Experimente digitar “tarô” no formulário de buscas do Google: no meio da massa de sites comerciais que prometem revelações bombásticas sob a égide de anjos e bruxas, logo se destaca um espaço virtual com textos longos, bem elaborados e distantes do sensacionalismo habitual. O Clube do Tarô faz a diferença há dez anos. Por trás do fenômeno, está um estudioso discreto, nada midiático, que já fez um pouco de tudo na vida. Com a experiência de educador, astrólogo e pesquisador, Constantino Riemma vê com cautela o uso do tarô como prática preditiva. Nesta entrevista ao editor de Constelar, ele nos lembra que o objetivo das cartas não é antecipar o futuro, mas sim abrir um espaço para a compreensão do presente.
FERNANDO – Apesar de manter e coordenar um dos sites com maior acervo de textos especializados em língua portuguesa, nele você fala muito pouco de você mesmo.
CONSTANTINO – O site Clube do Tarô surgiu como uma decorrência de trocas de experiências. Em 2005, organizei uma “Jornada com os Arcanos Maiores”, um programa que se estendeu por todas as segundas-feiras, durante o segundo semestre de 2005 até fevereiro de 2006. O propósito era o de mais uma vez transpor os conceitos esquemáticos que rondam as cartas do tarô e oferecer oportunidade para uma abordagem multidisciplinar, reunindo estudiosos de diferentes áreas de conhecimento e linhas de interpretação dos símbolos das cartas. A prática mostrou que havia uma grande animação dos expositores por essas oportunidades de encontro e partilha de experiências.
Muitos palestrantes dessa Jornada elaboraram textos sobre os temas que apresentaram. O que fazer com esses registros? Resolvi, então, montar o site e dediquei-me à compilação de dados introdutórios sobre os diferentes assuntos. E o site, dado o seu espírito de inclusão, não parou de crescer com a colaboração de inúmeros autores que juntaram à proposta.
Aliás, posso mencionar um “viés” no meu perfil astrológico: tenho Sol, Vênus e Mercúrio em Libra, na casa III. Acredito que seja essa a razão para, desde que me dou por gente, de preferir a comunicação partilhada. Embora Saturno em Áries me cobre rigor e pontualidade, procurei criar um espaço de acolhimento das diferentes posições. Aliás, esse espírito de criar um espaço amigável me levou a escolher o nome Clube do Tarô e não Universidade ou Academia do Tarô.
FERNANDO – Como é sua prática profissional? Como você concilia tarô, astrologia e outras técnicas?
CONSTANTINO – Minha linha de trabalho é de diagnóstico de situação e de aconselhamento dos rumos a tomar. É coerente com a minha formação pedagógica e com o exercício profissional de mais de 20 anos em instituição de formação profissional, o Senac.
O I Ching foi a primeira surpresa com linguagem simbólica, quando estava com mais de 30 anos: tirou-me de um ceticismo crônico e me abriu o interesse pelo saber ancestral. O mais importante para mim, naquele momento, era que o I Ching funcionava de modo impressionante, apesar de não ter qualquer fundamento na ciência oficial, no racionalismo contemporâneo. Pouco depois entrei em contato com os ensinamentos de Gurdjieff.
Foi apenas por volta dos quarenta, quando estava preocupado com a cirurgia de um filho, que conheci o Valdenir Benedetti e passei a confiar na Astrologia. A seguir, num pequeno grupo de amigos, fizemos a formação astrológica com a Lydia Vainer. E rodei pelo que havia disponível em São Paulo nos anos 80 e 90. Comecei a atender em parceria com a minha comadre, Yara Fleury, numa experiência prática que se estendeu por mais de dois anos. Atender em dupla traz a grande vantagem de permanecermos abertos a significados e nuances que só os olhares complementares podem oferecer.
Não era necessário para mim nada além da Astrologia – para obter a “radiografia celeste” da pessoa e do seu momento – e do I Ching, o Livro de Sabedoria – caso o cenário de prognóstico e de rumos a tomar permanecessem vagos.
O Tarô chegou por último, quando me dei conta da extensão simbólica que podia ser tocada com os 22 trunfos ou arcanos maiores. Mas a aplicação prática do tarô em atendimentos parecia uma tarefa intransponível, pois o repertório de significados e os estilos de aplicação eram e continuam a ser os mais díspares possíveis, num cenário contraditório e ambíguo, uma verdadeira “casa da Mãe Joana”. Apenas com o estudo da obra de Sallie Nichols e Valentim Tomberg ganhei confiança na consistência simbólica dos arcanos. Esse autores, porém, não dão a menor atenção às possíveis aplicações dos símbolos em tiragens práticas para diagnósticos ou prognósticos.
Assim, quando me arrisquei a utilizar o tarô em consultas, a leitura das cartas era feita (e continua assim) somente após o término da consulta do mapa astral e dos trânsitos, quando após interação com o cliente nada mais havia para ser “revelado”. Utilizar as cartas de modo leve, após uma consulta astrológica criteriosa, tira dessa prática todo o peso de adivinhação sombria, de manobras rituais, comprometimentos astrais muito comuns em certas linhas de cartomancia.
Incluir as cartas nessa disposição complementar, num cenário já percorrido, foi uma grande abertura e um exercício inspirador. Estimulou uma síntese entre o saber astrológico, a simbologia dos arcanos do tarô e as disposições essenciais do cliente. Ou seja, a minha compreensão atual das cartas foi construída com o conteúdo oferecido pelo estudiosos, pelas referências astrológicas e pela tradução prática que a vida do cliente oferece.
FERNANDO – Além de trabalhar com consultoria, cursos e produção de textos, que outras atividades já fizeram parte de sua trajetória?
CONSTANTINO – Tive experiências bem diversificadas. Meu primeiro emprego foi de repórter esportivo, no final dos anos 50, no extinto jornal O Esporte, concorrente da Gazeta Esportiva. Trabalhei depois, durante o curso universitário, na área de controle de material na também extinta tecelagem CTI, em Taubaté, e na GM de São José dos Campos. Minha carreira no magistério foi interrompida no golpe de 64, quando, na condição de presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia de Taubaté, fui preso. Mas, pouco depois recebi o convite para trabalhar no Senac, onde permaneci por mais de 20 anos. Apenas deixei esse emprego para me aventurar no atendimento astrológico e, complementarmente, em práticas inspiradas pelo Patrick Paul e outros esotéricos, terapeutas alternativos. Mantinha uma programação bem variada de cursos, inclusive de técnicas astrológicas: gostava muito de promover cursos “biográficos” reunindo grupos de estudo para examinar os trânsitos de toda a história de vida de cada participante.
Nesse meio tempo, voltei ao “mundo real” na área de pesquisa qualitativa, que foi uma excelente oportunidade para me dar conta disposições dos diferentes grupos sociais e das forças modeladoras do consumo e dos valores que dão rumo à nossa atualidade.
Nos últimos anos tenho me limitado aos atendimentos pessoais e alguns cursos de Tarô, Astrologia e I Ching. Mas quando aparece algum tema, com o historiador e astrólogo Rui Sá Silva Barros, temos encarado a promoção de encontros. No momento, estamos pensando em retomar a questão dos grandes ciclos cósmicos e do período do Kali Yuga em que estamos todos mergulhados.
FERNANDO – Uma vez você associou, numa conversa informal, sua origem árabe ao envolvimento com as leituras simbólicas. O que tem uma coisa a ver com a outra? Algumas culturas são mais abertas do que outras às atividades de consultoria mediante a interpretação de símbolos?
CONSTANTINO – O meu avô materno era árabe cristão, minha mãe uma católica praticante, marcada por forte sentido ético e social, porém nada inclinada às práticas que fugiam da ortodoxia, como é o caso de mancias, adivinhações, ou que pudessem ser consideradas superstições. O que guardo de boa herança do meu avô José Kairalla é que ele amava jogar baralho, como é muito comum entre os árabes, e sempre que aparecia um neto em sua casa ele convidada para jogos. Proclamava em alto e bom tom que jogar baralho era bom para desenvolver a inteligência! Devo a ele olhar o baralho com sentido lúdico e criativo.
A teatralização das mancias
FERNANDO – O primeiro adjetivo que normalmente se atribui a astrólogos, tarólogos e praticantes de técnicas afins é o de “místico” ou “esotérico” – normalmente, em tom pejorativo. Contudo, a leitura dos seus artigos revela uma argumentação absolutamente racional e com diversas referências eruditas.
CONSTANTINO – De um modo geral, a prática profissional do astrólogo se passa, digamos assim, num cenário natural e com apoio em referências práticas, racionais, partilhadas com a astronomia. Astrólogos e astrônomos falam de um mesmo quadro celeste: os primeiros fazem uma leitura técnica, científica, enquanto os astrólogos realizam uma tradução simbólica do mesmo cenário. Essa abordagem simbólica tem, além disso, o respaldo extra de textos e autores milenares, que registraram e transmitiram seus conhecimentos teóricos e operativos.
Se o astrólogo estudou suficientemente os fundamentos da astrologia e aprendeu com quem tem a experiência devida para aplicar os símbolos às situações particulares, pessoais ou coletivas, ele estará conjugando de modo natural a razão-erudição com a intuição.
Como para ler mapas precisamos estudar bastante e validar na prática nossas habilidades de interpretar símbolos, na hora do atendimento não precisamos teatralizar nossa presença com véus, turbantes ou nomes inusitados.
Na área do tarô a preparação se passa de formas muito diferentes. Em primeiro lugar, o jogo de cartas tem pouco mais de 500 anos de presença na Europa e sua aplicação mântica apenas foi registrada e passou a ser divulgada nos últimos duzentos e tantos anos. A literatura a respeito é ainda mais contraditória e ambígua que se poderia imaginar à primeira vista, pois os códigos de interpretação das cartas tem um cunho subjetivo, marcadamente pessoal, especialmente na área dos chamados sensitivos, intuitivos ou médiuns.
No caso dos sensitivos, o baralho constitui um mero apoio material, como é o caso de um copo d’agua, de uma pedra de cristal, pêndulo, borra de café no fundo da xícara e assim por diante. As pessoas com dons dessa natureza não aprendem sua arte em livros ou cursos, pois o suporte para isso não é racional. A cartomancia popular era transmitida pelas mulheres mais velhas das comunidades – avós, tias, benzedeiras, parteiras – de modo prático, na convivência diária, de acordo com os códigos pessoais que seus talentos estabeleceram.
Essas práticas legitimamente sustentadas no contexto sociocultural, e que ainda existem em algumas regiões deste imenso Brasil, sofreram uma forte teatralização quando, após a revogação da proibição legal da cartomancia, a atividade passou a ser explorada comercialmente sem qualquer restrição. Nos dias atuais, autopromoção, a utilização de títulos e atributos mágicos, as promessas operacionais, chegam em muitos casos ao nível da propaganda enganosa. Em síntese, observo no cenário coletivo uma grande confusão do estudo real da simbologia com “esoterismos”, “misticismos”, “magias holísticas”, num desacerto muito mais complicado na área do tarô do que na astrologia.
Mas para tentar responder mais diretamente à sua questão, acredito que a maior parte dos dons e das artes humanas estão convidadas a integrar diferentes níveis de conhecimento, o racional, o sensível, o prático e, principalmente, os ensinamentos tradicionais independentemente das formas exteriores e religiosas que assumem. Os astrônomos da Idade de Ouro podem servir de exemplo nesse sentido: esquadrinhavam os céus como os astrônomos universitários modernos e, além disso, desenvolviam aplicações práticas importantes na previsão do tempo e do ciclo das águas, dos momentos oportunos para semear e para colher. E, não bastasse, tinham um papel importante no estudo dos horóscopos reais e nos aconselhamentos estratégicos voltados ao bem comum. E de onde obtinham tal saber? Simplesmente pela contemplação dos mistérios celestes, com apoio de seus velhos mestres. Ah, tempos invejáveis, não é mesmo?!
FERNANDO – Na sua percepção, o que tem mais público hoje? Artigos técnicos sobre astrologia (com análise detalhada de mapas, por exemplo), ou ensaios sobre tarô, com demonstrações passo a passo sobre como abordar uma determinada situação?
CONSTANTINO – Não tenho referências sobre sites de astrologia para comparar com o quadro que se apresenta no Clube do Tarô.
No plano do consumo coletivo, vejo que os sites “esotéricos”, as revistas femininas e os jornais, tratam mais amplamente dos recados inspirados na astrologia. Esse quadro é culturalmente compreensível pela natureza das duas linguagens: a astrologia oferece quadros celestes bem definidos e já apareciam em jornais e revistas, há décadas, mesmo no tempo em que as práticas adivinhatórias eram legalmente proibidas.
FERNANDO – O Clube do Tarô virou uma referência de seriedade e profundidade na área de leituras simbólicas a artes divinatórias. Quanto de seu tempo você precisa dedicar para manter o site sempre atualizado?
CONSTANTINO – Como ainda não criei, até o momento, procedimentos para investir no retorno financeiro e ter como contratar funcionários administrativos – que cuidariam da atualização do site, das solicitações dos tarólogos e do público em geral, – todo tempo que tenho disponível volta-se para o site, ou seja, de 6 a 10 horas diárias aproximadamente.
Trabalho é o que não falta e as demandas são crescentes. Estou, por isso, pensando em criar um portal de atendimento online, seguindo as tendências de mercado, obtendo assim recursos para dar ao site um perfil mais dinâmico e interativo. Vamos ver se agora, em 2015, quando site completa 10 anos, as circunstâncias favorecerão esse segundo passo.
FERNANDO – Você tem uma ideia clara do perfil do público do Clube do Tarô? Já fez alguma segmentação para identificar a faixa de idade, o nível de instrução e a distribuição por gênero que predominam entre os leitores do site?
CONSTANTINO – As informações de que disponho sobre o momento no site do Clube do Tarô são as genéricas oferecidas pela empresa de hospedagem do site. As estatísticas de janeiro deste ano indicaram 259.958 sessões, ou seja, a média de 8.385 visitas por dia. A média do tempo de permanência no site é de 6min e 59seg por visita, o que tenho como um dado animador, pois perto de 1/3 dos acessos é para a Mensagem do Dia e consultas.
FERNANDO – Entre os estudantes de astrologia, há aproximadamente 70% de mulheres para 30% de homens. Já entre os que se profissionalizam, os homens representam um percentual um pouco maior, em torno de 40%. Algumas áreas são quase monopólio masculino, como Astrologia Financeira. O tarô, por outro lado, parece atrair um público muito mais consistentemente feminino. Por quê? Você não se sente um peixe fora d’água?
CONSTANTINO – Acredito que o perfil dos profissionais de astrologia e de tarô guardem uma relativa correspondência. No caso das cartas, porém, o porcentual feminino poderia ser muito maior, pois na história cultural brasileira a cartomancia sempre esteve associada às mulheres. À medida que a imagem pública migrou de “cartomante” para “tarólogo” associado ao estudo de conteúdo e de teorias, a presença masculina cresceu relativamente.
Fiz uma contagem no Guia de Tarólogos, para responder a você. Por exemplo, dos 215 nomes relacionados à São Paulo – Capital e Interior – 152 são de mulheres e 63 de homens, ou seja 71% mulheres e 29% homens. Bateu com a sua referência astrológica!
FERNANDO – Às vezes você atualiza o site com seis ou mais artigos novos de uma vez, e de autores diferentes. Como você tem conseguido reunir e manter um grupo de colaboradores tão prolífico?
CONSTANTINO – Na verdade, a atualização é gradativa, na medida do tempo que tenho disponível para editorar, e sempre existem artigos na agenda de inclusões. O que sai com lotes de 4 ou 6 citações é o Boletim de Novidades, que encaminho uma ou duas vezes por mês.
Acredito que o fato de o site Clube do Tarô ter se constituído como um espaço aberto e relativamente flexível para a inclusão de diferentes pontos de vista, este tenha sido um traço estimulador para as colaborações.
Como o tema “tarô” é muito mais controverso do que “astrologia”, são muito frequentes os artigos defendendo pontos de vista específicos, posturas. Além dessa motivação para dar recados de conteúdo, são muito comuns os textos de abordagem de conteúdos simbólicos e práticos, como oportunidade de o autor dar-se a conhecer e interagir com o público e demais profissionais.
Cá entre nós, não vejo a hora de dispor de recursos para manter ao menos um funcionário para ajudar a manter os aspectos formais do site, deixar a agenda de inclusões de artigos sem pendências, para poder estimular painéis de debates sobre diferentes ângulos que envolvem as linguagens simbólicas e suas aplicações em atendimentos. São temas inesgotáveis e que sempre podem ser aprofundados.
Mariana diz
É uma pena que, quando fui me consultar com ele, descobri que ele cobrava por hora, prática que é ultrapassada e, no fim, com ele falando por quase três horas, a consulta ficou caríssima e não foi muito proveitosa para mim. Acredito que alguns astrólogos tem um perfil mais adequado para serem palestrantes, autores, professores, etc.
Redação Constelar diz
Esta é uma opção individual de cada astrólogo, Mariana. Em pesquisa que fizemos através do SINARJ, constatamos que a cobrança por serviço é predominante no Brasil, abrangendo quase 70% dos astrólogos profissionais. Os que cobram por tempo constituem um grupo nada desprezível de 30% do total. Não é uma prática ultrapassada, mas apenas minoritária.
Claudete M S Greiner diz
Consta é um grande mestre. Consegue revelar o melhor tanto do objeto de estudo como do estudante.
Divani diz
Sempre muito bom ouvir as ponderações inteligentes do Consta. Fico contente de conhecer mais sobre ele, sua trajetória e o que anda fazendo atualmente, Nota 10 para Fernando Fernadse e prá Constelar ao entrevista-lo. Abraços!
Nádia Oliveira diz
Delicia de entrevista Fernando, parabéns a ambos. Realmente eu já havia percebido esta questão de um número bastante significativo de homens atuando como profissionais na Astrologia. 🙂