“Será que esta hora está certa?” Esta é uma pergunta que todos nós, astrólogos, deveríamos nos fazer antes de começar a leitura de um mapa. Muitas vezes, porém, nos esquecemos. Vemos com frequência nossos clientes referirem-se a mapas levantados sem questionamento com base nas vagas lembranças da mãe ou de outro membro da família – vagas, algumas vezes; há casos em que a “titia tem certeza de que foi às seis”. Já ouvi também: “disseram que meu Ascendente é entre Áries e Touro”. Como assim? O que será que isto quer dizer? Talvez fosse mais eficaz expressar sinceramente uma dúvida a respeito da real localização desse ponto tão crucial (literalmente, pois é parte da “cruz”): “o seu Ascendente pode ser Áries ou Touro – não tenho certeza, precisamos checar”.
O que pode gerar mais problemas, entretanto, é aceitar sem verificação o fato de que este ponto situa-se no grau X do signo B e basear toda a leitura em dados que podem não ser corretos.
A importância da hora certa
Em linhas gerais, o trabalho do astrólogo divide-se entre duas atividades principais. A primeira delas é a leitura do mapa natal. Não é considerada, aqui, a linha do tempo. A segunda atividade é a descrição das principais interveniências durante uma certa parcela da vida (um ano, por exemplo): consideram-se épocas e períodos de duração. Trabalha-se em cima de uma linha de tempo.
Veremos a seguir os problemas que podem surgir, em cada uma dessas duas modalidades de trabalho, durante um atendimento feito com base em um mapa levantado para uma hora imprecisa.
Trabalhando sobre o mapa natal
Já falamos um pouco sobre as dúvidas a respeito do signo em que se localiza o Ascendente. Não é necessário comentar sobre a importância desse ponto. Quanto ao destaque a ser dado a seu regente, lembremo-nos de que não é sem razão que o vemos ser denominado “o governador do tema”. Todos sabemos que o signo e a casa em que ele está são dados a que não podemos deixar de referir-nos: são áreas centrais de expressão daquela personalidade. Os aspectos que esse planeta recebe são análogos aos aspectos ao próprio Ascendente.
Tomemos o exemplo acima, o do Ascendente Áries ou Touro. O regente seria, portanto, Marte ou Vênus. Como significado intrínseco, desnecessário comentar. Quanto a sua localização, estes planetas estão, geralmente, em casas e signos diferentes, recebendo aspectos também diferentes. Temos, assim, duas opções bem delineadas, e muito diversas. Qual das duas será a válida? Podemos descrevê-las e perguntar à pessoa com qual das duas se identifica mais, sem ter, porém, garantia quanto aos resultados, como veremos adiante.
Se a dúvida, nesses casos, ficar em torno da cúspide de um signo, ao “movermos” arbitrariamente o Ascendente para lá ou para cá (adiantando ou atrasando, assim, em alguns minutos a hora de nascimento), estaremos, provavelmente, “movendo” os signos nas cúspides das demais casas. Qual o regente do Meio-do-Céu, então? O do Descendente e o do Fundo-do-Céu? Isto sem falar nas casas intermediárias: lembremo-nos de que os signos de seus regentes e os aspectos que recebem marcam o modo de expressão de cada uma daquelas áreas. As imprecisões e possibilidades de erro começam a somar-se.
Tomemos agora o exemplo daquele cliente que nos apareceu com a hora fornecida pela titia – além do mais hora exata, “seis horas” (desconfiemos sempre deste tipo de horário!). O mapa mostrou um Ascendente bem no meio do signo, não há incertezas quanto aos signos dos demais ângulos ou das cúspides das casas. Podemos afirmar, então: Marte, o regente do Ascendente Áries, está em Touro, e na casa… bem, “entre” a um e a dois… “Funciona” nas duas… Tem certeza? Se ele estiver na um, quase dois, é correto, “funciona” nas duas. Mas se aquela cúspide [1] não estiver precisa (se a hora do nascimento for alguns minutos antes ou depois), ele pode ficar só na um, longe da dois. Ou bem na cúspide da dois, sem mais qualquer efeito sobre a um… Vamos ter que começar a “criar”? Melhor não, a bem de nossa prática e da própria astrologia.
Imagine, então, se o planeta “entre” for o Sol ou a Lua. Nem é preciso comentar. Agora: se fizermos a interpretação sem considerar o planeta na casa, tudo bem. “O seu Sol pode estar na oito ou na nove” – é melhor parar por aqui: este não é, obviamente, apenas um detalhe sem importância.
Outro tipo de leitura que podemos fazer a partir do mapa natal é a das casas derivadas [2]. Como responder ao questionamento daquela pessoa sobre sua relação com o segundo irmão, representado por sua casa 5, se temos dúvidas quanto ao signo na cúspide e, portanto, quanto ao regente, ou quanto aos planetas que ali se encontram realmente? Vemos, assim, que não basta certificarmo-nos dos signos em que estão as cúspides das casas. Ainda que não pretendamos referir-nos a uma linha de tempo, temos, também, que estar bem seguros dos graus em que estas se situam.
Trabalhando na linha de tempo
Para esta segunda parte, utiliza-se o fabuloso conjunto das técnicas astrológicas para acompanhar o comportamento de um mapa natal através do tempo. São as chamadas “técnicas de previsão”, que prefiro denominar “técnicas diacrônicas” [3]: a astrologia não pré-vê, só descreve as novas analogias que vão-se formando sobre o mapa natal através do tempo e suas possíveis manifestações para aquele caso.
As técnicas diacrônicas tradicionais dividem-se em dois grupos: técnicas de trânsito e de progressão. Existem também as chamadas técnicas evolutivas (Fatum, Proluna, etc.), mas estas são bem mais recentes e tenho nelas encontrado uma eficácia irregular.
Técnicas de Trânsito
Assim se chamam aquelas que consideram a posição real de um planeta à época de um evento, estudando as relações entre esta e o mapa natal. Por exemplo: a pessoa tem Vênus a 26º de Leão. Abrindo as Efemérides, verifico que Júpiter, no céu, estará pela terceira vez passando em trígono àquele planeta no mês de janeiro de 2000.
Incluem-se neste grupo os trânsitos propriamente ditos, como o que citamos, além da revolução solar e das técnicas dela derivadas (mapas semestrais ou demissolares, trimestrais ou quartissolares, enéadas [quarenta dias], revoluções lunares, mapas diários).
A imprecisão da hora de nascimento reflete-se sobre este gênero de técnicas de forma semelhante àquela que acima descrevemos para os mapas natais. Há, no entanto, dois problemas típicos a este grupo.
Como a órbita admitida para os trânsitos é de um grau, como considerar os trânsitos sobre os ângulos? Sabemos que o Meio-do-Céu muda aproximadamente UM GRAU para cada QUATRO MINUTOS de variação na hora do nascimento (já a velocidade do Ascendente varia conforme a latitude e o signo).
Consideremos um Meio-do-Céu a 19º de Touro e o trânsito de Saturno em agosto/setembro de 1999. O planeta retrogradou a 17º11, não pegando, portanto o Meio-do-Céu. “Saturno passará pelo seu Meio-do-Céu em abril/maio de 2000”. Só que a pessoa nasceu, na verdade, cinco minutos antes da hora declarada, e “sentiu” o trânsito por quase um mês em agosto/setembro de 99. Surgem, então, aquelas explicações “interessantes”, de que eram os ecos do planeta que já se faziam notar. O que dizer quando, em maio, Saturno passar pelo grau 19 e estiver presente apenas aquela sensação de alívio tão nossa conhecida, porque o Meio-do-Céu correspondente à hora real do nascimento daquela pessoa ficava um grau atrás e o trânsito não estava mais em órbita? “Você atingiu a sabedoria e domina a energia saturnina.” Será?
Em tempo: o mesmo pode ocorrer com os trânsitos sobre as cúspides das casas.
Em segundo lugar, consideremos o aspecto da angularidade, ou conjunção ao ângulo, tão importante nas técnicas derivadas da revolução solar. Para um mapa diário [4], por exemplo, efêmero por definição, este tipo de consideração é central. Se o ângulo não estiver preciso, dias jupiterianos podem não ser identificados ou dias saturninos podem ser escolhidos para eventos festivos…
Progressões
As técnicas de progressão baseiam-se no princípio de que cada dia depois do nascimento simboliza, sucessivamente, o correspondente ano de vida da pessoa. Por exemplo: as posições planetárias do sétimo dia após o nascimento espelham seu sétimo ano de vida. Este grupo de técnicas utiliza céus reais ou não para simbolizar ocorrências em outras épocas. Inclui, basicamente, a progressão secundária direta, a progressão secundária conversa e a progressão por arco solar (simbólica), sendo a primeira a “matriz” do grupo.
Assim como o mapa natal descreve as tendências e disposições básicas de uma pessoa, as progressões descrevem as condições em que ela se encontra àquela altura de sua vida. Afora a Lua e a Parte da Fortuna (ou Roda da Fortuna, que adiante descreveremos) nas duas primeiras técnicas, todos os componentes desses mapas movem-se com bastante lentidão, marcando épocas de vida – “panos de fundo”, mais que eventos.
É aqui que fica mais crítica a incorreção da hora de nascimento. Tome-se um Descendente progredido, por exemplo. Sua velocidade pode variar bastante, mas move-se, em média, um grau por ano (na progressão por arco solar todas as posições se movem a esta velocidade, aproximadamente). Suponhamos que Urano, no mapa natal, esteja a 25 graus de distância do Descendente. A partir do nascimento, esse Descendente vai-se deslocando, ou “progredindo”, lentamente, ano a ano. Até que, aos 24 anos, entra na órbita de Urano. Podem-se esperar, então, dois anos (um grau aplicativo, um grau separativo) de encontros/desencontros inesperados, parcerias inusitadas, exigência de espaço, autenticidade e liberdade nessa área.
Esta técnica é de enorme utilidade para traçarmos o “cenário” em que se darão os trânsitos – estes, então, serviriam de “disparadores” de eventos… Se a hora de nascimento tiver uma imprecisão de QUATRO MINUTOS, o erro poderá ser de UM ANO. Se o local de nascimento for em latitudes mais altas, pode haver casos em que até um minuto faz uma grande diferença.
Voltando ao Urano/Descendente. Nosso conhecido fez 24 anos e… nada se passou a seguir. 25 anos e… mesmice. Será que ele “domina a energia uraniana”? Será que esta técnica “funciona” para uns e não “funciona” para outros? Certamente que NÃO! A HORA está ERRADA! A distância entre um planeta e o eixo Ascendente/Descendente é função da hora: quantos minutos faltavam para que ele cruzasse o horizonte para nascer (casa 1 > Ascendente) ou para se pôr (casa 7 > Descendente). Ou há quantos minutos esse planeta havia nascido (Ascendente > casa 12), ou se posto (Descendente > casa 6).
Se for só para planejamento/previsão, podemos, no entanto, aceitar as horas “redondas” (seis horas, sete e meia, meio-dia) ou até mesmo as horas informadas pela titia ou pela mamãe. Desde que usemos apenas os trânsitos propriamente ditos, e mesmo assim, somente sobre os planetas do mapa natal. Desta forma não haverá problemas, pois em até meia hora os planetas deslocam-se muito pouco sobre a eclítica (mesmo considerando a Lua). Devemos, entretanto, abster-nos de utilizar os ângulos, casas, seus signos e suas regências. Convenhamos que sobra muito pouco. Se buscamos qualidade em nosso atendimento, esta forma não será satisfatória para nós ou para quem nos consulta.
O que fazer, então? É o que veremos no artigo:
Métodos de retificação da hora no nascimento
[1] Costumo usar o sistema Placidus. Tenho observado (pelo menos para as latitudes com que normalmente trabalho) sua eficácia também em diacronia.
[2] Por exemplo: a “casa três” a partir de qualquer casa é seu sucessor. Assim, a casa 7 pode representar o primeiro cônjuge. A “casa três” da 7 (ou seja, a casa 9) representa o segundo. A “casa dois” de uma casa qualquer são os recursos ou resultados por ela gerados, e assim por diante.
[3] Do grego dia (= através) e chronos (= tempo).
[4] Mapa de “retorno à hora”, simbolizando o dia de vida. É calculado para a hora GMT de nascimento e o local onde se encontra a pessoa. Para desenvolver esta técnica baseei-me em WEISS, Adolfo. Astrologia Racional. Buenos Aires, Kier, 1987, pp. 612- 615.