José Murilo de Carvalho, professor titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Caderno Mais da Folha de S. Paulo de 26.12.1999, transcreve explicações dadas por Pedro Américo sobre as razões que o levaram a retratar no quadro O Grito do Ipiranga imagens que sabia não serem concordantes com a realidade dos fatos acontecidos naquela tarde de 7 de setembro de 1822, às margens do córrego do Ipiranga, quando dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil.
Desse artigo, intitulado Os esplendores da imortalidade:
Um pintor de história deve restaurar com a linguagem da arte um acontecimento que não presenciou e que “todos desejam contemplar revestido dos esplendores da imortalidade”. Assim escreveu Pedro Américo em texto explicativo sobre o quadro conhecido como “0 Grito do Ipiranga”, completado em Florença em 1888 por encomenda da comissão de construção do monumento do Ipiranga. A tela tornou-se ícone nacional, representação maior da Independência. 0 texto descreve o grande cuidado do pintor em reproduzir de maneira exata o acontecimento. Leu, pesquisou, entrevistou testemunhas oculares, visitou o local. No entanto, por razões estéticas, teria sido obrigado a fazer mudanças nas personagens e no cenário a fim de produzir os esplendores de imortalidade.
De início, Dom Pedro não podia montar a besta gateada de que falam as testemunhas. 0 pedestre animal, apesar de ter arcado com o peso imperial, teve o desgosto de se ver substituído no quadro pela nobreza de um cavalo. Com maior razão, prossegue o pintor, o augusto moço não podia ser representado com os traços fisionômicos de quem sofria as incômodas cólicas de uma diarreia. Como se sabe, a diarreia fora o motivo da parada da comitiva às margens do Ipiranga (um irreverente poderia acusar dom Pedro de ter iniciado a poluição do desditoso riacho).
Ocasião de gala – 0 uniforme da guarda de honra também foi alterado. A ocasião merecia traje de gala, em vez do uniforme “pequeno”. Finalmente, o Ipiranga teve que ser desviado de seu curso para facilitar a composição do quadro(*). 0 carreiro com seu carro de bois, segundo o pintor, entrou em cena para dar cor local, retratar a placidez usual daquelas paragens, perturbada pelo acontecimento. Não aceitou a sugestão de obter o mesmo efeito com uma tropa de asnos, bicho que definitivamente desprezava. O que não impediu que seu carreiro fosse mais tarde objeto da mordacidade de Eduardo Prado, que nele viu o símbolo do povo brasileiro assistindo espantado à cena insólita.
Mas é possível que O Grito tenha mais um componente netuniano, conforme pode-se depreender da continuação do texto do professor Carvalho.
Um Pedro I ao estilo de Napoleão
O que Pedro Américo não conta é que seu quadro lembra a tela “1807, Friedland”, de Ernest Meissonier, talvez para não reavivar acusação anterior de ter plagiado a “Batalha de Montebelo”, de Appiani, em sua “Batalha de Avaí”. 0 quadro de Meissonier, pintado em 1875, refere-se à batalha de Friedland, vencida por Napoleão em 1807.
A semelhança na composição dos quadros é muito grande. Em ambos, a figura central, D. Pedro e Napoleão, é colocada sobre uma elevação do terreno, cercada por seus estados-maiores. Ao seu redor, em movimento circular, soldados entusiasmados saúdam com as espadas desembainhadas. A dinâmica das figuras nos dois quadros aponta para o centro ocupado pelo príncipe e pelo imperador. Sobressai em primeiro plano o movimento dos cavalos, cujo desenho exato era obsessão de Meissonier. Nos dois casos, finalmente, nenhuma ambiguidade quanto ao objetivo dos pintores: a exaltação do herói guerreiro.
Pedro Américo também não menciona em seu texto outro quadro sobre o mesmo tema da Independência, executado em 1844, a pedido do Senado imperial, por François-René Moreaux, um pintor francês então residente no Rio. Não se sabe se conhecia o quadro de Moreaux, sem dúvida inferior ao seu em qualidade.
(*) Nota que não consta do texto do jornal – Das margens do riacho Ipiranga, junto ao Monumento, olhando para a elevação de onde foi proclamada a Independência, vê-se acima, à esquerda, uma casa da época, ainda existente. Logo após esse lugar o riacho deflete para a esquerda, caminhando para desaguar no Tamanduateí, por uma várzea. Em O Grito essa casa está à direita. Visão como essa do quadro somente seria possível se a Independência tivesse sido proclamada na várzea, e não na colina, ou se o córrego defletisse para a direita. Neste caso, além de o Monumento ter sido construído em local errado, o riacho estaria caminhando morro acima.
O mapa do pintor Pedro Américo
Pedro Américo de Figueiredo e Melo nasceu em Areia, Estado da Paraíba, no dia 29 de abril de 1843. Com apoio de Dom Pedro II foi estudar Ciências Naturais em Bruxelas, onde depois lecionou Arqueologia, como professor adjunto da Universidade dessa cidade. É considerado o maior pintor histórico brasileiro. Morreu em Florença, na Itália, no dia 7 de outubro de 1905. Essas datas constam do Dicionário Brasileiro de Datas Históricas – organizado por José Teixeira de Oliveira, 2ª edição, 1950 – Departamento de Imprensa Nacional, Rio de Janeiro.
Nesse livro o local do nascimento é grafado como sendo Areias – município que não existe nesse Estado. Existe Areia, 06º57’48”S e 35º41’30″W, instituído em 1815, e outro com nome parecido, Areial, criado em 1961.
Essa figura, embora construída para 12h LMT de Areia, apresenta concordâncias interessantes com o trabalho de Pedro Américo, em particular com O Grito, seu quadro mais famoso, e que o tornou famoso.
- Vênus (arte) regendo o Meio do Céu, dispondo do Sol, da Lua e de Mercúrio, concorda com a importância do pintor e desse quadro. O Sol regendo a I – centro de atenções; a Lua regendo a XII – emoção, ilusão, restrição, popularidade; Mercúrio regendo a II e a XI – ganhos, projetos, amigos.
- Vênus na VIII (transformações) também rege a III, casa dos congêneres, das cópias e das reproduções.
- Marte em Sagitário (os cavalos), na V (criações heroicas, guerreiras), regendo a IX (político, distante), está em sextil com Netuno (regente da VIII) e com Júpiter, seu dispositor. Netuno e Júpiter estão na VII (casa das associações e dos inimigos declarados, das lutas e dos combates).
- Marte, dispondo de Plutão, forma um trígono fechado com esse planeta, na IX, concordando com a força política de quadros que pintou, retratando batalhas, vitórias e mortes. Plutão rege a IV – a pátria.
- Saturno, em Capricórnio, na VI, está em sextil com Vênus (em Peixes) e com Urano (em Áries), e em quadratura com Plutão. São configurações que permitem vinculações com a permanência de seu trabalho, de suas criações artísticas, assim como com questões estruturais envolvendo algumas dessas composições.
A arqueologia, disciplina que lecionou na Universidade de Bruxelas, também pode ser associada a essa posição de Saturno na VI, ou regendo essa casa – trabalho com coisas velhas, petrificadas.
Pedro Américo morreu com 62 anos, 5 meses e 8 dias de idade. Isso corresponde a 62º26’ para efeito de direções simbólicas (1º/ano). Marte, mais esse ângulo, passa para 23º54’ de Aquário, ficando sobre Júpiter do nascimento (24º02’ desse signo). Plutão, significador geral da morte, regente da IV (o fim), planeta da IX (a morte no estrangeiro), passa, dirigido, para 24º16’ de Gêmeos, ficando em trígono com essa posição de Júpiter (a morte teria sido um alívio para as condições de saúde do pintor?).
Júpiter é o corregente da VIII e está próximo de sua cúspide. Mas essas direções talvez fossem mais significativas da morte se Júpiter estivesse mais próximo da cúspide da VIII, atuando sobre ela. Para que isso ocorra, o nascimento deve ter ocorrido um pouco antes do meio-dia, talvez 22 minutos antes. Nesse caso o Ascendente fica no final de Câncer, alterando pouca coisa a leitura astrológica anterior, já que a Lua, agora regente do Ascendente, está junto do Sol, continuando a reger grande parte da I. Nesse caso, Vênus e Urano passam para a cúspide da IX – o distante, o estrangeiro, onde viveu, trabalhou e morreu o insigne artista.
Imagens Simbólicas (Volosfera e Calendário Tebaico) do grau do Ascendente:
- Câncer 27 – Um homem passa o bridão em seu cavalo, e uma novilha pende docemente sua cabeça para a mulher que a conduz.
- ou – Um cavalo arreado, imóvel.
Mais uma verificação
Pedro Américo terminou O Grito do Ipiranga em 1888. No dia 7 de setembro desse ano, Marte, planeta da V e regente da IX (a criação heroica, distante), mais Júpiter (grandiosidade), regente dessa casa V, transitavam juntos no final de Escorpião, na cúspide da V, em trígono com Vênus e Urano, na cúspide da IX. Marte e Júpiter estavam próximos do Meio Céu da carta da Independência (figura seguinte), em trígono com Plutão, dispositor desses planetas.
A seguir estão duas figuras. A primeira é a carta da Independência do Brasil, cujo instante Pedro Américo procurou retratar em O Grito do Ipiranga, com seus componentes revestidos dos esplendores da imortalidade. A outra mostra as posições planetárias existentes no dia da morte de Pedro Américo, às 12h LMT, em Florença.
Coordenadas do Riacho Ipiranga, junto ao Monumento da Independência: 23°34’86”S 046°36’58”W
Júpiter, possível significador da morte para Pedro Américo, a 6º16’ de Gêmeos, transitava sobre Júpiter e a Lua, na IV (o fim) da figura da Independência.
Saturno transitava no Descendente da carta especulativa de Pedro Américo – o Descendente é o local onde os astros se põem, onde morrem. Júpiter, por ser corregente de Peixes (signo que está inteiro na VIII), tem reforçadas suas condições de significador da morte do artista.
Saturno, a 26º40’ de Aquário, transitava no Ascendente da carta do Brasil.
Plutão, significador geral da morte, a 22º42’ de Gêmeos, transitava em quadratura com Mercúrio, regente e astro da cúspide da VIII da figura da Independência.
Mercúrio também rege a V do Brasil – concordando com a morte do filho ilustre.