Na última década do século XIX, o esporte mais popular entre os jovens da Zona Sul do Rio de Janeiro era o remo. Diversos clubes já haviam surgido reunindo rapazes da alta classe média e da aristocracia da época, todos brancos e bem educados. Para os moradores da Zona Portuária, do Centro e de São Cristóvão, que concentravam muitos imigrantes portugueses da baixa classe média, frequentar os clubes da Zona Sul significa um longo e dispendioso deslocamento.
Decididos a fundar seu próprio clube, os jovens Henrique, José Alexandre e Manuel mobilizam 62 interessados para uma reunião na tarde de 21 de agosto de 1898, na Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, à rua da Saúde, 293, sobrado. Como o clube precisava de dinheiro, elege-se presidente o comerciante português Francisco Gonçalves do Couto Júnior, dono de várias casas de negócios.
Começava aí, aliás, uma tradição que se preservaria por muito tempo, a de ser o Vasco um clube de gente simples comandado por grandes comerciantes atacadistas. Muitos vascaínos ilustres foram donos de lojas de secos e molhados na rua do Acre e imediações (também na zona portuária), uma das razões que levaram os adversários a apelidar o clube de bacalhau.
Os próprios vascaínos preferiam ter como símbolo e mascote as figuras do almirante (o próprio Vasco da Gama, cuja viagem às Índias fazia 400 anos por ocasião da fundação do clube) e da caravela ou da nau, mas acabaram incorporando com o tempo as figuras caricatas que os cartunistas associavam ao clube: o bacalhau e o português de tamancos, imensos bigodes e camiseta sem mangas.
“O Basco é uma putência!”
Com apenas dois meses de existência, o Vasco já reunia 250 sócios, alugara uma sede na Saúde e mantinha uma escola de remo. Logo depois aderia à União Fluminense de Regatas, para participar das disputas. Contudo, surge a primeira cisão: as instalações náuticas do Vasco ficavam na Ilha das Moças, na Baía de Guanabara, um local que não passava de um verdadeiro lamaçal. Todos concordavam que o clube deveria ir para outro lugar. Uma parte desejava mudar-se para Botafogo, mas outra defendia a ida para o Passeio Público, que ficava na região central e era mais acessível aos sócios suburbanos.
O rico português que presidia o clube decide renunciar e fundar outra agremiação, o Clube de Regatas Guanabara, em Botafogo (até hoje existente), e leva consigo uma boa parte dos sócios. Mesmo assim o Vasco resiste e, permanecendo na zona central e próximo de suas origens, aumenta aos poucos sua frotilha, reúne mais de cem remadores e ganha em 1905 o primeiro campeonato de remo do Rio de Janeiro. “O Basco é uma putência”, proclamava com orgulho a colônia lusitana. O resto da cidade ironizava, mas o crescimento do clube era um fato.
Mapas de fundação de clubes são sempre uma dor de cabeça para qualquer astrólogo. O ato formal que define seu início de existência é a assembleia de fundação, mas muitos clubes faziam a assembleia apenas para formalizar uma decisão já tomada numa reunião anterior, ou, ao contrário, eram fundados com um nome e depois mudavam de denominação ou fundiam-se com outras agremiações. No caso do Vasco, houve várias reuniões preparatórias, mas parece-nos que devem ser consideradas como parte da vida “pré-natal” do clube, que passa a ter existência legítima com a realização de seu primeiro ato formal. O horário é bastante preciso, pois consta da própria ata da assembleia:
Aos 21 dias do mês de agosto de 1898, às 2:30 horas da tarde, reunidos na sala do prédio da Rua da Saúde número 293 os senhores constantes do livro de presenças, assumiu a presidência o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem as cadeiras de secretários os senhores Virgilio Carvalho do Amaral como 1º e Henrique Ferreira como 2º, declarou que a presente reunião tinha o fito de fundar-se nesta Capital da República dos Estados Unidos do Brasil, uma associação com o título de Club de Regatas Vasco da Gama (…)
21 de agosto daquele ano foi um domingo. Não havia, portanto, necessidade de marcar a assembleia para um horário noturno, já que todos estavam de folga. Isso explica a escolha do horário da tarde, marcado, provavelmente, para que todos pudessem comparecer logo após o almoço em família. Observe-se também que a mesma ata registra que a assembleia encerrou-se bem cedo, às 15h45, já depois de eleita a primeira diretoria.
O mapa calculado para as 14h30 LMT (hora local) apresenta o Ascendente em Capricórnio, conjunto ao Nodo Lunar Norte. Saturno, regente do Ascendente, está em Sagitário, signo das grandes viagens e dos imigrantes, em conjunção com Urano e quadratura com o Sol em Leão na casa 8. Este conflito entre o Sol (identidade) e o regente do Ascendente (autoimagem) expressar-se-ia muitas vezes na vida do Vasco pelo conflito entre posturas aristocráticas ligadas ao poder econômico (o Sol de casa 8) e a adoção de atitudes renovadoras no campo social (Saturno-Urano na 11). Isso efetivamente aconteceu, como veremos a seguir. Mas as configurações que parecem ter marcado a vida vascaína com maior intensidade foram as duas triplas conjunções em signos de Ar, a saber:
- Plutão, Marte e Netuno em Gêmeos em torno da cúspide da 6, caracterizando o Vasco como um clube de trabalhadores (casa 6) do comércio (Gêmeos), da indústria (Marte) e de atividades ligadas ao mar (Netuno – os estivadores);
- Júpiter, Vênus e Lua em Libra, no Meio do Céu, simbolizando uma trajetória de popularidade, vitórias e de contribuição para um novo modelo de equilíbrio social, mais justo e generoso.
Sendo o Vasco um clube esportivo, tal contribuição só poderia manifestar-se na própria área do esporte, e foi efetivamente o que aconteceu.
As elites contra os negros e analfabetos
Diferentemente do que ocorre hoje, o futebol era, no início do século, um esporte exclusivo das elites brancas e cultas da Zona Sul da cidade. Botafogo, Flamengo e Fluminense seguiam o mesmo padrão de clubes de alta classe média, e ir a um estádio representava ainda um programa social com o mesmo charme das atuais partidas de tênis. O Vasco só passou a dedicar-se ao futebol depois de fundir-se com outro clube chamado Lusitânia, em 26 de novembro de 1915.
A turma do remo era contra, mas prevaleceu a vontade dos sócios que desejavam ter em seu clube um espaço para a prática de um esporte de crescente popularidade. O Lusitânia queria disputar os campeonatos da liga local, mas seu estatuto definia-o como um clube exclusivamente para portugueses, o que feria os regulamentos da liga. A fusão com o Vasco foi, assim, a forma encontrada de contornar as restrições e colocar o time em campo.
Nos primeiros anos, o Vasco não representou maior ameaça, pois era apenas o “primo pobre” de um campeonato onde os clubes elegantes da Zona Sul e da Tijuca reinavam absolutos. Contudo, as coisas começaram a mudar em 1923, quando o Vasco chega pela primeira vez à primeira divisão. Enquanto os outros clubes contam apenas com jogadores brancos, o Vasco abre as portas para os negros e mulatos, e começa a recrutar jogadores nas áreas periféricas, muito longe dos bairros aristocráticos.
Logo, o time de “caixeiros e negros” está surrando todos os rivais (o termo caixeiro, hoje quase em desuso, designava os balconistas das lojas comerciais). As elites, em polvorosa, elegem o Flamengo como seu vingador. Vasco e Flamengo enfrentam-se num clima de grande tensão:
O jogo será realizado no estádio do Fluminense, que oferece todas as facilidades aos torcedores do Flamengo. Assim, em locais estratégicos, são colocados remadores, munidos com pás e braços de remo, mal e mal enrolados em jornal. A bola começa a correr, e o pau a cantar na cabeça de qualquer torcedor vascaíno que ouse incentivar seu time. O Vasco perde por 3×2. Perde de pé, e ainda reclama um gol legítimo, invalidado por Carlito Rocha, juiz do Botafogo. No dia seguinte, os jornais descobrem uma classificação para o jogo: é o Clássico das Multidões.
A torcida rubro-negra comemora a vitória como se tivesse conquistado o campeonato. No fundo, tudo não passava de histérica demonstração de racismo disfarçada em pândega. A poder de cabeças-de-negros (bombas de alto poder explosivo), os rubro-negros fecham o restaurante Capela e a Cervejaria Vitória, dois redutos vascaínos; enfeitam a estátua de Pedro Álvares Cabral com réstias de cebola; plantam um enorme tamanco, com mais de 2 metros, na frente da sede do Vasco, na rua Santa Luzia. (Da revista Placar: edição especial As maiores torcidas do Brasil, 1979.)
Apesar de tudo, os vascaínos ganham todos os jogos seguintes e conquistam o campeonato. Tentam selar a paz com os flamenguistas levando-lhes uma enorme e cara corbelha de flores, mas são recebidos com pedras e telhas. O que se seguiu foi uma demonstração explícita de racismo e discriminação de classes:
Na bola não era possível ganhar do Vasco – o clube que abrira efetivamente o futebol a negros e mulatos, aos pobres. Por isso, Fluminense, Flamengo, Botafogo e América, clubes de brancos, fundam a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – AMEA – sem convidar o Vasco, que não se fez de rogado: pediu filiação. A solução foi outro golpe também sujo: a criação de uma comissão de sindicância, para investigar a vida de cada jogador. A desculpa para o racismo não-declarado era manter a pureza do amadorismo. Os racistas decidiram ainda que os analfabetos não poderiam integrar os times.
O Vasco tinha alguns jogadores que rabiscavam o nome. Conta o jornalista Mário Filho, em seu livro O Negro no Futebol Brasileiro, que “alguns jogadores suavam mais para assinar o nome do que jogando uma partida inteira”. Até um professor de caligrafia – Custódio Moura – o Vasco arranjou. Tudo em vão. (Da revista Placar: edição especial As maiores torcidas do Brasil, 1979.)
Doze jogadores do Vasco são reprovados pela comissão de sindicância, mas o Vasco se recusa a cortá-los. Escorraçado da AMEA, é obrigado a disputar o campeonato por outra liga. Além de toda a questão da “pureza do amadorismo” (os outros clubes argumentavam que os jogadores vascaínos ganhavam empregos em lojas apenas para que pudessem jogar futebol, o que caracterizaria uma forma disfarçada de profissionalismo), os outros clubes argumentavam também que o Vasco não tinha estádio próprio.
Sentindo-se desafiado, o clube decide construir seu estádio e, na falta de recursos, promove coletas entre associados e torcedores. É com o dinheiro doado por negros, portugueses, pobres e analfabetos que se constrói o estádio Vasco da Gama (mais conhecido como São Januário, por localizar-se nesta rua), inaugurado em 21 de abril de 1927 com a presença do presidente da República e que seria o maior estádio do Brasil até 1941 e o maior do Rio até 1950, quando se inaugura o Maracanã.
O que, no mapa do Vasco, explica o clube como um agente na luta contra o racismo, a discriminação e a intolerância das elites? O Ascendente no hierarquizante signo de Capricórnio não parece prenunciar este papel, mas a conjunção de seu regente, Saturno, com o renovador Urano na gregária casa 11 – estando Saturno em Sagitário, signo dos conceitos mais elevados de justiça – já mostra que o Vasco teria de destacar-se como um clube de práticas pouco ortodoxas.
Além do mais, Júpiter, regente de Sagitário e dispositor de Saturno, está no Meio do Céu, em Libra, signo do “contrato social” e da possibilidade da harmonia entre opostos. Júpiter está em conjunção com Vênus, regente do Meio do Céu, um belíssimo aspecto de união de dois princípios tradicionalmente considerados benéficos, que ainda envolve a Lua (símbolo de povo, gente comum) e recebe trígonos de planetas na casa 6 (operários, trabalhadores), um dos quais, Marte, é regente da casa 4 (a base populacional). Júpiter, além de tudo, é regente da casa 12, a dos socialmente excluídos, das comunidades marginalizadas, dos escravos.
Finalmente, observe-se que o Sol leonino está também em quadratura com Urano na casa 11. O clube, para afirmar-se, teria que romper com a hierarquia, confrontar-se com a autoridade – enfrentar o poder das elites, em resumo.
Nota do autor: este artigo é dedicado aos muitos amigos vascaínos, especialmente o mais antigo deles, o respeitável Dr. Carlos Dias C. Amorim, que em dia de jogo do Vasco fecha o consultório, vira criança e torce que nem um desesperado, apesar dos Euricos Mirandas da vida. A esses queridos frequentadores da segundona, um abraço tricolor.
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