Tive uma grande surpresa ao encontrar no livro Sinais e símbolos, de Adrian Frutiger, menção aos signos e símbolos da Astrologia. Na verdade, procurava outros assuntos. Parei e fui observar a obra mais de perto. Polemizei com algumas das ideias do Autor, gostei de outras, escrevi a respeito delas.
Este é um “artigo que no início queria ser uma resenha”. Cresceu. Ele se divide em quatro partes. Nesta primeira, apresento o Autor e sua obra. Na segunda e terceira partes, lido com uma questão terminológica (signos / símbolos) e uma polêmica (Astrologia e as pseudociências), ambas questões que implicam também o uso da linguagem e a compreensão de conceitos. E, na quarta e última, indico aspectos das análises gráficas dos sinais que podem interessar a nós, astrólogos. Comunicar as suas opiniões e observações será uma grande ideia!
Do autor e de sua obra
Essa publicação apresenta uma pesquisa na área da expressão gráfica, lidando com todo tipo de signos, símbolos, logotipos e sinais que “representam a expressão de nossa época, que tudo permeia e marca”, segundo palavras do Autor. Nessa longa lista de expressões gráficas, ele inclui aspectos da Astrologia, tendo em vista que ela supõe a existência de sinais e signos. Surgiu então a pergunta que segue: Qual é a perspectiva que um não astrólogo tem dos sinais e símbolos da linguagem astrológica? Como ele a situa em meio a seus interesses?
Adrian Frutiger é tipógrafo, designer de tipos e fontes, ilustrador, escultor, tendo também desenvolvido um trabalho acadêmico a respeito da história da tipologia ocidental. Além disso, é o responsável pela sinalização do Aeroporto Internacional Charles de Gaulle em Paris e do sistema de transporte metrô em Buenos Aires.
Nada mal esse seu currículo como apresentação para o texto de nosso interesse, que se divide em três partes. Na primeira delas, há um capítulo intitulado Três considerações como introdução e é aí que o Autor expressa algumas de suas ideias básicas e também o objetivo de seu trabalho. Essas palavras introdutórias (que nos dizem a intenção do texto) começam contando a história do Gênese: a Terra vazia, um caos que com o passar do tempo se organizou em um tipo de ordem que rege tudo e que nos “leva a pensar que até o traço ou o rabisco mais inocente não pode existir acidentalmente, por puro acaso, mesmo que o observador não reconheça claramente as causas, a origem e o motivo desse ‘desenho'”.
É com essa perspectiva abrangente que o autor observa o universo dos traços e pontos que desenham todos os gráficos verbais e não verbais de que trata em seu estudo. Embora tenha como ponto de partida tão ampla visão, os objetivos de seu livro são prudentemente limitados. Na página 6, o Autor nos diz que seu objetivo “é concentrar-se na essência da simples formação dos sinais e limitar-se somente a esse aspecto”. As três partes do livro explicam como se dá o reconhecimento e formação dos sinais, fala dos signos que registram a linguagem e de todos os outros que organizam a cultura da atualidade, os sinais, símbolos, logotipos e sinalização.
É em meio a estes últimos que aparece a Astrologia, em um capítulo denominado Os sinais das pseudociências e da magia. Nele encontramos outros quatro subcapítulos arranjados em paralelo: Os elementos, Os signos da astrologia, Os signos da alquimia e Sinais cabalísticos, mágicos, talismãs. Depois de uma introdução que procura conceituar símbolos, ele descreve o universo da astrologia em paralelo à alquimia, a cabala e outras áreas afins. Temos uma vizinhança familiar, que não diminui o mal-estar da qualificação de pseudociência, atribuída ao conjunto. Antes de verificar mais de perto tal qualificação, passemos por alguns aspectos do texto.
Signos e símbolos, um contraponto
O primeiro a nos interessar trata do que seja signo e símbolo. Mais de uma vez, ao longo do texto, o autor deixa clara a dificuldade de limitar o que significam tais termos. Segundo ele, a ambiguidade que os caracteriza pode ser explicada com um exemplo extraído da Astrologia: “os signos do zodíaco são designações de doze constelações, nas quais o Sol aparece ao longo do ano, a partir de um ponto de vista terrestre.” Quando usados sem associação com a data de nascimento de uma pessoa, “esses signos devem ser considerados como simples sinais que indicam a posição solar correspondente na constelação em certo período”. Ele ainda diz: quando “utilizados para fins de magia – por exemplo, para prever o futuro ou a escolha do cônjuge –, os signos zodiacais são elevados à categoria de símbolos, por serem considerados em relação a uma teoria”. (p.261 e seguintes)
Nesse exemplo, além de elaborar uma justificativa para o uso desses termos, o autor nos diz que o limite de significação entre eles se dá de acordo com um determinado contexto teórico. Cabe a pergunta: a relação com uma teoria, como ele diz, é fator relevante para o estabelecimento do que seja um símbolo? Ou ainda, a diferença entre signo e símbolo se sustenta a partir de uma teoria? Ao longo do texto, é muito frequente a colocação dos dois conceitos em contraponto, o que evidencia que, no trânsito entre eles, o autor necessita estabelecer um limite estrito. Levando-se em conta as funções da linguagem humana, não me parece possível estabelecer essa divisão de maneira tão didática. As palavras e seus significados nos escapam, mesmo quando pensamos tê-las capturado muito bem.
E podemos colocar mais uma dúvida em relação aos signos astrológicos. Dentro do conjunto de informações de nosso repertório astrológico teórico essa discriminação é possível? Podemos separar a dimensão simbólica do traçado das figuras e linhas que dão forma ao mapa natal? Nesse caso, parece muito difícil que a justificativa de Frutiger se sustente. E, nós astrólogos, lidamos o tempo todo com a dimensão simbólica da linguagem astrológica, que é composta de signos e sinais lidos e vivenciados como símbolos.
Mas, apesar da falta de dinâmica entre esses dois conceitos, o autor consegue observar no símbolo certa amplitude de significação. Na p. 203, ele se pergunta o que representam as pinturas rupestres e outras obras arquitetônicas, enfim, “as descobertas da Idade da Pedra até a pintura moderna”. Elabora sua reflexão a partir de que o “observador tem de supor um sentido oculto”. Continua assim: “Essa capacidade de representação muitas vezes indefinível também é designada pela expressão ‘conteúdo simbólico’. Esse elemento simbólico na imagem é um valor implícito, um intermediário entre a realidade reconhecível e o reino místico e invisível da religião, da filosofia e da magia, estendendo-se até o campo do inconsciente.”
Nessa citação, ele alarga o terreno do simbólico a níveis fora da “realidade reconhecível”, dando a imaginar uma aceitação até que positiva desses níveis. Em outros momentos de sua análise, porém, o símbolo aparecerá como uma grande dificuldade. O autor chega mesmo em determinado momento a abandonar a questão: na página 262, ele nos diz: “Deixemos /…/ o campo dos símbolos. Todas as ilustrações seguintes devem ser consideradas como signos individuais isolados e sem relação entre si /…/.”
Na verdade, nesse campo, as relações entre níveis de significado possíveis das palavras se mesclam à nossa revelia. Falar em signos e símbolos é entrar num campo de convergências e justaposições de significados. O nosso repertório de ideias é mobilizado espontaneamente sempre que utilizamos as palavras. Talvez eliminar o simbólico, como o autor deseja nessa citação, seja uma solução prática para resolver esse problema. E nos lembramos daquela frase popular nos dizendo que, com a água do banho jogada fora, vai também o bebê. Nessa atitude discriminatória ou nessa escolha pelo estudo dos signos apenas, muitos significados importantes são desconsiderados.
Sabemos que, nesse âmbito, a polêmica e as dificuldades teóricas são imensas. Frutiger também sabe disso. Talvez, desenvolver-se pelas teorias do significado e representação simbólica não coubesse dentro de seus desejos, embora as referências bibliográficas apresentem, entre outras, citações importantes desse campo de estudo, tais como Charles Peirce (Semiótica) e Jung (Psicanálise). Ele tinha informação suficiente para entrar nesse debate. Um meticuloso cuidado para não entrar nessa abordagem está presente o tempo todo no texto, demonstrando postura intencional e metódica de afastamento que é, acima de tudo, coerente com seus objetivos.
Porém, não querendo aprofundar a análise do que seja símbolo, estaria irremediavelmente longe do universo da astrologia. Infelizmente. Essa dificuldade conceitual compromete a compreensão do campo de conhecimento astrológico e também dos campos de conhecimento, como a cabala e a alquimia.
Sinais e Símbolos
Mesmo assim, Frutiger teve o cuidado de se informar a respeito da teoria astrológica. Mostra que entendeu como os signos se organizaram nas culturas da China, Índia, Egito e Babilônia, fala das constelações e das relações com a mitologia e como funciona o círculo da eclíptica. Conhece alguns de seus princípios básicos. Nada mal. Porém, ele para aí. E não avança por aquilo que é um importante diferencial de significação astrológica e que constitui seu fundamento. A questão é a dificuldade de avançar nos limites delicados dos símbolos, campo além da realidade reconhecível.
Essa dificuldade de compreensão essencial não é suficiente para esconder alguns sinais de inquietação de sua alma. Como se algo em sua visão do conjunto extrapolasse o cuidado intelectual e metodológico e, em sua reflexão, aparecesse uma perturbação da ordem. Uma inquietação que surge quando ele percebe a expansão no símbolo ou quando, ao observar as pinturas rupestres, imagina que até o mais inocente traço tem um sentido – leia-se função simbólica – na organização do caos em cosmos.
A compreensão do autor esteve muito perto de romper com as limitações de certo paradigma mental. Na verdade, ele esteve muito perto de se abrir para outro modelo de compreensão da astrologia e dos símbolos em geral e entrando assim para as hermenêuticas instaurativas em que o sentido do mundo passa sempre pela imaginação simbólica, de acordo com Gilbert Durand. [DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa: Arcádia, 1979.] Nessas maneiras de explicação de visão de mundo, o simbólico preenche de sentido toda a experiência humana. Pena não ter conseguido.
Astrologia, uma pseudociência
A inflexibilidade do pensamento do autor reflete-se também na separação entre o que é o campo científico e o pseudocientífico. O uso da palavra pseudocientífico indica que a disciplina em questão tem pretensão a ser ciência, mas não é. Na p. 266, ele nos diz: “o leitor deve sempre ter em mente que a astrologia não era uma ciência astronômica verdadeira e que a alquimia também não era um ramo da química ou da física, fundamentado cientificamente. Por essa razão, nós as intitulamos de pseudociências.”
O texto não esclarece qual é o critério para a classificação do que seja ciência “verdadeira”. Isso é implicitamente aceito. Há ciência e pseudociência, essas últimas, sim, necessitadas de explicação. Podemos concluir que o autor parte de um senso comum a respeito do assunto, que vale como critério e estabelece a linha divisória entre elas. A astrologia é pseudociência por não ser verdadeira ciência astronômica. Deu para entender? Você deveria já saber do que se constitui uma verdadeira ciência.
Além disso, o leitor também já deve ter em mente a diferenciação entre astronomia e astrologia. Embora não seja uma relação excludente e óbvia, ele desconhece as relações seculares entre a astronomia e a astrologia. Elas simplesmente passam ao largo, não existem, não contam como elemento de discussão. Frutiger não acessou informações importantes. Essa insuficiência se acrescenta à impossibilidade de o autor perceber os campos simbólicos da astrologia. Tudo isso nos dá uma compreensão linear do conhecimento astrológico. Apesar disso, pelo menos não percebemos em sua perspectiva certo ranço preconceituoso que se observa quando as pessoas em geral lidam com a astrologia.
De vazios e de significados
Mas, apesar dessa visão restrita, há um terceiro aspecto da abordagem do autor que nos interessa. Por exemplo, na p. 6, ele nos diz que “a superfície branca do papel /…/ é considerada ‘vazia’, como uma área inativa. Com o primeiro surgimento de um conjunto ou traço, a superfície vazia é ativada”. Essa ativação pressupõe uma atribuição de significado pelo leitor desse espaço e desse signo ou sinal, que ele não só indica, mas também interpreta.
Assim também, podemos perceber que o círculo do mapa astrológico é um espaço preenchido por linhas e figuras que adquirem um valor significativo. Esse valor é lido (quando se ative tal espaço) pelo astrólogo, atribuindo-se então, significados a esses campos, figuras e linhas. Nós conhecemos o processo pelo qual linhas e figuras passam do vazio ao nível do sentido. É ele que o astrólogo busca no caminho de sua formação profissional. Trata-se de um modelo de leitura de espaços que pode ser uma referência importante, para todos os astrólogos interessados no desenho dos mapas, cuja interpretação poderá ser enriquecida com tais indicações.
Nessa mesma linha de pensamento, Frutiger em outro trecho enfatiza a compreensão (p.33), de que os vazios e preenchimentos ganham significado com repercussões mentais e outras: “com a combinação dos sinais surge, além dos aspectos gráficos, uma impressão mental, filosófica e até ‘alquímica'”. E ele ainda continua na mesma página: “/…/ encontraremos muitas vezes esse aspecto do sinal que se transforma em linguagem por meio de alinhamento e composição.” O autor abre perspectivas de leitura a representações “até alquímicas” e compreende a presença de linguagens de composição na disposição de linhas e sinais no espaço branco do papel. Esse nível possível “alquímico” e essas linguagens organizadas tocam no terreno do simbólico. Apesar de lhe faltar uma imersão maior no campo dos significados, próprio ao mundo dos símbolos, ao longo do texto ele marca, como observamos nestas últimas citações, certa compreensão ou simpatia por tais assuntos.
De qualquer modo, nessa paradoxal postura metodológica, ele mescla abordagens rígidas e outras nem tanto. O autor talvez extravase algo a mais, além do que ele tinha em seus planos. Na verdade, parafraseando suas palavras do início do texto, há uma leitura possível de sinais que justificam a transformação do caos em cosmos. Sinais e símbolos podem instituir as linguagens e criam mundos. É pela possibilidade entreaberta de significação que qualquer sinal e/ou signo adquire valor e se transforma em experiência significativa de mundo e de vida. Frutiger sabe disso em linhas gerais, como uma essência, mas não chega a desenvolver mais largamente, como já observamos. E fica na porta de entrada apenas. Não dá o salto. Não ousa. Apenas conta a história. Sabe do caos e cosmos, mas fica de fora dessa narrativa, não entra como personagem.
Essa passagem do caos a se organizar em cosmos expressa uma concepção muito próxima daquela que a astrologia divulga acerca de um mundo ordenado e significativo. É pelo sentido que emprestamos aos sinais e linhas que tudo se organiza no mapa. É por isso que a leitura de mapa faz sentido para o nosso cliente. Tais representações refletem na experiência da pessoa e um movimento de ordem acontece, no mundo do simbólico.
Frutiger chegou perto dessa compreensão. Faltou-lhe a inclusão da força do símbolo como integradora de significado, o que poderia ter-lhe oferecido recursos para entender as pseudociências como participantes da cultura humana fora dos critérios por ele escolhidos. Foi discreto na emissão de suas opiniões, foi cuidadoso e seguiu um método. Talvez por isso, eu não tenha conseguido me separar de seu livro até que tivesse entendido essa inspiração que permeia algumas partes do texto, em que ele se permite chegar ao mundo da alquimia e das linguagens. É, com certeza, esse o mundo da astrologia. Ele não pôde perceber.
O livro é um completo levantamento de representações gráficas ao longo dos tempos na cultura humana, desde que o ser humano se pôs a desenhar as paredes de sua caverna. Ele marca algumas funções que tais representações têm como orientação e comunicação entre os indivíduos e como meios expressivos de culturas. Com visão técnica primorosa, oferece-nos uma exaustiva e completa descrição dos sinais. E se lhe falta um vôo mais alto, próprio ao que o mundo dos símbolos nos propicia, não nos escapa a presença de uma borbulha que sai do controle do autor, ou de que ele não se dá conta, aquela inquietação, talvez sintoma de sua alma. Ele nos convida à observação do mundo contemporâneo, deixando escapar nas entrelinhas a riqueza de sua visão de mundo.
Para finalizar, aí vão alguns dados de seu mapa. O Sol em conjunção com Urano em Áries é aspecto representativo de quem abriu caminhos em sua área, inovando sempre. A Lua em Touro em sextil com Mercúrio em conjunção com Vênus em Peixes podem indicar sensibilidade estética e interpretativa e uma especial capacidade de realização. Não podemos duvidar de sua criatividade e talento. E, sem dúvida, podemos aproveitar suas finas observações e análises de linhas e de sinais gráficos em relação à disposição de traços no espaço do mapa astrológico.