Nenhum palestrante despertou tanta atenção no Simpósio do Sinarj de 2014 quanto o americano Robert Hand, única atração fora do mundo ibero-americano. Foram nada menos de quatro atividades – uma palestra, uma mesa redonda e dois workshops – em que o público teve a oportunidade de conhecer de perto o estilo de ensino e de abordagem de mapas do veterano estadunidense.
O workshop inicial teve um viés essencialmente teórico e dividiu os participantes. Houve quem adorou, houve quem sentiu falta de botar a mão na massa. Já a palestra sobre sinastria, que fechou a programação de sábado do Simpósio do Sinarj, surpreendeu pela simplicidade: um roteiro prático, objetivo e útil de como conduzir a análise de uma sinastria. Aliás, quem conhece os livros de Hand já sabe disso: trata-se de um autor voltado para o fazer, muito mais do que para o teorizar. Mesmo ao falar das perdidas raízes da Astrologia Helenística e Medieval, jamais perde de vista que as técnicas da Astrologia foram feitas para serem usadas, e não para servirem de pretexto a exibições de erudição. Neste sentido, Hand está mais para o pragmatismo de um Stephen Arroyo ou de uma Betty Lundsted do que para as especulações metafísicas de Dane Rudhyar.
Na mesa redonda de previsões, formada por Hand, Adolfo Gerez (Argentina), Henrique Wiederspahn e Fernando Fernandse, a participação do convidado americano foi discreta e eminentemente conceitual. Lembrou a importância de, nas previsões com uso de trânsitos, sempre contextualizar a análise fazendo referência aos ciclos dos planetas envolvidos. Ao falar da longa série de quadraturas Urano-Plutão, que vem dominando o panorama mundial deste 2012, lembrou que não há como dissociar o aspecto atual do significado do ciclo iniciado pela conjunção dos dois planetas, em 1965-1966. Destacou ainda a necessidade de diferenciar os significados das quadraturas crescente e minguante. Na crescente, tal como ocorre agora, temos a necessidade de ajustes e correções de curso daquilo que foi iniciado na conjunção, num processo que ainda está em expansão, e que conta com um grande número de desdobramentos possíveis. Evidentemente, o atual ciclo Urano-Plutão tem muito a ver com o processo de globalização da economia da década de 1960 e de formação de um mercado mundial. O palestrante lembrou também outros fenômenos associáveis à conjunção Urano-Plutão, com destaque para a emergência da contracultura (movimento hippie, pacifismo, reação ao consumismo e surgimento da consciência ambiental). Neste sentido, a quadratura entre Urano e Plutão de 2012-2015 traz à tona desafios como a necessidade de conciliar economia globalizada e respeito ao meio ambiente, sociedade da informação e desejo de autonomia de grupos e movimentos.
Considerar cada trânsito de planetas geracionais dentro da perspectiva do ciclo inteiro não é novidade para astrólogos brasileiros. Todos os que trabalham com previsões já procedem assim, habitualmente. Neste sentido, a fala de Robert Hand serviu para evidenciar que, na área da Astrologia Mundana, não há diferenças substanciais nas práticas adotadas por astrólogos latino-americanos, norte-americanos e europeus. Estamos todos no mesmo barco e falamos a mesma língua.
A última participação de Robert Hand foi também a mais impactante – e exatamente num workshop programado de última hora e que quase não chegou a acontecer. Foi o workshop sobre Lotes Gregos, realizado no dia seguinte ao encerramento do simpósio. Tão bom que merecerá um artigo à parte.
Valeu a pena a vinda de Mr. Hand ao Brasil? Os astrólogos nativos têm realmente algo a aprender com ele? A resposta pode ser sim ou não, dependendo do contexto. Do ponto de vista puramente técnico, é muito difícil nos dias de hoje que alguém apresente propostas realmente inéditas num congresso, tendo em vista que as publicações em formato convencional ou via internet sempre chegam na frente. No caso de Robert Hand, trata-se de um escritor amplamente divulgado e bastante conhecido no Brasil (ou ao menos entre os que participaram de seus workshops). Por outro lado, pouca gente conhecia de perto o estilo de trabalho do astrólogo americano. No workshop sobre Lotes Gregos, Hand levantou a carta natal de diversos participantes, analisando-as em tempo real. Aí sim, residiram as surpresas. Vamos a elas:
Postura de consultor – Hand não mistura psicologia com consultoria astrológica. Ouve atentamente o que o cliente tem a perguntar e… responde com base no mapa, sem nenhum pudor de aconselhar e expressar opiniões pessoais. Não utiliza jargão técnico, não recorre a metáforas míticas nem utiliza expressões do jargão especializado de outras áreas de conhecimento. Neste sentido, deu uma aula de simplicidade e objetividade que, por si só, valeu o ingresso do workshop.
Problem solving – Astrologia serve para compreender pessoas e resolver problemas. Mesmo que você esteja usando uma técnica desenvolvida por gregos de quase dois milênios atrás, o importante é que ela funcione e seja compreensível para o cliente. Ficou claríssimo para a plateia que o conferencista usa Lotes Gregos (e outras técnicas arcaicas) não em função de um erudito fascínio pela arqueoastrologia, mas sim porque essas técnicas parecem funcionar muito bem! Para o cliente, não importam os ingredientes, desde que o bolo alimente. A Astrologia praticada nos Estados Unidos às vezes padece de simplificações excessivas e de falta de rigor conceitual, mas há um aspecto em que ela continua insuperável: a orientação para resultados.
Sem medo da tecnologia – Robert Hand revelou utilizar o Skype e outros serviços semelhantes como ferramenta preferencial de consulta. No mundo globalizado, consultas pessoais e presenciais podem ser um luxo inalcançável. Alguns participantes do seminário olharam desconfiados: “O quê? O homem atende com Skype?” Enquanto isso, o palestrante explicava animadamente as vantagens das novas tecnologias, numa postura pragmática de fazer eriçar os cabelos da nuca dos astrólogos mais puristas.
Sem medo de almas do outro mundo – Nonsense absoluto. O astrólogo americano supostamente cartesiano e de mentalidade científica pergunta ao participante brasileiro que acaba de falar de sua hipersensibilidade psíquica: “Você já estudou algo sobre espiritismo? Já pensou na possibilidade de desenvolver a mediunidade?” Este foi, de longe, o momento de maior estranhamento do workshop. Pouca gente poderia esperar que as considerações sobre reencarnação, mediunidade e outros fenômenos psi partissem exatamente do gringo de aspecto respeitável!
Em resumo: o contato com colegas estrangeiros no Simpósio do Sinarj tem-se revelado sempre produtivo. Aprendemos, em anos anteriores, que palestrantes argentinos, espanhóis e portugueses “funcionam” de forma muito semelhante aos astrólogos brasileiros. As únicas diferenças visíveis são a preocupação lógica dos argentinos (mas muitos brasileiros também são assim) e o ar blasé dos espanhóis (nenhum brasileiro se comporta assim, evidentemente!). Com Robert Hand, descobrimos que as tradições mais eruditas estão aí para serem dessacralizadas e usadas no cotidiano. Viva a simplicidade!