Este artigo é a segunda parte da dissertação de mestrado Narrativas do Céu – A presença da Astrologia nos Meios de Comunicação, apresentada em 2015 pela jornalista e astróloga Titi Vidal. Se você não leu a primeira parte, não perca tempo:
O retorno da Astrologia
Após o divórcio ocorrido entre Astrologia e ciência, Astrologia e Astronomia e Astrologia e religião, a Astrologia ficou abandonada e relegada. Sabe-se que nunca deixou de ser praticada, mas isso era feito de forma oculta e sem grandes divulgações.
Ao longo da história e atualmente, a Astrologia pode ser aplicada tanto ao indivíduo como ao coletivo. Mas, em tempos mais antigos, era usada individualmente sobretudo pela medicina e apenas para reis, nobres e quem podia de alguma forma pagar pelo serviço dos astrólogos. No mais, era especialmente empregada para as grandes previsões coletivas, como o futuro das nações, dos reis, a política, a economia ou a morte de pessoas importantes.
Depois de permanecer nessa espécie de limbo, condenada pela religião e desconsiderada pela ciência, aos poucos a Astrologia ressurge ao longo do século XX aliada a áreas como a psicologia e mais aplicada ao indivíduo. Especialmente pela influência de Carl Gustav Jung ela passa a ser uma das formas de se buscar sentido nas ações humanas. Vale ressaltar que a psicologia como um todo contribuiu para esse retorno da Astrologia, já que a partir daí surge uma preocupação maior com o ser humano e o autoconhecimento, o que beneficiou tudo que de alguma maneira pudesse levar a isso. Além disso, os trabalhos de Jung sobre sincronicidade parecem ter sido uma nova maneira de explicar o possível funcionamento da Astrologia. Ele mesmo a usou como exemplo em seu livro Sincronicidade, no qual fez alguns experimentos com mapas astrológicos de casais. Outrossim, os estudos de Jung sobre o inconsciente e a linguagem simbólica também foram relevantes para esse retorno da Astrologia.
Vale explicar que sincronicidade é o nome que Jung deu ao que chamou de coincidência significativa, ou seja, eventos que se correspondem de forma tão coincidente que não poderiam ter sido obra do acaso. Por exemplo, quando uma pessoa pensa em outra que no instante seguinte lhe telefona. No caso da Astrologia, para Jung haveria uma coincidência significativa no fato de a configuração planetária corresponder a um acontecimento terrestre e, por isso, seria explicada como uma sincronicidade.
Assim, hoje em dia a Astrologia está especialmente voltada ao indivíduo, mas é também muito empregada por empresas, políticos e para previsões coletivas, econômicas, políticas e sociais.
Sobre o retorno da Astrologia no século passado, Renato Janine Ribeiro (2003), diz que até o século XX a Astrologia é voltada especialmente à previsão do futuro e às ações que a pessoa sofre ou pratica. A partir do século XX, para Renato Janine Ribeiro, a Astrologia se torna junguiana e está mais preocupada com a psique da pessoa. Ela passa a focar menos o que vai acontecer e mais as qualidades, pontos fortes e fracos e a percepção da personalidade das pessoas. Tanto é que a Astrologia deixa de prever apenas considerando um destino imutável para também aconselhar e orientar, incluindo a ideia da existência de livre-arbítrio.
Segundo Renato Janine Ribeiro, C. G. Jung e sua teoria da sincronicidade faz com que “as mânticas[6] passem a ser configurações materiais do inconsciente, seus mapas” (1996). Assim, a “aceitação dos opostos, em mim, tem a ver com a aceitação dos conflitos, com o casamento cósmico, com o que está fora de mim (1996)”. A Astrologia passar a revelar a “psique mais profunda do indivíduo”. Ou seja, a leitura (astrológica) deixa de ser dos acontecimentos, dos fatos, daquilo que está fora do consulente, isto é, agora “trata de sua pessoa psíquica (em sentido renovado, porque re-ligado ao mundo)” (RIBEIRO, 1996).
Diante dessa nova visão, “ideias como a de destino ou de aspectos nefastos perdem por completo o sentido, ainda mais porque o que confere, justamente, sentido à leitura é uma convicção do possível crescimento do ser humano pelos desafios que enfrenta na vida” (RIBEIRO, 1996).
Assim, Ribeiro considera que Jung, com a teoria da sincronicidade “foi quem “teve maior impacto na moderna mântica” e para explicar às mânticas, entre as quais a Astrologia. Mas diferencia a Astrologia de outras mânticas, definindo-a como uma “mântica de elite” que, “em vez de usar as adivinhações como tecnologia (isto é, para uma eficácia externa), vai delas para a psicologia e, portanto, para o assim chamado ‘trabalho interno’, uma reelaboração do eu apoiada no mapa da psique” (1996).
Isso de fato acontece atualmente, já que nas consultas astrológicas, apesar da vontade de saber o futuro que muitos clientes têm, o foco principal é o autoconhecimento, conhecer seus potenciais, talentos, medos, desejos e recursos, para se tornar uma pessoa melhor. As previsões já não são fatalistas e não apontam acontecimentos inevitáveis, já que partem do pressuposto de que, com consciência, podemos mudar o curso de parte dos acontecimentos.
Renato Janine Ribeiro (2001) também define essa Astrologia derivada de Jung como uma “Astrologia mais requintada”, já que essa teria largado as previsões pelo exame da personalidade e, assim, eliminado a adivinhação. Com isso, a Astrologia teria se tornado uma “prática auxiliar da análise junguiana”, na qual “os traços da pessoa são derivados do instante em que ela nasceu” (2001).
Entretanto, a Astrologia ainda é muito usada para fazer previsões e prognósticos. E continua sendo empregada para o estudo dos ciclos coletivos, como o econômico e o político, apesar de ser cada vez mais aplicada ao indivíduo.
Mas, mesmo sendo tão utilizada, é mal compreendido, talvez pela falta de informação. Há muita associação, totalmente equivocada, com misticismo e esoterismo e, em alguns casos, até mesmo com religião. Muita gente considera o astrólogo uma espécie de “vidente”, desconsiderando que suas análises e previsões dependem de cálculos e técnicas específicas. Lena Petrossian entende que “cada vez mais desconsiderada nos meios eruditos ou cultos, a Astrologia entra, daí em diante, no universo subterrâneo das ciências ocultas” e, assim, “a Astrologia voltou a ser clandestina e iniciática” (PETROSSIAN, 1972, p. 23). Porém, a Astrologia é um saber complexo que merece ser estudado e compreendido e, apesar de ter permanecido na vida humana de forma clandestina, nunca deixou de ser praticada. Aos poucos a Astrologia vai (re)encontrando seu lugar e espaço na vida das pessoas, na mídia e também no meio acadêmico, com a realização de pesquisas de mestrado e doutorado que incluem esse saber em seu tema.
Astrologia e meios de comunicação
Esse retorno da Astrologia coincide com sua presença cada vez mais forte na mídia. Para Lena Petrossian no início do século XX, na Europa, a Astrologia sai “dos cenáculos dos grupúsculos e da porta fechada dos consultórios, para estar presente na grande imprensa” (PETROSSIAN, 1972, p. 27). No Brasil a Astrologia também começa a se fazer presente na grande imprensa nessa mesma época. Assim, “foi a grande imprensa quem tirou a Astrologia do ocultismo, do underground para onde haviam relegado a ciência, a razão e a religião” (FISCHLER, 1972, p. 29).
Com isso, “a partir de 1930 começou a desenvolver-se uma Astrologia de massa, diferente da antiga Astrologia rural – popular dos almanaques, e que se espalhou – desigualmente – por todas as camadas da sociedade” (FISCHLER, 1972, p. 29).
A partir daí, a astrologia começa a se popularizar e ser mais conhecida e “quando os signos do zodíaco começaram a individualizar o horóscopo (1939), principia uma alfabetização astrológica que se intensifica quando este alcança a grande imprensa (1945)” (FISCHLER, 1972, p. 29).
Desde então e cada vez mais, a Astrologia está fortemente presente na mídia sobretudo em sua narrativa mais resumida, na forma de horóscopos. A grande maioria dos jornais, revistas e portais têm uma coluna astrológica, com pequenos textos contendo as previsões para cada um dos doze signos. Apenas para citar alguns exemplos brasileiros, os jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo, entre tantos outros, as revistas Marie Claire, Capricho, Cláudia, Nova, Contigo, Caras, IstoÉ Dinheiro on-line, entre outras e os portais UOL-Universo On-Line, Terra e IG, entre outros, têm suas colunas astrológicas. Ou seja, a Astrologia está fortemente presente nos principais jornais, revistas e portais do Brasil. Esses horóscopos aparecem como narrativas resumidas, sejam diárias, semanais ou mensais, com o objetivo de orientar dia a dia a vida das pessoas, para que possam se guiar pelas poucas palavras que cabem naquele texto.
Por um lado, o horóscopo é o grande divulgador da Astrologia. É por causa do horóscopo que boa parte da população conhece a Astrologia e sabe um pouco sobre seu signo solar. Para muita gente, o horóscopo é o único contato com a Astrologia. Para outros, é a porta de entrada para o universo astrológico, pois aquelas poucas palavras geram a curiosidade para saber mais.
Em contrapartida, o horóscopo é a pior divulgação que a Astrologia poderia ter. Ele é genérico, superficial. Tenta encaixar um doze avos da população em duzentos ou trezentos caracteres, transformando um tema tão complexo em uma espécie de autoajuda e em algo muitas vezes sem sentido por conta de sua superficialidade. Para um leigo, ler um horóscopo de jornal leva a acreditar que a Astrologia é algo sem sentido, inventado ou simplesmente algo genérico demais. Ou seja, o horóscopo estereotipa e cria uma imagem distorcida do que é Astrologia.
Os almanaques: a origem do horóscopo
O conhecimento astrológico se populariza inicialmente nos almanaques, que são
uma das formas mais antigas de publicações dirigidas às pessoas simples. Eram uma fonte de pesquisa para o povo e neles encontravam-se um calendário, Lunações, eclipses, indicações de plantio para os agricultores, ensinamentos sobre medicações, horóscopos, datas de festas religiosas, receitas, tratamentos de doença etc. (SUZUKI, 2007, p. 25).
Nos almanaques, era possível encontrar a posição diária do Sol no zodíaco, assim como as mudanças e as fases da Lua. Eles também continham informações importantes sobre as mudanças na maré, sobre as influências lunares, recomendações de datas e épocas propícias para casamentos, viagens, plantio, colheita e outras informações importantes sobre a Lua voltadas à agricultura. Os almanaques também tinham outras informações populares como receitas e outros assuntos de interesse popular.
A jornalista, pesquisadora e professora universitária Daniela Ramos lembra que a palavra almanaque vem do árabe Al-Manakh, que significa “lugar onde os nômades se reuniam para rezar, conversar e trocar notícias” (RAMOS, 2002, p.17). Assim, segundo a pesquisadora, as
“folhas do almanaque passaram a representar um ‘lugar’ onde a leitura transcorria de forma quase coloquial, uma conversa entre amigos, que abrigava momentos de descontração, informação e integração com os ciclos da natureza”. (RAMOS, 2002, p.17).
Grandes astrônomos também escreveram almanaques, como foi o caso de Kepler, que “passou grande parte da sua vida escrevendo horóscopos” (CONNOR, 2005, p. 65).
Segundo Kocku von Stuckrad, para “os astrólogos praticantes, essas revistas eram uma boa oportunidade para divulgar publicamente os seus serviços” (2007, p. 318).
Exemplos de almanaques que continham algum conteúdo astrológico
A relação abaixo inclui o nome do almanaque, a data da primeira edição e, quando disponíveis, informações sobre autor, local de publicação e tiragem. [7]
- Almanach Perpetuum – 1446
- Conjunctiones et Oppositiones Solis e Lunae – 1457
- Almanach de Liège – 1635 – Autor: Um cônego da igreja de Saint Barthelem (matemático e astrólogo)
- (sem título) – 1550 – Autor: Pierre van Bruhesen (médico flamengo) – Local: Região norte da atual Bélgica
- Melinus Anglicus – 1646 – Autor: William Lily (famoso astrônomo e astrólogo inglês de sua época, cujos apontamentos são usados até hoje) – Local: Londres – Tiragem: 13.500 exemplares, alcançando 30 mil exemplares em 1659.
- Lunarium Perpetum – 1494 (editado em língua portuguesa em 1703) – Local: Portugal.
- Vox Stellarium – 1768 – Autor: Francis Moore – Tiragem: mais de 500 mil exemplares.
- The Conjuror’s Magazine – 1791 – Textos sobre truques mágicos, receitas químicas e textos astrológicos.
- The Astrologer’s Magazine (antigo The Conjurer’s Magazine) – 1793 – A Astrologia erudita ganhou mais espaço.
- The London Correspondent – 1814
- Raphael Profético Almanaque – 1826 – Previsões de aniversário para todos os dias.
Almanaques no Brasil
- Almanaque para a cidade da Bahia – 1812
- Almanach do Rio de Janeiro – 1816 – O mais importante até essa época.
- Almanaque Imperial – 1829 – Em formato que começa a ser notado pelas “pessoas cultas”
- Almanaque Laemmert – 1839 – Começou como uma folhinha literária e chegou a 1,7 mil páginas em 1875.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de S. Paulo para o anno de 1857 – 1857 – Local: Foi o primeiro almanaque de São Paulo.
- Almanak da Província de São Paulo – 1873 – Autores: Antônio José Baptista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca – Durou apenas um ano, pois implicava grande despesa.
Foi o 16º almanaque publicado em São Paulo. Contém um capítulo intitulado “Calendário”, no qual há uma longa descrição sobre a divisão do tempo e os ciclos do Sol e da Lua, bem como a relação entre esses de acordo com as Luas Novas, entre outras informações. Para cada mês há a imagem do signo do período, bem como o data e a hora do ingresso do Sol nesse signo. Apresenta data e hora (com minuto e segundo) de cada fase lunar para o mês.
- Almanaque do Pensamento – 1912 – Local: São Paulo – Publicado até hoje, contém informações astrológicas como previsões anuais, mensais e diárias.
- Almanaque do Biotônico Fontoura – 1920.
- Almanaque Abril – 1975.
[5] Hoje em dia já podem ser encontrados mais livros sobre o assunto, mas, ainda assim, há lacunas, divergências e falta de informações.
[6] Mânticas são técnicas ou saberes utilizados para prever o futuro. Por exemplo, tarô, runas, etc.
[7] Não foram obtidos todos os dados das publicações.
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