A partir de setembro de 1995, a TV encheu-se de anúncios de serviços de teleatendimento astrológico. Bastava ligar para um número 900 ou 0900 para que um “especialista” fornecesse todas as respostas de que você precisava, com base em uma salada cujos ingredientes incluíam a Astrologia, tarô, runas escandinavas, I Ching e jogo de búzios.
Mas, afinal, como funcionava o sistema do disk-900? Quem trabalha num esquema desses pode ser considerado astrólogo? De onde surgiu Walter Mercado? O astrólogo Maurice Jacoel começou a jogar nova luz sobre o tema ao relatar para o site Constelar sua passagem pelo grupo empresarial que explorava a imagem de Walter Mercado no Brasil.
As revelações de Maurice Jacoel
Fui convidado pelos empresários do Sistema Walter Mercado para coordenar uma nova equipe que se destinou a atender a Dione Forti. Era minha função selecionar e cuidar da qualidade do atendimento deste novo grupo.
Tive a oportunidade então de acompanhar todas as facetas deste sistema e sua própria história. Os donos são um grupo de empresários essencialmente preocupados com o lucro e a quantidade de minutos.
Walter Mercado foi descoberto pelo empresário argentino Bill Bacula, que atua no mundo artístico e já tinha sido empresário do Prince e do Michael Jackson, entre outros. Foi ele que criou o personagem Walter Mercado, com sucesso nos Estados Unidos. A ele se juntaram empresários brasileiros dos setores de telefonia, shows musicais e propaganda. Tentei fazer o melhor para interferir na qualidade do atendimento, mas foi difícil. Na maioria, os que atendem são honestos e 60% têm uma boa formação. Porém, a estrutura empresarial nao permite um trabalho sério. Acabei saindo.
Os “místicos”, como eles chamam os atendentes, são registrados numa Cooperativa de Processamento de Dados e fornecimento de informações (Cooperdata). Assim, os empresários não se comprometem. Para eles não há interesse em reconhecimento da profissão de astrólogo, ou seja lá o que for. Isto representaria um risco sindical e processos trabalhistas. Quanto mais puderem escorregar dos impostos e da carga trabalhista, melhor!
Eles têm fortes aliados no setor de comunicações. Vamos falar em números: com uma média de vinte mil minutos/dia a R$ 4,00, dá R$ 80.000,00 por dia! As teles — Telesp e outras teles municipais e estaduais — ficam com 25% deste valor bruto. Estamos falando de uma única empresa!!!
Perceberam por que não vai acabar nunca o Disk-900? Ele subsidia o sistema de Telefonia no Brasil. E quanto às pessoas que trabalham arduamente neste sistema — 12 a 18 horas por dia! — para ganharem R$ 0,40 a 0,50 centavos por minuto!? Estão à deriva! Nao têm nenhum organismo que as defenda ou valide seu trabalho ou mesmo que lute contra a estrutura empresarial no sentido de criar condições de um trabalho de melhor qualidade. Se discriminarmos os astrólogos que atendem nos Disk-900, estaremos fazendo o jogo desses empresários.
O Instituto Omar Cardoso, capitaneado pelo filho do Omar, estava associado ao dono do Papa-Tudo. No fundo, é a mesma coisa: minutos e muito lucro. Quanto ao público que liga, é o mais diversificado possível, e sempre em busca de respostas imediatas. Amor, relacionamento e vida profissional são, essencialmente, as questões principais. Temos que enfrentar esta situação da telefonia com clareza e coragem, sabendo que ela veio para ficar. Este pessoal movimenta milhões e não tem nenhum escrúpulo.
Esta entrevista foi concedida por Maurice Jacoel a Constelar em maio de 1998, quando os serviços de teleatendimento estavam no auge. Maurice, que já dirigiu uma escola de Astrologia em São Paulo, vem-se interessando há mais de dez anos pelo articulação da categoria profissional e pela busca de soluções conjuntas para o aperfeiçoamento da prática astrológica.
CONSTELAR – Como é o estilo dos empresários de Walter Mercado?
MAURICE JACOEL – O raciocínio deles é sempre mercantil. Adoram reunir-se em churrascarias. É ali que os negócios são fechados. Quando fui convidado, em 96, para coordenar a seleção e o treinamento de uma equipe de atendentes, aceitei porque acreditei que seria possível fazer um trabalho de bom nível. O objetivo era lançar o serviço da Dione Forti que, mesmo sendo administrado pelos mesmos empresários do Walter, destinava-se a atender outro tipo de público, mais qualificado. Mas os empresários não querem saber da qualidade, só do retorno financeiro. Na medida em que o volume de procura ia crescendo, exigiam que se contratasse mais gente às pressas, sem dar tempo para o treinamento adequado.
CONSTELAR – Como funciona o trabalho dos atendentes? Dá pra ganhar bem?
MAURICE JACOEL – O prestígio do “místico” — termo que os empresários usam para designar os atendentes — é determinado pela sua capacidade de fazer com que os atendimentos gerem mais e mais minutos. A maioria dos atendentes trabalha na própria central. Apenas os mais bem sucedidos ganham uma linha telefônica especial, que permite trabalhar em casa. Podem faturar por volta de mil reais por mês, mas tem gente que consegue ganhar muito mais. A melhor atendente da equipe da Dione Forti chega a fazer quatro mil mensais, virando horas e horas e entrando pela madrugada. Tem gente boa, bons astrólogos e bons tarólogos. Mas a estrutura do serviço não funciona em termos de qualidade, só de tempo. Já os que jogam búzios são muito fracos, muito despreparados.
CONSTELAR – E as relações trabalhistas, em que pé estão?
MAURICE JACOEL – Quando os primeiros sistemas foram implantados — e o primeiro é o dos empresários do Walter — eles estavam sem clareza em relação à questão trabalhista. Chegaram a registrar os primeiros atendentes como astrólogos, em carteira de trabalho. Depois viram que isso onerava. Demitiram e recontrataram por hora, foram experimentando várias fórmulas, até chegar à atual, de remuneração por minuto de trabalho efetivo. Os disk-900 pagam, na maioria, por volta de 40 centavos por minutos. Atendeu, levou. Ele acham que pagam bem demais.
CONSTELAR – É possível fazer o controle dos disk-900 via regulamentação da prática astrológica?
MAURICE JACOEL – Não acredito. A situação não é tão cor de rosa como gostaríamos. O que deveria ter sido feito, não foi na hora certa. Se os sindicatos tivessem se pronunciado na fase da implantação dos sistemas, feito exigências e tal, muita coisa já seria diferente. Não seria necessário esperar uma regulamentação. Agora os reparos vão exigir muito tempo. Esta é a realidade. Para dar uma ideia do tamanho do bicho, o empresário do Walter tem os direitos autorais da sua imagem para serem explorados após a sua morte! A omissão dos sindicatos até agora demonstra que nada vai mudar. Além disso, agora os empresários já acharam o jeitinho… Estão amparados por outras leis e até por uma cooperativa profissional que define os astrólogos e tarólogos como meros prestadores de informações. Outra saída, menos econômica, seria registrar esta turma toda em telemarketing. Afinal, um atendente de telemarketing não precisa necessariamente conhecer o produto a fundo…
CONSTELAR – Mas você fala de uma situação atual, em que a profissão de astrólogo ainda não está regulamentada. Quando isso acontecer, os atendentes do teleatendimento vão poder contar com outras defesas, certo?
MAURICE JACOEL – O filão, em termos financeiros, é muito grande, e não vai ser nossa regulamentação que vai mudar algo. E o atendente não vai correr o risco de perder essa boquinha para lutar por um monte de regras e ser mandando embora… Como você acha que ele vai se posicionar? Outro ponto: a maioria é astrólogo e tarólogo ao mesmo tempo, e às vezes joga búzios também. Bom, se você regulamenta o astrólogo, não tem problema… Diante do Fiscal do Trabalho, ele será considerado apenas um tarólogo, ou jogador de búzio… Simples. Outra consideração importante: pode-se até exigir um astrólogo reconhecido, responsável pelo Disk-900. Tudo bem, já existe: Dione Forti é astróloga reconhecida, Leiloca também; e assim vai. Até o Walter pode ter algum comprovante de Astrólogo dos Estados Unidos. Resolvido. Empresários pensam em tudo, em todos os detalhes, não querem ser pegos de calça curta.
CONSTELAR – Dá para traçar um perfil do usuário dos disk-900?
MAURICE JACOEL – Liga gente de todo tipo. Minha primeira impressão era de que os serviços de teleatendimento não tiravam a clientela habitual dos astrólogos, atingindo outro tipo de público. Mas pude observar que não é bem assim. Um dia, uma das atendentes veio me contar que acabara de atender um cliente meu. Tratava-se de uma pessoa bem informada, que sabia exatamente a diferença entre um atendimento pessoal, em consultório, e o teleatendimento. Chegou a citar meu nome, de forma elogiosa. Mas mesmo assim estava lá, ligando para a Dione Forti. Foi quando comecei a acordar para a dimensão da coisa. Alguns clientes gostam do trabalho de determinado atendente e sempre procuram o mesmo, criam um vínculo.
Mais revelações de Maurice e a Opinião de Constelar
CONSTELAR – O investimento em publicidade é pesadíssimo, não?
MAURICE JACOEL – É muito alto. A forma preferida de publicidade na televisão é a dos testemunhais, aqueles depoimentos em que a pessoa conta como foi ajudada e como as previsões deram certo. Alguns são casos reais. Muita gente, depois de receber uma orientação, volta a ligar depois, para contar os resultados. Quando isso acontece, os atendentes são orientados a perguntar ao cliente se não gostaria de dar seu depoimento na televisão. Sempre tem gente que topa. Mas muitos depoimentos são armados, ensaiados com atores profissionais. A imprensa tem falado bastante de Walter Mercado, mas aí também rola uma grana. As matérias mais elogiosas e as entrevistas em programas de sucesso são pagas pelos empresários. Na verdade, a situação é mais ou menos assim: as matérias desfavoráveis costumam ser espontâneas, enquanto as favoráveis são sempre pagas.
CONSTELAR – Recentemente, lançaram também o Leiloca Conection. O serviço é do mesmo grupo de empresários?
MAURICE JACOEL – Não. Conversei duas horas com a Leiloca pelo telefone. O esquema dela é diferente, pois conta com empresários que nunca atuaram nesse ramo e não têm, ao que parece, o mesmo estilo mafioso dos empresários do Walter. Contei à Leiloca sobre minha experiência e ela se mostrou chocada com alguns detalhes. Parece que, dentro dos limites do modelo do teleatendimento, está tentando fazer um trabalho de nível melhor.
CONSTELAR – A maior crítica de muita gente é em relação ao uso do telefone num serviço que deveria ser prestado face a face. Você concorda?
MAURICE JACOEL – Em princípio, não sou contra o atendimento por telefone. É possível ler um mapa sem contato pessoal com o cliente e dar uma orientação segura, se bem que o atendimento direto seja sempre preferível. O problema ético principal está na propaganda enganosa. Troquei ideias com outras pessoas que acham que a forma de deter o avanço dos teleatendimentos é através da legislação de defesa do consumidor. Mesmo assim, não sei. É muito difícil documentar uma acusação.
OPINIÃO DE CONSTELAR
[editorial inserido no número zero, de junho/1998]
Precisamos agir
Fernando Fernandse
Considerando os valores por minuto das várias empresas de teleatendimento, o custo por hora pode sair entre R$ 234,00 e R$ 296,40 [nota: montante corrrespondente hoje a mais de R$ 1.800,00, em valores corrigidos pela inflação]. No Rio e em São Paulo, são pouquíssimos os astrólogos profissionais cujos honorários atingem a faixa de R$ 200,00 por consulta (valores da época). São astrólogos em tempo integral, com muitos anos de estrada e presença constante na mídia e em eventos. E, mesmo assim, a maioria não costuma trabalhar com taxímetro.
Basta comparar para descobrir que o valor médio de uma consulta individual, face a face e com direito a toda a atenção que o cliente merece, é muito — muitíssimo inferior ao preço cobrado pelos teleatendimentos. E, fora do eixo Rio-São Paulo, os honorários tendem a ser ainda menores, a ponto de tornar quase impossível viver exclusivamente de Astrologia.
Em pequenas cidades, o quadro é ainda mais crítico. Não é raro que praticantes de Astrologia acabem restringindo sua atividade apenas ao atendimento gratuito de amigos e parentes, abrindo mão por completo de transformar a Astrologia em uma opção profissional, por absoluta falta de uma clientela estável.
A conclusão é evidente: ao contrário de outras áreas, onde o público busca o profissional de reputação duvidosa apenas como alternativa aos preços mais altos do bom profissional, o consumidor de serviços astrológicos paga mais caro — exorbitantemente mais caro — pela picaretagem. Na verdade, os teleatendimentos repassam para o público não apenas os custos da consulta, mas também do contrato com as empresas de telecomunicação e dos pesadíssimos investimentos em marketing. Se a clientela prefere o comodismo das respostas prontas, é um direito dela. Mas cabe à comunidade astrológica brasileira mobilizar-se para deixar claro para a opinião pública a diferença entre a salada pseudo-esotérica e a verdadeira técnica de interpretação.
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