Análise astrológica de obras de ficção
Mapas de lançamento de filmes, livros, desenhos animados, peças de teatro e novelas de TV funcionam como se fossem um molde imantado: cada configuração do mapa expressa um tema – um conjunto de situações e de possibilidades dramáticas que de uma forma ou de outra serão desenvolvidas no decorrer da trama. Assim, se, por exemplo, um filme é lançado sob uma quadratura Vênus-Plutão, é de esperar que alguns personagens vivenciem alguma forma de manipulação ou absorção afetiva; se o aspecto dominante é uma conjunção Marte-Júpiter, podemos ter em pauta o comportamento aventureiro, adolescente ou heroico – ou tudo isso de uma vez.
É preciso resistir à tentação de restringir cada personagem da obra a apenas um planeta ou um aspecto do mapa de lançamento. Na prática, as coisas não se dão de forma tão didática, ou tão linear. No caso de telenovelas, é natural que o esquematismo do desenho dos personagens acabe criando uma identificação maior com este ou aquele fator da carta. Mas também é possível que um mesmo personagem esteja, num dado momento, vivenciando determinada configuração da carta e, no momento seguinte, dando vida a outra, totalmente diferente.
Assim, uma abordagem bastante produtiva é, em vez de buscar correspondências astrológicas mediante a análise isolada de cada personagem, considerar primeiro o mapa do lançamento em si, identificando, de forma abstrata, seus temas dominantes. A partir daí, cabe verificar que situações da trama dramatizam cada tema e que personagens estão envolvidos.
O mapa de Mulheres Apaixonadas
A novela Mulheres Apaixonadas estreou em algum momento entre 20h40 e 21h do dia 17 de fevereiro de 2003. A imprecisão de 20 minutos não é significativa, já que o Ascendente sempre estará em Libra e posicionamentos por casa se mantêm. O mapa aqui apresentado é aquele calculado para o Rio de Janeiro (por ser a sede da Rede Globo), às 21h.
O mapa apresenta uma distribuição planetária cujo desenho geral é conhecido como ampulheta ou gangorra, que se define pelo agrupamento dos planetas em dois blocos, opostos entre si. O modelo ideal contém três oposições: uma de centro, entre os dois planetas mais próximos do ponto médio de cada bloco; e duas de fronteira, entre os planetas nos limites de cada bloco. Deve existir pelo menos uma oposição.
No curso Modelos Planetários, da Escola Astroletiva, assim definimos a ampulheta:
O sentido básico da Ampulheta é o da oposição dos dois blocos planetários, o que lhe dá uma nítida conotação libriana (mesmo que não haja nenhum planeta neste signo). Existe uma forte dualidade de interesses e uma oscilação entre dois polos de consciência ou de atuação. A Ampulheta funciona melhor em situações flexíveis, apresentando grande capacidade de adaptação. O sentido da oposição traz consigo a problemática do relacionamento interpessoal, onde há a necessidade de conciliar a vontade do eu e do outro. É um tipo interessado em gente, sensível às necessidades de terceiros e disposto a relacionar-se.
Algo muito importante a observar nos mapas deste tipo é o sentido geral da oposição entre os dois blocos, que pode ser observado pelos hemisférios e quadrantes cortados pelas oposições. No caso do mapa da novela, vemos um grupo de três planetas – Saturno na casa 9, Júpiter na 11 e Lua na 12 – acima do horizonte. Já os planetas abaixo do horizonte espalham-se por um arco de aproximadamente 70 graus cujo ponto médio situa-se no final de Capricórnio, dentro da casa 4. Temos, assim, um jogo de forças que enfatiza as casas mais relacionadas à família e à segurança. Trata-se do chamado “eixo parental” (casas 4-10), já que essas casas simbolizam as funções de pai e mãe e tudo mais que esteja na esfera do conflito entre o doméstico e o profissional, o público e o privado, o que se exibe na rua e o que se esconde na intimidade do lar.
Assim, o clima geral da novela guarda relação com a libriana necessidade de conciliar interesses antagônicos, de lidar com as diferenças, de encontrar uma forma de convivência para os desiguais. Para negociar com o diferente é necessário antes compreendê-lo, o que chama a atenção imediatamente para o aspecto racional, “pé-no-chão”, dos conflitos deste folhetim. Entre o feijão e o sonho, a maioria dos personagens de Mulheres Apaixonadas opta pelo feijão – de preferência bem temperado e servido num restaurante fino. Afinal, Vênus, regente de Libra e do Ascendente, está em Capricórnio, signo da ascensão social.
Quando observamos que tanto Vênus quanto a Lua, regente do Meio-Céu, estão em práticos e contidos signos de Terra, ficamos imaginando por que diabos a novela se chama Mulheres Apaixonadas. Sentimentos são um luxo a que você se dedica depois de dar um jeito na vida, parecem dizer todos. Há uma gama completa de comportamentos terráqueos, desde os personagens responsáveis e dedicados ao trabalho, como a professora Helena (Cristiane Torloni) e as médicas Luciana (Camila Pitanga) e Laura (Carolina Kasting), até os tipos interesseiros, como a filha da empregada que engravida do filho do patrão ou como a irritante avó da menina Salete (Bruna Marquezine), que busca com rústica objetividade resolver suas carências materiais. De forma geral, a segurança passa na frente dos sentimentos. Nada de arroubos que comprometam a carreira. Nunca Vênus em Capricórnio encontrou tantas manifestações exemplares numa novela só.
Quatro configurações, quatro temas
Contra o pano de fundo das relações de confronto e de compromisso definidas pelo modelo ampulheta e pelo Ascendente libriano da novela, podemos identificar quatro configurações principais, cada uma desenhando um tema específico. Vamos conhecê-las.
Plutão e Marte em Sagitário em oposição a Saturno em Gêmeos
Dificilmente uma configuração poderia ser mais violenta. O sentido da oposição Saturno-Plutão já foi amplamente discutido por todos os astrólogos que escreveram, por exemplo, sobre o ataque terrorista ao World Trade Center e as retaliações americanas que o sucederam. É o poder subterrâneo (Plutão) contra a autoridade estabelecida (Saturno), a destruição radical (Plutão) de estruturas rígidas (Saturno), a conexão entre os símbolos da ameaça (Plutão) e do medo (Saturno) – enfim, um aspecto que coloca em questão situações críticas que precisam ser encaradas decididamente, já que representam riscos reais. Marte, o princípio da ação e da combatividade, agrega energia e violência ao aspecto. Marte e Plutão têm algo em comum, que é o fato de serem princípios agressivos. A diferença é que Marte é ostensivo, enquanto Plutão elimina de forma silenciosa, mas não menos eficaz.
A estreia da novela exatamente sob esta configuração não deixa dúvidas de que a destruição e a violência estariam de alguma forma presentes na trama. Trata-se de um dos quatro eixos temáticos em torno dos quais gira a história, e é evidente que esse eixo haveria de “atrair” irresistivelmente um certo número de personagens cuja função seria dramatizar tudo o que Marte, Plutão e Saturno significam. Como a configuração apresenta muitas possibilidades de leitura, cada personagem expressa uma faceta do aspecto, sem jamais esgotá-lo.
Mercúrio e Netuno opostos a Júpiter
Mas violência não é tudo. A configuração mais rica do mapa da novela, se bem que não tão ostensivamente, é aquela que reúne de uma só vez Mercúrio e Netuno em Aquário opostos a Júpiter em Leão, sendo que Netuno ainda se destaca por ser a ponta de uma configuração Yod (dois quincunces e um sextil) de que participam a Lua e o Meio-Céu. Este Netuno superaspectado na casa 5 coloca em questão toda uma problemática pisciana de fantasia, de substituição, de fuga, de dissolução de fronteiras e de expansão da consciência, além de falar de charme e glamour.
Sol-Urano na 5
Outra configuração digna de nota é a conjunção Sol-Urano em Aquário no final da casa 5, cujo desafio básico poderia ser traduzido por “crio, então existo”, ou, se quisermos considerar um horário de estreia que deixe Sol e Urano já em conjunção com a cúspide da 6, “se minha rotina é original, então ela vale a pena”. Esta configuração tem importância especial porque, se considerarmos o moderno esquema de regências, Urano é o dispositor final da carta, o que significa dizer: é o único planeta a ocupar seu signo natural e a controlar, direta ou indiretamente, todos os demais planetas. Eis o esquema:
- Vênus está em Capricórnio, signo de Saturno; Saturno está em Gêmeos e Lua está em Virgem, ambos regidos por Mercúrio; Mercúrio está em Aquário, signo de Urano, que está no próprio Aquário (portanto em casa, ou domiciliado).
- Plutão e Marte estão em Sagitário, signo de Júpiter; Júpiter está em Leão, signo do Sol; o Sol está em Aquário.
Este jogo de regências dá uma importância excepcional à conjunção Urano-Sol na 5, que fala da necessidade de uma expressão criativa da própria identidade, assim como da conexão entre independência, originalidade e autoestima. Portadores deste aspecto muitas vezes buscam a autossuficiência emocional, que pode acabar gerando uma certa imaturidade: em vez de assumir o risco de compromissos permanentes, busca-se a excitação da novidade, defendendo-se a liberdade pessoal com unhas e dentes. É também um aspecto de comportamentos anticonvencionais e de predominância da vida mental sobre a afetiva.
O fio-terra do feminino
A quarta configuração a considerar é aquela que une Vênus em Capricórnio, na casa 4, à Lua em Virgem na casa 12. Trata-se do mais harmonioso tema desta carta, já que relaciona por trígonos dois planetas de função complementar – os significadores da mulher em seu papel de amante (Vênus) e de mãe (Lua) em signos de Terra e casas de Água, ambos compatíveis com a natureza feminina. Como já vimos, Lua e Vênus em signos de Terra falam de mulheres práticas, que são femininas mas não abrem mão da ascensão social, seja através da carreira seja pelo casamento. A configuração é essencial porque Vênus rege o Ascendente, enquanto a Lua rege o Meio-Céu. Contudo, há que ressaltar que a Lua na casa 12, das motivações irracionais ou daquilo que não se quer mostrar, faz também uma quadratura com Plutão. Temos aí, portanto, a emergência de um novo subtema, caracterizado pela compulsividade, pela raiva, pela inconsciência e pela manipulação.
São estas as estruturas simbólicas em cenas. Vejamos agora os personagens e situações que as preenchem.
As muitas faces da violência
A configuração Marte-Plutão-Saturno, até pelo fato de envolver um planeta que age ostensivamente (Marte) e outro que materializa processos (Saturno), não poderia deixar de manifestar-se de maneira particularmente notável. São diversos personagens e situações, cada um mostrando uma faceta desta oposição violenta:
Brutalidade (Marte-Plutão) contra o idoso (Saturno) – É o que faz, por exemplo, a personagem Dóris (Regiane Alves), exercendo uma pressão permanente para expulsar os velhos avós de casa e poder ficar com um quarto só para ela. Aliás, Sagitário é um signo de expansão territorial. É o que Dóris pretende no nível do espaço familiar, mas é também o que os Estados Unidos foram fazer no Iraque numa guerra iniciada sob o mesmo aspecto.
Violência urbana – Note-se que a configuração acompanha o eixo das casas 3 e 9, que significam vias públicas e deslocamentos. Foi numa via pública que a personagem Fernanda (Vanessa Gerbelli), uma ex-garota de programa, perdeu a vida por causa de uma bala perdida num tiroteio no Leblon. Balas são regidas por Marte, enquanto Plutão, planeta invisível, mostra a trajetória misteriosa: é um disparo anônimo, uma bala perdida. Já Saturno indica a vítima que morre (Fernanda) ou é hospitalizada (Téo), pois este planeta, na carta da novela, rege a casa 4, do fim da vida e da retirada (permanente ou temporária) das atividades mundanas.
Tortura física e psicológica – Marte agride enquanto Plutão instaura o terror. Foi isso o que fez o personagem Marcos (Dan Stulbach), um psicótico que agride sua ex-mulher, Raquel (Helena Ranaldi), com uma raquete de tênis e leva o adolescente Fred (Pedro Furtado) para passeios de carro forçados, com o fim de intimidá-lo e talvez assassiná-lo. As cenas de violência se estendem por ambientes típicos do eixo 3-9: a escola em que Raquel trabalha e onde Fred estuda, o carro de Marcos. Saturno é um símbolo astrológico do medo e da paralisia diante de situações desestruturadoras.
Um padre ameaçado – O padre Pedro (Nicola Siri), personagem simbolizado por Saturno na casa 9, indicando ética e rigor em assuntos religiosos, sofre o assédio sexual (Marte-Plutão) do personagem Estela (Lavínia Vlasak), rica e que vivia no exterior (Sagitário). É a faceta mais leve da configuração, mas não menos ameaçadora – ao menos para o padre…
Carros enlouquecidos – Parece suficiente? Ainda não. Com Marte e Plutão na cúspide da casa 3, e no veloz signo de Sagitário, era de se esperar que a novela tivesse pelo menos um acidente automobilístico. Marte indica propensão a cortes, impactos etc., enquanto Plutão mostra as motivações compulsivas ou irracionais para a direção perigosa. Pois a novela teve dois acidentes: a loucamente possessiva Heloísa (Giulia Gam), um tipo associado a Plutão em quadratura com a Lua, capotou com o carro durante uma crise de ciúmes; já a exibida (Sagitário) adolescente Dóris bateu com o luxuoso carrão (Sagitário de novo) de Estela em plena praia. Tudo isso sem falar das tentativas de Heloísa para atropelar a rival, Vidinha (Júlia Almeida), na garagem do edifício (um ambiente escuro, típico de Plutão), assim como nas correrias de Marcos, o psicótico, a dirigir o carro enquanto ameaça de morte a ex-mulher e o rival.
Um centauro tarado – A novela tem também um taxista (casa 3) sexualmente hiperativo (Marte-Plutão) e ousado (Sagitário) que “traça” diversas mulheres, entre elas a rica e elegante Sílvia (Natália do Vale), uma socialite mais velha do que ele próprio (Saturno) mas com curiosidade e disposição de adolescente (Gêmeos). O taxista Caetano é uma espécie de centauro moderno em que a parte animal se funde com a máquina. Vale lembrar que os Estados Unidos, país com Ascendente em Sagitário, tem uma indústria cinematográfica especialista em filmes de ação onde carros também desempenham uma função essencial. É a velha conotação dos cavalos de força como potência sexual.
Mulheres esculachadas
Com a Lua em Virgem na 12 em quadratura com Plutão, sobraram sofrimentos para as mulheres de extração mais humilde. Esta Lua corresponde com precisão à situação das empregadas domésticas e outras mulheres em situação subalterna. Em Mulheres Apaixonadas, algumas vivenciam ativamente a dimensão plutoniana e tentam assumir as rédeas; outras são subjugadas e passam sua temporada no Hades. Vamos a elas:
Raquel – A professora de Educação Física é um pouco o Saturno de casa 9 e um pouco a Lua da casa 12. De qualquer forma, é o personagem que sofre mais ostensiva e severamente a violência de Marte-Plutão. O problema é que aspectos Lua-Plutão costumam estar presentes em mapas de pessoas com dificuldades para manter relações de igual para igual. Assim, Raquel é, de certa forma, cúmplice da violência do ex-marido. Através da passividade ela o incentiva, e quando tenta fugir dele é para cair nos braços do aluno adolescente (outra relação desigual).
Gracinha (Carol Castro) – A filha da empregada que engravida para tentar conquistar de vez o filho dos patrões é um exemplo do personagem subalterno (Lua em Virgem na 12) que usa a manipulação (Plutão) para tentar alcançar um novo status (Saturno, Vênus em Capricórnio).
Clara e Rafaela (Aline Moraes e Paula Picarelli) – O casal de garotas homossexuais assume outra faceta dessa Lua na 12 ao manter um relacionamento que só é tolerado fora das vistas do público e que precisa enfrentar severas manifestações de desaprovação.
Mecenas, polígamos e bebuns
E chegamos a Mercúrio-Netuno na cúspide da casa 5 em oposição a Júpiter em Leão na 11. Júpiter em Leão é um planeta exagerado num signo exagerado. Em oposição a Netuno, funciona ainda mais sem limites do que de costume. Esta combinação pode indicar uma boa dose de idealismo, arte, sofisticação, refinamento, mas também falta de senso de medida, de responsabilidade, de limite e de maturidade. Se o pano de fundo da novela é racional e sisudo (Libra-Capricórnio), aqui está o contraponto alegre.
Cabe considerar que a casa 11, por ser a quinta a partir da 7, representa não apenas os amigos, os grupos e as esperanças, mas também os afetos recebidos. E se o amor que vem do outro é simbolizado por Júpiter em Leão, temos aí uma constatação interessante: ninguém sofre nessa novela por falta de companhia. Há sempre alguém querendo alguém, se bem que nem sempre os parceiros sejam os mais adequados. Todo mundo, se quiser, pode arrumar uma companhia para os embalos de sábado à noite. O que a configuração coloca não é exatamente um problema por falta de opções de romance e de diversão (eixo casa 5-casa 11), mas sim por excesso, de onde podemos tirar algumas situações:
Mecenato (ou casa, comida e roupa lavada) – Vários personagens da novela têm um parceiro afetivo que se comporta como um mecenas, ou seja, um patrocinador generoso que “banca” todas as necessidades materiais. O caso mais evidente é do jovem Expedito (Rafael Calomeni), que encontra em Lorena (Susana Vieira) – pelo menos até traí-la – uma namorada que também cuida de seu sustento e promoção social. A insaciável e rica Sílvia também é generosa com seu taxista e com a empregada a quem ele namora “oficialmente”. Paulinha (Roberta Gualda), a revoltada garota pobre da escola, encontra carinho e abrigo na casa do cirurgião rico. A ex-garota de programa Fernanda, antes de morrer num tiroteio, também tinha a proteção de Téo (Tony Ramos), um músico sem problemas financeiros. A lista é infindável: aproveitando o lado bom de Júpiter, nunca foi tão fácil arrumar casa, comida e roupa lavada quanto nesta novela.
Traições a granel – Agora, o lado desagradável da configuração Júpiter-Mercúrio-Netuno: mentira, comportamentos desassumidos e alguns pares de chifres. Júpiter e Netuno tensionados no eixo do romance e dos casos amorosos sempre levantam a possibilidade de multiplicação de parceiros. Juntos, então, esses planetas falam de promiscuidade. Além do mais, Mercúrio, conjunto a Netuno, é regente da 12, casa dos “rolos” extraconjugais. Considerando-se que um dos signos envolvidos é Aquário – o signo do “não sou de ninguém” (como diz a letra da canção dos Tribalistas) – o quadro se completa com uma atitude supostamente moderna em relação às traições conjugais. As únicas exceções são os personagens totalmente comprometidos com o arquétipo Marte-Plutão-Lua: a possessiva Heloísa e o espancador Marcos. Mas eles não são modernos, são primitivos, é o que a novela parece dizer.
O inacreditável charme dos médicos de novela – Médicos de carne e osso geralmente ganham mal, vivem com olheiras, são mal-humorados e raramente dão plantões em hospitais limpos. Mas os médicos de novela são um capítulo à parte, materializando todo o glamour de Netuno, planeta que costuma indicar um ponto do mapa onde fecham-se os olhos para a realidade e vive-se a mais desvairada fantasia. Sendo a casa 12 a significadora de hospitais e estando Mercúrio, seu regente, em conjunção com Netuno na carta da novela, o desvario é total: os hospitais, aí incluídos tanto a luxuosa casa de saúde de César (José Mayer) quanto o Miguel Couto, hospital público no bairro do Leblon, são primores de limpeza, tranquilidade e organização. As auxiliares de enfermagem são sorridentes e simpáticas. Já os médicos, entre uma e outra cirurgia bem sucedida, namoram-se uns aos outros, seduzem pacientes e tornam-se os maiores polígamos do horário nobre.
Visões, lágrimas e… garçom, mais um copo! – Netuno também simboliza outros planos de consciência e, em conjunção com Mercúrio, pode representar artistas de todo tipo e também os paranormais. Nada mais adequado para o par formado pelo músico Téo (Tony Ramos), o sensível ex-marido de Helena, e a vidente e derretida menina Salete, órfã de Fernanda e vítima das grosserias da avó megera. São ambos netunianos, e por isso se entendem tão bem. Téo, aliás, conseguiu embromar a mulher, Helena, durante anos a fio, fazendo-a adotar sem saber o próprio filho que ele teve numa relação extraconjugal. Téo é o melhor personagem da novela, no sentido de que é ele quem melhor exprime a tônica libriana desses mapa ampulheta e, ao mesmo tempo, corporifica todas as nebulosas confusões de uma configuração Netuno-Mercúrio-Júpiter. É o mentiroso bom caráter, autoindulgente, que não quer desapontar ninguém e que, apesar de amoroso, tem dificuldades de assumir os próprios atos. Mais netuniana que Téo só Santana, a professora que não consegue livrar-se do álcool e reluta em admitir-se como uma dependente química.
Enfim, o galã aquariano
Toda novela precisa de um galã que derreta corações femininos. O galã de Mulheres Apaixonadas é o médico César (José Mayer), profissional bem sucedido e dono de um verdadeiro harém. Um traço dominante em seu comportamento é a ausência de maturidade nos relacionamentos afetivos. Para ele, uma mulher parece interessante enquanto fonte de novidade e de excitação. O que o leva a querer casar-se com Helena é, provavelmente, o fato de que ela é compreensiva com relação aos casos extraconjugais. César é um dos personagens que melhor corporifica o comportamento da conjunção Sol-Urano em Aquário na casa 5.
A importância desta conjunção no mapa da novela reflete-se, de forma geral, no tratamento que o autor dá aos personagens. Quanto mais aquarianos, mais normais e integrados parecem ser, assim como mais modernos. A tônica de Mulheres Apaixonadas está nos elementos Ar e Terra, reunindo um certo distanciamento crítico em relação aos envolvimentos emocionais e um senso prático de dar inveja a qualquer pessoa na vida real. Os poucos personagens que se afastam desse padrão são tratados como loucos ou doentes. São os passionais, os obsessivos, os violentos, os que dão espaço absoluto para os elementos irracionais, o Fogo e a Água.
Se César corporifica diversos traços associáveis ao tema aquariano, o que dizer de Helena, personagem central da novela? Pode-se dizer que Helena é a síntese do mapa de estreia, vivenciando quase todas as configurações. É a mulher profissionalmente correta e dedicada do tema Sol-Vênus. Por outro lado, em consonância com a configuração Mercúrio-Júpiter-Netuno, é a boa samaritana que tenta resolver os problemas de todos, assim como a ingênua que cria o filho do marido como se fosse uma criança adotada. Lida com Marte-Saturno-Plutão na figura das irmãs (casa 3), uma por causa do ciúme desvairado e a outra pelo câncer de mama (Lua-Plutão). Finalmente, busca uma relação excitante, libertadora (Sol-Urano), que a permita sair da vida cansativa, cheia de conflitos éticos, pequenas concessões e dificuldades de relacionamento indicadas pela tônica Libra-Ampulheta.
Mulheres Apaixonadas é uma grande obra de arte? Certamente que não. É um bom produto da indústria cultural, no sentido de que tem ingredientes bem dosados e um bom acabamento. Cumpre a finalidade de entretenimento e, bem de acordo com a configuração Netuno-Mercúrio-Júpiter, também engana um pouco, dando a impressão de ser algo mais do que realmente é. Aqueles temas sérios, como as questões da violência urbana e dos direitos do idoso, estão, no fundo, a serviço de um mapa onde tudo termina na casa 5, a do espetáculo e da diversão. O que transformou esse folhetim num sucesso foi o bom aproveitamento do potencial dramático presente nas configurações astrológicas da estreia. Afinal, todo mundo precisa ser fiel ao seu mapa de nascimento. Até mesmo a novela das oito.
Eliane Caldas diz
Parabéns, Fernando
Amo esse tipo de texto. Analogias dos símbolos astrológicos com uma novela, filme ou livro. Sempre muito precisas e criativas suas análises a partir do mapa do lançamento. Considero uma riqueza, uma maneira prazerosa de nutrir minha curiosidade nesta área. Aprendo muito, grata