VALDENIR BENEDETTI:
Ao contrário dos homens, de quem é cobrado o tempo todo pelo sistema a manifestação do Marte, especialmente sob a forma de virilidade e expressão de masculinidade (daí, o estado cósmico e terrestre de Marte adquirir um peso enorme nas expectativas masculinas), nas mulheres, em geral, não existe esta cobrança. Portanto, a expectativa delas em relação à manifestação de Marte é diferente (estou excluindo o estado tonal geral e outras funções marcianas, que neste caso, costumam funcionar mais ou menos igual para ambos os sexos).
Nas mulheres, Marte representa muito mais um modelo projetivo, ou seja, elas projetam sua expectativa pessoal das funções marcianas nos homens, e, de acordo com o estado cósmico de Marte, elas vão-se identificar com homens mais ou menos cafajestes, mais ou menos mansos etc.
Eu diria que Marte no mapa de uma mulher descreve com bastante precisão o que ela espera de um homem, no comportamento, no corpo, no sexo. As conclusões passam a ser simples, no caso. Um Marte em mau estado cósmico provoca a atração pelo inadequado, pelo exagerado, pelo distorcido, pelo excêntrico, ou coisas do gênero. Um Marte em bom estado cósmico costuma representar a expectativa de alguém exato, preciso, correto, superior e até perfeito.
Qual dos dois provoca maiores queixas e insatisfações? Não tenho a menor ideia. A insatisfação, que é uma manifestação característica do Desejo, é uma prerrogativa feminina, pois o desejo é feminino (nos homens, a insatisfação é normalmente relacionada com sua parte feminina, mas isto é um outro assunto).
Com a palavra, as mulheres!
BARBARA ABRAMO:
Será que todo Marte pra mulher tem a ver com o que ela espera de um homem? Hum… não sei não, não sinto isso e nem percebo isso no meu trabalho. Percebo, pra resumir, que:
- as mulheres usam o Marte, como qualquer um, pra perseguir seus objetivos conscientes ou inconscientes de autopromoção na vida pessoal e na carreira;
- as mulheres atacam a presa – sexualmente falando – dependendo do Marte.
VALDENIR BENEDETTI:
Tudo certo, tudo corretíssimo. Isso mesmo (inclusive, adorei esta parte de “atacar a presa”, espero encontrar uma destas por aí), mas…
BARBARA ABRAMO:
As mulheres se sentem atraídas pelos conteúdos que estão identificados com a Vênus delas.
VALDENIR BENEDETTI:
Tanto as mulheres quanto os homens se identificam com os significados simbólicos de Vênus, pois Vênus representa o fator de Escolha, tanto estética quanto afetiva (o que torna as duas experiências muito próximas, primas entre si). Vênus define a linha de eleição afetiva, define um padrão que costuma se repetir em todas as escolhas amorosas, mesmo que se aprimorando com as experiências da vida, e podemos dizer que, por exemplo, pessoas com Vênus em Áries procura sempre um príncipe/princesa guerreiro para salvá-lo(a) da torre do castelo (a família, um casamento, um emprego medíocre) e, assim que são salvas, a escolha perde o sentido, a relação perde o sentido e a pessoa precisa procurar outro salvador para salvá-lo(a) daquela relação. Vênus em Aquário procura alguém que fuja ao padrão, que tenha uma identidade forte e definida. Depois se arrepende, porque uma pessoa assim não gosta de se prender, e assim por diante.
Quando citamos Marte como fator de atração, referimo-nos ao padrão de identificação físico/sexual, macho/fêmea etc. Sem estética, sem afeto (que, no contexto geral da atração/identificação, obviamente estão incluídos, ou seja, não estamos excluindo Vênus exatamente pelo mapa ser uma totalidade), apenas instinto e biologia em jogo. A tal da história do cheiro.
BARBARA ABRAMO:
Mulheres com aspectos tensos entre Marte e Saturno no mapa natal tendem a conseguir posicões profissionais onde querem a todo custo mostrar que, em última análise, elas é que dão a palavra final. Estas pessoas tendem a ter relações afetivo-sexuais pautadas por intensa briga de ego com homens.
(Valdenir)VALDENIR BENEDETTI:
Homens com este aspecto também são duros na briga profissional, igualzinho às mulheres, mas, na briga sexual, eles têm que se provar o tempo todo, pois Saturno pode oferecer o medo do fracasso e da inferioridade masculina. As mulheres, projetando o aspecto e o consequente estado cósmico de Marte, entram nesta briga afetivo/sexual mais pelos homens que as atraem e fazem-nas identificar-se com estas características do que por elas mesmas.
Isto pode parecer a história do ovo e da galinha, mas a Astrologia é assim mesmo.
Marte e a homossexualidade
BARBARA ABRAMO:
Homossexuais femininas tem o Marte forte no mapa – signo, casa, angularidade – com Vênus em estreita relação com Urano.
VALDENIR BENEDETTI:
A questão da homossexualidade feminina não pode ser determinada por este aspecto.
BARBARA ABRAMO:
Não quis dizer determinada, mas é uma coisa que venho observando. Não sei se é determinante, não deve ser, mas tem.
VALDENIR BENEDETTI:
Nos mapas em que pesquisei a homossexualidade feminina, Marte estava em boas condições cósmicas (isto será o forte ao qual você se refere?)
BARBARA ABRAMO:
Han han, é este mesmo.
VALDENIR BENEDETTI:
A homossexual pode ter o Marte forte, mas existem milhares de mulheres com Marte na maior evidência que nunca foram e nem serão homossexuais, como existem homossexuais com Marte inexpressivo.
BARBARA ABRAMO:
Por isso não é determinante, sendo apenas uma coisa que costuma ocorrer. O que deve ser determinante é mesmo a estrutura psíquica como um todo, as condições familiares de raiz, se a gente assumir uma análise mais psicológica; se for uma análise mais religiosa, pode-se interpretar por vários fatores, como a pessoa que não quer saber de viver outro papel nesta vida. Mas aí já entramos na discussão do karma, que aliás não dá pra levar muito adiante, porque o mapa desta vida é determinante do processo que estamos vivendo nesta vida…
Mulheres com Marte em mau estado cósmico – via Morin de Villefranche – tendem a supercompensar a ação deste Marte como qualquer homem.
- Nota: Morin de Villefranche – astrólogo francês do século XVII que consolidou e sistematizou a teoria das determinações astrológicas. Escreveu a Astrologia Gallica, em 26 volumes.
VALDENIR BENEDETTI:
Qualquer planeta debilitado no mapa tende a ser supercompensado, tanto no homem quanto na mulher, pois, nas expectativas básicas do mapa, buscamos sempre e com mais avidez aquilo que não temos. Isto vale para os elementos, distribuição dos planetas, estado cósmico e terrestre dos planetas. É uma lei geral de interpretação. Chama-se: “princípio da relação polar equilibrante”.
“Homossexuais femininas têm o Marte forte no mapa – signo, casa, angularidade – com Vênus em estreita relação com Urano.” Esta é uma avaliação realmente perigosa!!! Sabe onde a gente pode cair com este tipo de afirmação, né? Além do que este tipo de conclusão só pode ser obtido depois que você sabe que a pessoa é homossexual.
BARBARA ABRAMO:
Não estou dizendo que, se olho um mapa com Marte forte e Vênus em estreita relação com Urano, a pessoa é homossexual; estou dizendo que, nos casos de homossexualidade, esta configuração tende a aparecer.
VALDENIR BENEDETTI:
Se pegar o mapa de uma filha, por exemplo, ou da própria mãe, e notar este Marte forte, o que você vai achar/falar pra ela?
BARBARA ABRAMO:
Os mesmos cuidados que eu teria com uma filha, tenho com um cliente. Já passei da idade de ir fazendo “revelações retumbantes” não solicitadas para pessoas de quem não conheço a estrutura psíquica e, além disso, como dizia antes, um Marte proeminente pode ser usado numa mulher que quer vencer na carreira no mundo dos homens. Ela está ou não sublimando falus, como diria herr doktor Freud? Quem não consegue sublimar ou simbolizar, transa o símbolo literalmente, né, Val?… Tudo depende de tudo, como você falou, e muito das identificações/projeções, como você também falou.
Enfim, meu querido Val: acho que escrevi de forma pouco clara, dando a entender que estas coisas são determinantes e não são, nunca achei que fossem. E sua contribuição pra discussão foi muito esclarecedora.
A questão da oitava casa
BARBARA ABRAMO:
Podemos extrair muito significado para melhor compreensão de Marte através das casas que ele rege: primeira e oitava. Na primeira temos a busca da identidade pautada pela diferenciação com o entorno. Na oitava temos o desejo da mudança, a questão Scorpio.
VALDENIR BENEDETTI:
Boa ideia. Vem ao encontro da teoria do Indicador Essencial da Questão. Mas tenho algo para falar a respeito da oitava casa: uma ova que na oitava temos o desejo de mudança! A mudança pode ocorrer, pode até mesmo ser representada pela oitava, mas eu não conheço ninguém que realmente quer mudar. Só no papo, no discurso psicológico contemporâneo politicamente correto. Mudar custa caro, implica abrir mão de coisas, pessoas e hábitos que nos dão a ilusão de segurança, e, na nossa cultura, fomos treinados e condicionados para acumular, conter, conservar, jamais abrir mão. Não estou afirmando que não aconteça a transformação, mas é só quando não tem mais jeito, quando o destino força e nos arranca as coisas e pessoas das mãos.
Portanto, não acredito no “desejo” da mudança, apenas talvez no desespero de não se ter mais alternativa para conservar a vida exatamente como ela é, como ela foi para nossos pais e como ela será para nossos filhos.
Pessimista? Reflitam sobre as próprias vidas. Quem quer mudar? Quem quer pagar o preço? Mesmo que viva numa miséria afetiva, numa relação medíocre e insatisfatória com a vida. Reclamar, todo mundo reclama. Falar que quer mudar, todos falamos. Mas quem faz o primeiro gesto? Quem é o primeiro a sair de casa? Quem é o primeiro a mudar de vida? E, de todos os signos, Escorpião é o que menos muda. Todos mudam em suas mãos, e por isso o temem, mas ele – ah! – está sempre igual, é a própria emoção fixa, a água fixa.
BARBARA ABRAMO:
Áries e Escorpião formam o quê? Um quincúncio… Escorpião está ligado à tormenta, a ir em direção a algo que não sabe bem o que é, mas vai por desespero mesmo, por tormenta interna, por insatisfação. Queria dizer que a insatisfação com as condições – Escorpião – gera mudança, o que não tem nada a ver com discurso politicamente correto, que é só discurso, é coisa de Gêmeos, Mercúrio… Senão, vejamos: eu, por exemplo, sou gulosa, adoro comer. De tanto comer, engordei a ponto de não querer me olhar mais no espelho. Todo dia eu me sentia mal, mas comia. Até que um dia veio a tormenta, o desespero. Aí, na sequência, comecei um regime. E levei adiante. Este tipo de exemplo tem a ver com Escorpião, acho. Assim como também o controle. O Escorpião vai atrás de uma finalidade, e ele não sabe onde isso vai dar. Quem sabe é Sagitário, o que o move é a finalidade. A crise da opção pela mudança é uma coisa de Libra, não de Escorpião, que já decidiu pela mudança e não sai daí – é a tal da água fixa, como disse o Val. A crise, a hesitação até chegar ao momento do “dá ou desce”, do “ou mudo ou morro”, do “sou um rato ou um homem?”, tem mais a ver com Libra.
Quando falei do quincúncio entre Áries e Escorpião, sendo os dois regidos por Marte, penso aqui que a tensão surda representada pelo quincúncio se expressa muito nessa briga de ser alguém e ter que mudar os conteúdos com os quais me defino como ser. É a tal da tensão para a mudança de que o Val falou: todos falam, mas quem muda? E, quando muda, muda por causa de um desespero, ninguém quer mudar numa boa. Às vezes a vida muda as coisas pra gente de tanto que a gente quer segurar coisas que precisam ser mudadas. Uma cirurgia psíquica, física, moral, é algo de Escorpião: tirar algo que não presta mais, sempre incomoda a identidade, a casa 1, o Áries, o quem eu sou. Nunca vi também ninguém mudar por prazer, não há o prazer que antecede a mudança, é o desprazer, o mal-estar, o desconforto, o desespero. Não disse que é o prazer que leva a gente à mudança.
Pegando pelos números, por Pitágoras, a gente tem umas coisas bizarras na Astrologia, muito esclarecedoras…
Já Vênus, que rege Touro e Libra, é diferente. Se você contar de Touro como primeiro signo a Libra, você tem quantos graus, ou quantos signos? Você tem seis signos, incluindo Touro e Libra. 6 x 30° = 180°, o que dá uma oposição, que é a questão Vênus: de novo, como bem disse o Val, a questão da escolha. Voltamos ao ponto de início. Na escolha existe a crise, a hesitação, a necessidade de se comprometer na opção por algo que fecha as possibilidades para o resto. Há também a posse de algo que é teu em comparação com a necessidade de compartilhar valores e bens, e daí fazer acordo, que tem a ver com saber o que eu tenho e o que quero compartilhar, e vice-versa.
Ainda citando o Val, quando fala em falar e fazer: de Gêmeos a Virgem são quatro signos, incluindo ambos, e 4 x 30° = 120°, você tem a capacidade de instrumentalizar o conhecimento numa forma concreta. E por aí vai… O quincúncio pode ser definido pela relação Áries-Escorpião: voltamos à questão da identidade e da mudança.
Enfim, a gente poderia ficar horas delirando em cima disso.
VALDENIR BENEDETTI:
O último a se transformar apague a luz, please.
Marte e a questão nuclear
ANA OCAMPO:
Não deixa de ser incrível, porque estamos falando do deus das guerras e não estamos guerreando – isso já não é um avanço em termos de humanidade?
Pensei um pouco sobre Marte como conquistador de territórios. Esse foi sempre o principal argumento para as guerras, e deve ter sido mesmo o principal motivo. Mas desde as bombas de Hiroshima e Nagasaki, um outro tipo de guerra assalta o nosso imaginário: a guerra nuclear. A possibilidade virtual de que apenas uma pessoa, com poder suficiente pra isso, possa apertar um suposto botão e mandar pro espaço toda a humanidade de uma vez. E pensei: há armas nucleares que são alardeadas como capazes de destruir muitas vidas sem derrubar um prédio. Sem arrasar os territórios.
Antigamente, o medo vinha das invasões, dos bárbaros – eles destruíam tudo, passavam pelos territórios. Minha família é de camponeses da Espanha e até hoje eles se pelam de medo dos “ciganos”. Porque pra eles a terra é como o próprio corpo, não é possível existir, reconhecer a própria existência e um sentido pra vida se não estiver vinculado à terra e à subsistência a partir dela. Temos o Movimento dos Sem Terra aqui também. Mas, apesar disso tudo, parece que o maior medo atual é o de uma destruição maciça, porque, numa guerra nuclear, o inimigo não se vê, não se pode combater (corpo a corpo), não há como defender ou atacar, e parece que estamos ali só pra evaporar.
Então, pergunto: como a gente veria isso no simbolismo dos planetas? Esse medo nuclear é o Marte corregente de Escorpião? É Aquário e o medo do imprevisível, imponderável, incontrolável? As armas nucleares são radiações, estão voltadas para a destruição humana, dos seres vivos. E a questão dos territórios, nesse caso, como fica? Pra que resguardar terra e construções, e pra quem? Qual ideia de guerra é a que nos norteia hoje? Não é que não façamos guerra como antigamente – taí a guerra da ex-Iuguslávia que não nos deixa mentir. Ou a pirotecnia da Guerra do Golfo, que parecia videogame e matou um monte de gente sem que nos déssemos conta. Mas acho que o padrão de expectativa da guerra mudou, e as bombas atômicas têm a ver com Plutão, então…
Nesta série de cinco artigos, a importância e o significado de Marte são passados a limpo a partir de diversas abordagens. Publicada originalmente por Constelar em março de 1999, registra um debate que se estendeu de 2 a 7 de fevereiro de 1997, através da lista de discussão Solstix. Foi o primeiro grande debate astrológico da Internet brasileira – e um dos melhores.
Leia a sequência inteira:
O amor de Marte diante da morte – Ana Ocampo e Marcus Vannuzini
Da virilidade ao projeto de vida – Valdenir Benedetti
A ereção eterna do tutor de Marte – Barbara Abramo
A guerra do desejo e a hora do sexo – Barbara Abramo e Valdenir Benedetti
O que vale a pena ler sobre mitologia – Barbara Abramo