Restrição:
um ato de amor
Imagino que se tivéssemos que perceber o amor
totalmente inclusivo de uma só vez deixaríamos de
existir como seres dissociados. Não haveria uma chance de
darmos permanência à existência, porque tudo
seria admitido. Se tudo fosse admitido e incluído sem gradação
ou percepção de contrastes nem mesmo nosso organismo
seria capaz de manter-se vivo. Assimilaríamos todas as substâncias,
adequadas e inadequadas, não sentiríamos repulsa por
algo que pode nos envenenar. Contudo, por incrível que pareça,
até mesmo nisso a realidade parece ser todo-inclusiva. Como?
Se observarmos a ação das vacinas e dos remédios
fitoterápicos, por exemplo, veremos que aquela mesma substância
pode ser curativa ou venenosa. O que faz a diferença entre
a cura e a morte é a dosagem.
Mais uma vez: somos limitados, mas isso não
nos impede de realizar o processo de inclusão. Nada mais
plutoniano ou marcial que uma substância forte o suficiente
para destruir o organismo, mas que, em dosagem adequada, expele
o que o estava destruindo. Ora, Plutão, regente moderno de
Escorpião, é considerado, desde sua descoberta, do
mesmo modo que Marte, um planeta "maléfico". Mas
se não fosse sua ação destruidora, como uma
vacina poderia curar? É o Ato de Amor, implícito no
ato de curar ou no ato de destruir o "pernicioso", de
purificar, que está por trás do símbolo agressivo
e violento de Marte e de Plutão.
A filosofia derivada de estudos cabalísticos
revela uma cosmogonia onde um ser supremo, ao "criar",
limitou-se. Foi-se limitando até o ponto de haver ao mesmo
tempo dualidade e ritmos. Estes últimos nós astrólogos
conhecemos como "quadruplicidades". Para que a existência
fosse possível, mostra a Cabala, foi preciso um ato de amor
infinito que nós humanos não poderíamos compreender
sem uma idéia de total-inclusão. Este ato de Amor
Infinito foi justamente a Restrição. O Infinito tornando-se
existente no Finito. A seletividade, neste ato de Amor, visto sob
o ângulo da Astrologia, equivale às ênfases de
atributos que cada planeta e signo representam, mas que não
passam de graus diferentes de uma mesma coisa.
Uma outra analogia, polêmica talvez, em vista
da cegueira humana, para demonstrar a ação curativa
de elementos destrutivos, seria a idéia de bem e de mal na
visão cristã. Para quem vive hoje no mundo ocidental,
cristão em sua maioria, o Cristo é uma representação
do Bem. Todavia, para quem era senador romano ou membro do Sinédrio
em 33 d.C. a figura de Jesus representava um mal. Era algo pernicioso
para a rotina e para o andamento daquilo para que fora criada a
estrutura do Império Romano e das crenças das autoridades
locais. Ele era um elemento destrutivo com relação
à ordem vigente. Como podemos ver, a questão de bem
e de mal é bastante relativa à cultura e ao desenvolvimento
da consciência individual.
Luz e Trevas - Amor e Ódio
- Sagrado e Profano
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O pensamento inclusivo
também mostra claramente que o "sagrado" e
o "profano" não estão separados; que
o corpo e a energia espiritual que em teoria o forma são
uma única substância. Disso decorre que os eventos
mundanos e a vida cotidiana não só são
um reflexo de questões espirituais como também
fazem parte dela. Nada pode haver de mais sagrado do que a vida
cotidiana. Se o cotidiano é levado com consciência
de sua condição sagrada, mesmo as necessidades
que nossa sociedade considera menos nobres serão processos
espirituais e levarão à percepção
do vínculo que uma coisa tem com a outra. O ato de lavar
o chão, a postura dentro de um templo, as necessidades
fisiológicas, a oração, a negociação
comercial, o amor fraterno que faz doações de
caridade e o amor expresso no ato sexual são todos expressões
de uma mesma totalidade. Astrologicamente, portanto, no que
está descrito nas linhas acima, incluem-se os signos
de Gêmeos (comércio), Escorpião (excreção
e sexo) e Virgem (atividades consideradas subalternas e menos
nobres). |
Os portadores
de luz não são sempre dóceis. Jesus, retratado
por El Greco como uma figura desmaterializada, tinha energia
suficiente para expulsar os vendilhões do templo. |
Paradoxalmente os "portadores de luz" não
são sempre dóceis, bondosos, ingênuos e materialmente
muito produtivos como o ideal da sociedade capitalista impõe.
Eles trazem consigo boa dose de inquietação e de insatisfação
com a realidade previamente existente e são os mais passíveis
de sentirem raiva das condições limitadas em que a
humanidade vive. Antes de expressarem seu amor aos semelhantes,
detestam as instituições criadoras de antolhos. Apesar
disso, intuem que não é um atentado ou a destruição
da vida dos componentes das sociedades que trará um processo
evolutivo. Pressente-se que a reinserção do elemento
ódio no contexto cultural iria somente reforçar os
problemas que se deseja reduzir. O contrário seria sectarismo
e terrorismo.
Odiar, execrar e abominar
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