Obviamente, pode parecer estranha a minha obsessão por maluquices e idiotices já feitas em nome da astrologia, mas ela é fácil de entender a partir do ponto que costumo sustentar: posições planetárias não determinam significados absolutos. O que temos são significantes, com uma cadeia de significados possíveis. Obviamente, alguns (poucos) astrólogos parecem ser dotados da peculiaridade de “acertar em cheio”, mas isso parece ser mais uma capacidade própria, um dom particular (quiçá uma clarividência mesclada à análise astrológica) do que necessariamente uma simples interpretação pautada em símbolos.
Mas o que acontece quando astrólogos resolvem atribuir significados determinados, colados, limitando a vastidão do significante?
Leiam abaixo:
Em 1179, o astrólogo João de Toledo previu um cataclismo para setembro de 1186, considerando um stellium que ocorreria no signo de Libra. Toledo falou em temporais, terremotos. Nada ocorreu, e Toledo justificou que na verdade a previsão tratava da invasão dos hunos, portanto foi “apenas um pequeno erro interpretativo” – erro interpretativo que gerou pânico, desespero, suicídios e saques uma semana antes.
Mais: em Janeiro de 1523, um grupo de astrólogos londrinos concordou que o fim do mundo se daria num dilúvio que ocorreria em primeiro de fevereiro de 1524 [alinhamento planetário em Peixes]. Um mês antes, duas mil pessoas abandonaram Londres, buscando terras mais altas. Um dia depois, posto que nada ocorreu, os astrólogos anunciaram um “pequeno erro de cálculo” e informaram que o fim do mundo seria em 1624, e não em 1524. A cidade foi toda saqueada por ladrões durante o “dia da evacuação”.
Também na Europa, mas não integrante do grupo londrino, o astrólogo alemão Johannes Stoeffler [1452-1531] previu o fim do mundo num dilúvio em 20 de fevereiro de 1524. Apesar de ter previsto o dilúvio para mais ou menos para a mesma época citada pelos astrólogos londrinos, Stoeffler falava sobre isso desde 1499! Stoeffler era catedrático de uma universidade e conselheiro da corte, tido como fonte idônea.
O caso Stoeffler foi o pior de todos: justamente por ser tão ouvido e tido como sério e respeitável, levou o conde Von Iggleheim a construir uma arca de três andares.
No dia 20 de fevereiro, começou a chover logo de manhã cedo. Torrencialmente. Uma multidão entrou em pânico e tentou invadir a arca, querendo defender a propriedade. O conde conseguiu matar um com sua espada, mas morreu pisoteado pela turba. Antes do final do dia, a população local tinha se chacinado mutuamente: um matando o outro, crianças, velhos e mulheres sendo pisoteados. A arca foi destruída. Diante daquele desastre, Stoeffler simplesmente argumentou que ele estava certo, afinal uma desgraça tinha acontecido! Resolveu então prever novo fim do mundo para 1528, mas ninguém lhe deu atenção.
Quem pagou o pato mesmo foi o monge e astrólogo Michael Stifel, que resolveu calcular novo fim do mundo para 18 de outubro de 1533 (o que estes astrólogos tinham contra o signo de Libra, afinal?). Ninguém deu importância, e quando o fim do mundo não aconteceu, os cidadãos locais resolveram dar uma surra no monge com vara de marmelo, em praça pública.
Durante muito tempo, ninguém mais anunciou o apocalipse.
Até que…
William Whiston anunciou que o fim do mundo ocorreria num dilúvio em 13 de outubro de 1736 (Libra de novo!!!). Nada ocorreu, mas as pessoas já tinham esquecido há muito da “leva” de falsas previsões de 1500, e ficaram desesperadas. 13 de outubro de 1736 ficou sendo conhecido como o dia mais feliz para os batedores de carteira da época.
Século XX, ou… Não estamos sós: os hindus também pisam no tomate
Astrólogos hindus reúnem-se e anunciam que o fim do mundo ocorreria em 2 de fevereiro de 1962, por conta de um aglomerado planetário no signo de Capricórnio (vale aqui lembrar que a astrologia hindu é diferente da nossa, e eles utilizam o zodíaco sidéreo, e não o trópico).
O Primeiro Ministro da Índia, Nehru, teve um ataque e disse que isso tudo era ridículo.
Ainda assim, resolveu-se que uma tonelada e meia de manteiga seria queimada com o objetivo de invocar a proteção de Chandi Path, deusa da força. A liturgia hindu foi entoada quatrocentas e oitenta mil vezes por uma cadeia de duzentos e cinquenta sacerdotes.
Convencido pelos astrólogos indianos, o Primeiro Ministro da Birmânia, U Nu (que diabo de nome é esse?) soltou três bois, três porcos, nove cabras, sessenta galinhas, sessenta patos, cento e vinte pombos, cento e vinte peixes e duzentos e dezoito caranguejos na esperança de aplacar as forças malignas.
Como nada aconteceu, ficaram todos felizes em ver que seus procedimentos foram aceitos e que os deuses não desejaram o fim do mundo.
Por fim, vale citar Nostradamus, o véio Nostra que, segundo intérpretes, previu o fim do mundo para quando a páscoa caísse em 25 de abril. Tal sincronia ocorreu em 1666, 1734, 1886, 1943. A próxima vez será em 2038.
Nota do Editor: limpando a barra dos astrólogos
William Whiston (pintura à esquerda) nasceu em Norton, Leicestershire, em 1667. Como cientista, postulou em sua obra Earth (1696) que a Terra tivera origem na atmosfera de um cometa, devendo-se todas as suas transformações posteriores também à ação de cometas. Astrônomo e matemático, chegou a suceder Isaac Newton no cargo de professor de um renomado instituto, além de dar uma decisiva contribuição para o aperfeiçoamento do uso das coordenadas geográficas (especialmente longitudes). Contudo, alimentava ideias religiosas um tanto equivocadas, fruto principalmente de pesquisas sobre documentos apócrifos do Cristianismo primitivo e de traduções e comentários de Flavius Josephus, historiador do início da era cristã. Sua crença no fim do mundo deriva, pois, de uma interpretação errônea de textos religiosos antigos, e não de uma verdadeira previsão astrológica. Faleceu em 1752, deixando uma vasta obra, onde a contribuição para o progresso da ciência supera amplamente a estreiteza do dogmatismo religioso.
Quanto a Johannes Stoeffler, citado mais acima no artigo de Alexey Dodsworth, também foi antes de tudo um erudito do meio acadêmico, e não um astrólogo profissional. Já Nostradamus, citado no fecho do artigo, não é exatamente o que se possa chamar um autor transparente. Suas piores previsões têm significados bem divergentes, dependendo do viés do pesquisador moderno. Além do mais, não se tem certeza do que, em sua obra, é fruto de vidência ou de raciocínio astrológico. Em outras palavras: nem todas as previsões absurdas são fruto de interpretação astrológica, mas sim de fatores extra-astrológicos, como concepções filosófico-religiosas excessivamente radicais ou premonições traduzidas de forma precipitada.
José A. Baptista diz
Numa previsão do fim do mundo mais recente – não me lembro ano exato, se foi em 1990 – na minha pequena cidade uma menina de 10 anos cortou o pulso. Ao perguntar porque ela teria feito aquilo, ela respondeu que não queria ver seus pais morrerem na frente dela. O mundo – melhor dizendo, o nosso mundo, o planeta Terra – vai acabar um dia, sim, mas num futuro não muito distante, mas de forma lenta, dolorida e muito sofrível, devido à escassez de água (Terra mais próxima do Sol e com a camada de ozono para proteção muito baixa) e, principalmente, de alimentos.
Ainda bem que o nosso Sol não fica só Periélio (distância de 147 milhões de km. da Terra), ele também fica no Afélio (distância de 152 milhões de km. da Terra), ou seja, 5 milhões de km. mais distante da Terra. Porém, essas distâncias de 147 e 152 milhões de km. do Sol para a Terra, são distâncias normais – as ideais. O ruim mesmo seria se o Sol ficasse numa distância de 140 milhões de km. da Terra e a 160 milhões de km., 20 milhões de km. de diferença – muito calor durante o dia e muito frio durante a noite, respectivamente, como no planeta Mercúrio.