Roberto Gomez Bolaños, o gênio criador de Chaves e do Chapolin Colorado, nasceu no dia 21 de fevereiro de 1929, hora não conhecida, na cidade do México. Filho de uma secretária bilíngue e de um caricaturista, sobrinho de um ex-presidente mexicano, engenheiro que nunca exerceu a profissão, desde muito cedo construiu uma vida profissional no rádio e na TV, como roteirista e criador de personagens. Sua prodigiosa capacidade de escrever rendeu-lhe o apelido de Chespirito (pequeno Shakespeare). Começou a atuar depois dos trinta anos, mas a produção de roteiros continuou sendo sua atividade principal – a que lhe ocupava mais tempo e dava mais prazer. Aos 42 anos cria o Chavo del Ocho (Chaves, no Brasil) e o Chapulín Colorado (o Gafanhoto Vermelho, chamado no Brasil de Chapolin). A partir daí transforma-se num sucesso absoluto. Ao longo da década de 1970, o México parava toda segunda-feira para assisti-lo, fenômeno que depois se repetiria em toda a América Latina, Estados Unidos e Espanha.
A carta solar de Bolaños mostra um Sol no início de Peixes em oposição a Netuno exaltado no final de Leão. A triplicidade do Fogo é forte nesta carta, com Vênus em Áries e Lua em Leão, além de três planetas geracionais neste elemento. Há uma vaga possibilidade de que a Lua esteja em Câncer, caso o nascimento tenha ocorrido antes das 2h41 da madrugada. Contudo, a veia circense deste comediante, seu gosto pelo palco e o envolvimento com o mundo infantil, tudo reforça a hipótese da Lua leonina. Basta observar a figura do Chapolin Colorado…
O aspecto Sol-Netuno dava a Bolaños uma enorme capacidade de transfiguração da realidade: o cotidiano da baixa classe média mexicana se transforma na matéria-prima de onde surgirá a vila do Chaves, lugar atemporal e universal com o qual latinos de todo o continente podem identificar-se. Na oposição de Marte em Gêmeos a Saturno em Sagitário vemos a esperteza do mais fraco (Chaves) a desafiar o poder dos mais ricos, enquanto a improvisação mexicana confronta a supremacia da potência dominante (Chapolin Colorado é uma clara provocação aos super-heróis americanos). Sob a aparência de comédia pastelão, Chaves e Chapolin carregam uma mensagem política. Neles, a América Latina resiste sempre, enfrentando com otimismo a miséria e a falta de perspectivas. Neste sentido, os personagens de Bolaños – especialmente os da vila de Chaves – são sobreviventes.
O mapa da estreia do programa El Chavo Del Ocho, maior sucesso da carreira de Chespirito, interage com o mapa de seu criador de maneira bastante reveladora. A primeira transmissão acontece em 20 de junho de 1971, com um stellium de cinco planetas em Gêmeos (bem adequado para o próprio personagem Chaves, como veremos a seguir). Contudo, a configuração mais importante daquele dia – e de meados de 1971, num sentido mais amplo – foi a oposição Saturno-Netuno no primeiro grau de Gêmeos-Sagitário. É um aspecto que remete a um ciclo de grande relevância em Astrologia Mundial, por suas muitas implicações. E não é que Saturno e Netuno em trânsito fechavam uma grande quadratura com Sol e Netuno do mapa natal de Chespirito?
Para muita gente, este trânsito pode ter efeito tremendamente depressivo, trazendo um sentimento de pessimismo e menos valia. Saturno e Netuno juntos criam uma interação “sem pique”, onde falta o impulso decisivo para enfrentar e reverter situações críticas. Lembram a solidão de um altiplano andino batido pelo vento, ou pedaços de gelo flutuando sobre o Oceano Ártico.
O ciclo Saturno-Netuno é de crucial importância para a compreensão da História da América Latina. Basta lembrar da independência das antigas colônias ibéricas, um longo processo político e militar que se estendeu de 1808 a 1826 e afetou todas as regiões entre a Patagônia e o México, dando origem a duas dezenas de novos Estados. A primeira fase deste processo ocorre entre 1808 e 1811, enquanto a conjunção Saturno-Netuno em Sagitário esteve atuante. Neste período, a família real portuguesa foge para o Brasil, transformando o Rio de Janeiro, de facto, na capital de um império ultramarino; no Alto Peru (atual Bolívia), as juntas de Chuquisaca e La Paz iniciam o processo de autonomia; Venezuela, Colômbia, Equador, Uruguai, Paraguai, Chile, México e a Província de Buenos Aires proclamam sua independência. Após a queda de Napoleão na Europa, a Espanha tenta reconquistar as antigas colônias, e várias dessas tentativas de libertação acabam reprimidas de forma sangrenta. Para vários países a independência teve de ser adiada, Contudo, é fora de dúvida que todo esse despertar continental ocorreu sob a faixa de atuação da conjunção Saturno-Netuno, exata em 1809.
Saturno, o senhor da escassez, e Netuno, o significador das utopias inalcançáveis, uniram-se naquele momento para determinar a tônica da trajetória latino-americana pelos dois séculos subsequentes: a condição de subalternidade diante das grandes potências mundiais, a dívida externa impagável, a corrupção política, as desigualdades sociais, as tentativas de transformação social sempre sufocadas com sangue. Saturno e Netuno expressam, entre outros significados, as estratégias de sobrevivência adotadas por aqueles que estão ao desamparo diante de um mundo hostil.
Roberto Gomez Bolaños, o Chespirito, já nascera com um contato entre Saturno e Netuno na carta natal. No momento em que estes mesmos planetas afetaram seu Sol num trânsito desafiador, decidiu vivê-los não apenas num nível pessoal, mas como canal da cultura e da história de todo o continente. A vila do Chaves é microcosmo e síntese das periferias latino-americanas. Talvez por isso o personagem preferido de Bolaños (e também do público) não seja o próprio Chaves, mas Seu Madruga, o desempregado eterno, o devedor crônico, o perdedor arquetípico. Mas este já é assunto para o capítulo seguinte.