Introdução
Enquanto lê este artigo, é possível que você esteja pensando em buscar seu filho no colégio dentro de uma hora, ou que às 5 horas tem um cliente para atender, ou que à noite vai ao cinema (“Será que vai chover?”). Sua mente pode vagar, inclusive, por horizontes mais distantes (“Não, não vou ao cinema; preciso estudar para aquela prova de sexta-feira”). E pode percorrer futuros cada vez mais distantes (“No verão que vem vou estar 5kg mais magro”).
E assim por diante, ampliando mais e mais a escala do tempo. O futuro está sempre condicionando o seu presente.
Por mais que alguns apregoem que o importante é desfrutar do presente, como o meio mais equilibrado de compatibilizar os momentos de infelicidade com aqueles felizes, potencializando estes últimos, tenho a percepção de que, ao contrário, vivemos permanentemente no futuro.
Possivelmente esta forma de comportamento esteja vinculada ao princípio filosófico do Hedonismo, inerente ao ser humano, a sustentar que todo o bem está no prazer, o que nos levaria a olhar para o futuro como um “painel de oportunidades”, no sentido de nos deslocarmos sempre para situações e ambientes que nos pareçam mais agradáveis, menos desfavoráveis ou mais prazerosos que o presente.
A inquisição acadêmica
E esta foi, historicamente, a abordagem da Astrologia; o prognóstico foi, sempre, a sua grande âncora, desde seus primórdios, até fins do século XVII. Desde os tempos mesopotâmicos até seu ostracismo, quando a Terra deixou de ser o centro do universo (portanto a Astrologia “tinha” de estar errada), a Astrologia foi ferramenta de previsão. Mais, sempre em intimidade com o poder, seja do rei, seja do papa, seja de poderosos em ascensão ou de políticos. Ao longo destes três séculos, perdeu sua auréola de respeitabilidade, ganhando conotações de variadas gradações, dependendo do crítico, que ainda hoje vão da bruxaria à crendice desimportante, por mais que este corpo de conhecimento milenar tenha sido cultivado por homens de estatura intelectual muito acima da média daqueles que se permitem criticá-la sem tê-la estudado.
Mas não existe mentira ou falsidade que insista em permanecer atual por 40 séculos! Entre luzes, brilhantes umas, de menos brilho outras, uma grande figura surge na história da Astrologia moderna, proporcionando-lhe um revigoramento que há muito não experimentava: C. G. Jung (o pós-freudiano a quem nunca seremos suficientemente agradecidos), em contraponto ao mundo científico de então, expõe-se ao dizer que “se as pessoas cuja instrução deixa a desejar têm julgado que podem fazer troça da Astrologia, considerando-a como uma pseudociência há muito liquidada, essa Astrologia, remontando das profundezas da alma popular, volta hoje a apresentar-se às portas das nossas universidades, que deixou há três séculos”. (1)
Além de Jung, dois outros grandes personagens na história recente da Astrologia conseguem apresentá-la à sociedade com uma nova abordagem: Dane Rudhyar e Charles Carter, cada um a seu modo, trazem enormes contribuições. Pouco a pouco “a velha senhora” adquire uma roupagem respeitável, e passa a ser percebida como psicológica e humanista. Ainda que muito lentamente, a Astrologia volta ao convívio da intelectualidade, da qual nunca se deveria ter afastado.
A humanidade perdeu muito com esta separação.
Uma interpretação que se poderia dar (e não a única, evidentemente, e muito menos a “melhor”) para o abandono – ou perda de prestígio – da previsão como ferramenta legítima do saber astrológico estaria no fato de a Astrologia, a partir de Jung, ter “comprado” seu reingresso nos meios acadêmico-intelectuais menos radicais utilizando-se de uma roupagem mais comportamental, o que teria possibilitado uma aceitação menos hostil de parte de segmentos que antes a combatiam. Terá sido este um instrumento para legitimar o seu retorno?
A ciência e a validação da previsão
“Findo o tempo dos áuspices, dos astrólogos e dos adivinhos. Abre-se a era dos econometristas, dos matemáticos e dos especialistas em informática. Noutros termos, e mais precisamente em linguagem sócio-psicológica, a futurística está em busca de uma metodologia. O número de métodos utilizados prova que nenhum deles é suficiente”. (2)
Para surpresa dos que não estão familiarizados com métodos de previsão econômica, empresarial e tecnológica, Jantsh, em 1968, relatava mais de 100 técnicas. (3)
O propalado, velho e bom “espírito científico”, com toda a sua arrogância (vamos falar disto mais adiante), utiliza-se, por outros meios, de uma das coisas mais caras à Astrologia, conceito que preocupou as mentes mais bem preparadas de todos os tempos: como será o futuro? O que terá acontecido com o corpo oficial científico e com os gerenciadores da ciência, que renegam a Astrologia e seu consistente simbolismo vindo do tempo das pirâmides, mas que, paralelamente, continuam, por outros caminhos, querendo chegar ao mesmo lugar?
Ocorre que matemáticos, cientistas, estatísticos e especialistas em informática são pessoas boas, lógicas, racionais e neutras que, desde o imaginário popular, no seu labutar sofrido e desinteressado, distantes das grandes paixões humanas, oferecem o fruto de seu sacrificado trabalho – a “verdade” – a nós, mortais comuns e mal-agradecidos. Certo?
Errado! A “ciência oficial”, como instituição da sociedade, não é um conceito racional, nem mesmo, pode-se ousar dizer, exatamente honesto ou minimamente equilibrado, eis que reflete e tenta perpetuar o pensamento e os interesses de uma elite dominante.
Neste sentido, é uma ação política, por mais que os detentores do poder nos queiram fazer acreditar que assim não é, e por mais que os “cientistas e intelectuais” acreditem que não estão sendo manipulados por um poder que transcende sua suposta independência e/ou neutralidade. Esta é uma “prisão intelectual”, reforçada por quem dela espera se beneficiar, e legitimada por quem dela realmente se beneficia.
De certa maneira, retornamos aos tempos originais, em que a Astrologia servia aos poderosos. Substitua reis por elite (os chefes e burocratas do partido ou grandes capitães da indústria), e substitua astrólogos por especialistas em planejamento/previsão e você terá o quadro completo.
“Numeróchios” ou a falsidade institucionalizada
Numeróchio é uma palavra que você não vai encontrar no Aurélio, pela simples razão de que eu a inventei no exato momento em que redijo este texto. É uma combinação de número com Pinocchio. Com ela, pretendo traduzir uma farsa grave e internalizada, sem censura, por nossa dita “sociedade científica”
Pior – muito pior – que uma previsão imperfeita, ou mesmo errada (desde que honestamente conduzida), é uma contabilidade errada, que nos faz acreditar numa realidade que não existe, e nos instrumentaliza a tomar decisões erradas porque fundamentadas em informações mentirosas!
Sob o título “Ganhos de produtividade foram mal calculados”(4), Jeff Madrick, entre outras coisas professor da renomada Harvard University, nos informa que: a) …”a revolução informática dava fundamento para um crescimento econômico rápido no longo prazo. Mas esses ganhos são resultado de um erro de contas (o grifo é nosso); b) …as revisões colocam em questão as projeções de uma década de superávits no Orçamento Federal… (o grifo é nosso); e c) … “a tendência de produtividade de longo prazo, medida corretamente, parece muito mais baixa do que se acreditava há apenas dois meses (o grifo é nosso)”.
O artigo conclui com a seguinte reflexão: “Mas as garantias de uma grandiosa transformação não são sustentadas pelos fatos. E, o que é mais inquietante, esse otimismo foi a base do corte de US$1,35 trilhão nos impostos” (o grifo é nosso).
Um outro ensaio nos informa que “nos últimos anos da década de 1990, as estatísticas não paravam de melhorar, culminando com uma taxa de crescimento estimada em 5% do PIB real em 2000 (…). Como os EUA conseguiram tal proeza?”
Paul Krugman, (5) professor de Princeton e colunista do The New York Times, responde, ele mesmo, ao seu questionamento, ironizando: “A resposta é que não somos muito bons em matemática”.
Ora, ora, ora, o propalado, cultivado e disseminado valor que acadêmicos de todos os matizes – e por extensão a “ciência oficial” – atribuem ao “método científico” e aos informes estatísticos tem este tipo de tratamento por parte de quem deveria ser o guardião da verdade dos números?
Que sociedade é esta (mais: que ciência é esta?), que elabora um programa econômico (nos EUA), que promete cortar o correspondente a dois PIB’s brasileiros de impostos com base em informações falsas e distorcidas que levaram, certamente, um numeroso grupo de investidores a elaborar planos fundamentados em erros que têm origem não só em previsões, mas também em medições do passado? Que ciência é esta que provavelmente induziu países e organismos de cooperação multilateral a tomar decisões que influenciaram a vida (e talvez a morte, também!) de milhões de pessoas com base em premissas erradas? Esta é a ciência que se permite condenar a Astrologia e sua ferramenta mais visível, a previsão?
A chutometria brasileira
Nem só de estatísticas erradas, e previsões internacionais equivocadas, vive o brasileiro que tem de manusear estas informações no seu dia a dia profissional. Também aqui temos os “chutadores respeitáveis”. Vejamos:
O BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no primeiro semestre de 2000, divulgou o cenário de futuro com que a instituição iria trabalhar nos anos subsequentes, até 2006. O futuro, segundo o BNDES, seria assim:
O quadro acima é emblemático e representativo típico da “chutometria” oficial de qualquer pais. Embora o exemplo seja brasileiro, ele permeia todos os estudos, de todas as origens nacionais (tanto quanto é do conhecimento do autor deste artigo), e tem as seguintes características gerais, sempre:
1) A variável econômica precisa ser baixa? O cenário de futuro reflete isto, caindo ao longo do tempo;
2) A variável econômica, ao refletir o interesse da sociedade (ou da classe dominante) precisa ser alta? A previsão contempla isto!
O curioso é que os tecnocratas – privados ou públicos – sempre conseguem esta façanha. Não sei como, mas o fato é que eles conseguem! Ao analisar os números acima, a que conclusão se chega? Não precisa olhar o quadro. Basta saber o que se está analisando para, “racionalmente”, chegar à conclusão. Vejamos:
Produto Interno Bruto – A conveniência é que ele seja o maior possível? O estudo vai demonstrar que a taxa anual é crescente. No nosso caso, ele sai de 3,5% e atinge 5,5% no período. Ou seja, não é suficiente que o PIB cresça todos os anos à frente; tem de crescer a taxas crescentes também!
Inflação – Convém que seja a menor possível? Não há dúvidas. Cai de 6,5% para 2,0% no período considerado
Saldo comercial – Quanto maior melhor? Veja o resultado: Cresce de 2,0 para 5,8 bilhões de dólares no intervalo de tempo do estudo.
Pior do que esta farsa é a farsa que a complementa: a persistirem os números que nos oferecem, em poucos anos o nosso PIB estaria crescendo a taxas de 30, 40 por cento ao ano, com deflação (!), e saldo comercial de 80, 90 ou 100 bilhões de dólares ao ano. Não é um primor de previsão?
Ou seja, à medida que os interessados tem poder para transferir informações à sociedade, os grupos referenciais que representam interesses específicos são vítimas e autores, simultaneamente, de uma mesma distorção. Joel Best explica: “A tentação de fabricar números vistosos é muito grande”. (6)
De qualquer modo, e como corolário das afirmações anteriores, a previsão reflete, no fundo, os interesses pessoais de quem está, realmente, elaborando a previsão. Astrólogos não estão livres desta distorção, nem são mais ou menos honestos que os profissionais de outras áreas, à medida que avaliam o futuro segundo sua ótica e experiência pessoal. E esta é uma questão muitíssimo individual, evidentemente. Ainda assim, as premissas que dão origem à previsão astrológica são, em seu conjunto, quase sempre as mesmas para dois astrólogos distintos (p.ex., Plutão está em Leão e recebendo uma quadratura de Marte; pronto, Plutão portanto não está em Virgem recebendo trígono de Vênus) o que permite uma análise crítica mais exigente quanto a conclusões, exageros ou omissões.
Os “chutometristas” parecem muito científicos… mas não são. Se fossem, a Argentina estaria em crise?
Da seriedade individual à incongruência do conjunto
Temos, até aqui, tentado demonstrar que a) a necessidade de previsão é inerente à atividade humana e que b) não existem métodos – “científicos” ou não – melhores ou piores. Eles variam segundo a ótica de quem elabora a previsão e/ou ao status quo a que está subordinado, ingênua ou conscientemente. O jornalismo econômico diário é rico em exemplos desta natureza. Pode ser verificado quase que quotidianamente. Por exemplo:
Em reportagem recente, o ex-secretário da Câmara de Comércio Exterior, José Roberto Mendonça de Barros, dando lá suas justificativas, diz que “Brasil só volta a crescer no segundo semestre de 2002”. (7) Muito bem. No dia seguinte a esta reportagem (atenção: exatamente 24 horas depois!), o mesmo jornal prevê, pelo depoimento de Daniela Magalhães Prates, da Universidade Estadual de Campinas, que “o Brasil poderá ter mais um ano difícil em 2002, com a perspectiva de retorno ao crescimento econômico se frustrando, por retração dos fluxos de capital internacional por causa da desaceleração da economia mundial…” (8)
Definitivamente – repito: definitivamente! – astrólogos razoavelmente bem preparados poderiam fazer melhor. Bem melhor!
Profecias que se auto-realizam
Uma das críticas mais fortes e pertinentes que os adversários da previsão astrológica fazem (aqui incluindo-se astrólogos de grande qualificação), é a de que profecias carregam a possibilidade de se autocumprirem. É verdade. Nem por isto a previsão deixa de ser instrumento legítimo de condução dos assuntos humanos. Testando a afirmativa:
Vamos supor que Ayrton Senna fosse cliente de você, leitor e, no ano de seu trágico acidente, tivesse ido até sua presença para avaliar o ano vindouro. Supondo que você pudesse ter antevisto a morte como uma hipótese a ser considerada, qual teria sido sua abordagem?
Alguns de nós teriam simplesmente silenciado. Outros, mais ousados e menos, digamos, “criteriosos”, poderiam ter simplesmente afirmado: “Ayrton, você corre risco de vida nos próximos 12 meses, mais precisamente no mês de …”
Outros, mais contidos, poderiam ter dito: “Meu caro amigo: nos próximos meses, mais precisamente em …, você poderá ter sérios problemas mecânicos em seu carro, o que poderá impedi-lo de ganhar o campeonato deste ano. Recomendo com toda a ênfase que você e sua equipe redobrem o esforço de análise e cuidados com a prevenção de falhas no seu carro, a fim de não inviabilizar um campeonato”.
Em outra situação, hipotética como a anterior, por outro lado, ao ver Marte/Vênus/Júpiter em grande trígono conjunto ao Meio do Céu, por exemplo (com outras configurações lhe dando sustentação), a maioria de nós, abrindo um grande sorriso, não teria dúvidas em estimular: “Acelera, Ayrton!”.
Como pode ser constatado, com o devido comedimento podemos fazer, da previsão astrológica, um instrumento útil à humanidade, na proporção de tentar evitar aquilo que, em nosso juízo ainda imperfeito, pode ser considerado como “mal”, ou estimulando a ocorrência do que, na nossa visão possivelmente simplista, é considerado “bem”.
Em qualquer dos casos, uma legítima utilização do recurso astrológico mais antigo e fascinante que nos chegou em mãos: o de enxergar uma vida – seja ela de uma pessoa, de uma flor, de uma coletividade ou de uma estrela – evoluir diante de nossos olhos maravilhados.
Bibliografia citada
(1) Seelenproblem der gegenwart, C. G. Jung, p. 241, cfe. citado em Astrologia Mundial, André Barbault, Publicações Europa-America, Lisboa.
(2) O blefe do futuro, Georges Elgozy, Artenova, 1976.
(3) Technological Forecasting in Perspective, OCDE, 1968, cfe.citado em “Previsão Tecnológica para Decisões de Planejamento”, Jones, H. & Twiss,B., Zahar Editores, 1986.
(4) Jornal Valor Econômico, 1 e 2 de Setembro de 2001, p. A7.
(5) Jornal Valor Econômico, 6 a 9 de Setembro de 2001, p. A11.
(6) Damned Lies and Statistics, Joel Best, University of California Press, 2001.
(7) Jornal Valor Econômico, 30 de Agosto de 2001, p. A5.
(8) Jornal Valor Econômico, 1 e 2 de Setembro de 2001, p. A4.
Americo Ayala Jr. é engenheiro, radicado em Caxias do Sul, na serra gaúcha, e pesquisador de Astrologia, especialmente clássica, desde 1986.