das previsões
astrológicas. Mas, depois que coordenou uma pesquisa da Universidade
de Brasília (UnB), o professor passou a acreditar na influência
dos astros.
Por que os meios de comunicação sempre
reduzem a credibilidade da Astrologia a uma simples questão
de acreditar ou não acreditar? Observe-se que
este é o mesmo verbo que costuma estar presente quando se
fala de fadas, duendes, anjos, espíritos, céu, inferno
e tudo mais que tenha relação com o chamado mundo
oculto. Uma pesquisa como a da UnB não permite acreditar,
mas sim constatar, verificar, testar a validade.
Mas, nas suspeitas palavras do Globo Repórter, é o
próprio coordenador da pesquisa quem, ao terminá-la,
em vez de constatar a efetividade dos princípios astrológicos,
prefere "acreditar nos astros", como se fosse apenas uma
questão de fé.
Estamos sendo pessismistas demais? Talvez.
Todo o restante da matéria, incluindo a apresentação
de dois casos de pessoas que confirmaram plenamente as previsões
do astrólogo, foi muito estimulante como sinal de uma mudança
de postura sobre o tema. Mas o programa do Globo Repórter
mostrou que os velhos vícios de avaliação da
Astrologia pelos meios de comunicação continuam de
pé. Se Francisco Seabra merece um 10 pelo seu trabalho, a
Rede Globo fica, por enquanto, com uma desconfiada nota 5.
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Fernandes.
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