Em Astrologia Mundana, concentrar esforços na análise de um só país, num único momento, expressa uma visão mercurial cujo risco é enxergar a árvore sem ver a floresta. Por esta razão, antes de considerar a realidade argentina, cabe traçar uma rápida síntese sobre o mundo em geral e sobre a América Latina em particular, o que permitirá uma apreciação do contexto num sentido mais amplo e mais próximo do approach jupiteriano. Enfocarei em primeiro lugar a passagem das conjunções Júpiter-Saturno dos signos de Terra para os signos de Ar, utilizando esta transição entre dois elementos como pano de fundo para compreender o quadro do país.
Contexto mundial – O fim da Guerra Fria, marcado pelo desmembramento da União Soviética, deu lugar à expansão de um capitalismo selvagem, ao surgimento de novos atores de peso – China e Índia – e, a partir de 2008, uma crise econômica e financeira estrutural.
Uma crescente desigualdade, seja entre países seja entre indivíduos – consequência do crescimento desmedido do capital financeiro e especulativo às custas do capital produtivo –, define o mapa contemporâneo. Um simples dado: as 85 pessoas mais ricas do mundo entesouram uma riqueza equivalente à soma dos recursos das quatro bilhões de pessoas mais pobres.
América Latina – Com diferenças nacionais e históricas, pode-se afirmar que a década de 1980 caracterizou-se pela recuperação da democracia e consolidação das instituições políticas. Nos anos 1990 a preocupação central foi a redução da inflação e a obtenção de uma certa solidez monetária. O início do século XXI teve como foco o crescimento social. Segundo dados do Banco Mundial, a classe média da região teve uma expansão de 50% na última década. Satisfeitas as reivindicações básicas de alimentação e emprego, começaram a emergir novas demandas de serviços públicos urbanos: transporte, educação, saúde, segurança – serviços que devem atender a uma massa de cidadãos antes excluída. Superado o atraso secular, enfrenta-se o desafio de alcançar um estágio de bem-estar social que coloca em questão os serviços públicos e a sustentabilidade urbana. Em outras palavras: a qualidade de vida melhorou dentro de casa, mas não fora dela. Um gargalo social que gera conflitos e mal-estar em amplas camadas da população, abrindo o jogo a novos atores políticos.
A passagem da Terra para o Ar
A humanidade se encontra num período intermediário entre dois ciclos de conjunções Júpiter-Saturno: no ano 2000 encerrou-se o ciclo de 200 anos de conjunções em Terra; em 2020, iniciam-se as conjunções em Ar. Estes aspectos funcionam como pano de fundo de uma época.
A ênfase em signos de Terra durante os séculos XIX e XX abriu espaço para as consequências sociais da revolução industrial:
- melhor padrão de vida;
- deslocamento de grandes massas de população do campo para os centros urbanos em busca de novos empregos;
- crescimento da educação pública – era necessário que o operário soubesse ler e manejar os rudimentos da Matemática;
- consolidação da burguesia;
- expansão imperial da Europa rumo à África e ao Oriente Médio em busca de matérias-primas e novos mercados;
- instituições de controle social com o objetivo de sujeitar grandes massa de população: escolas, fábricas, cárceres, hospitais.
É um período de expansão para obter supremacia sobre países e indivíduos.
A história dos países da América Latina transcorreu sob a égide das conjunções em Terra: latifundios, exportação de matérias-primas, guerras territoriais etc. A partir de 2020, aqueles que incentivarem o desenvolvimento intelectual estarão melhor sintonizados com o “espírito dos tempos”. A sociedade produtiva ficará para trás para dar lugar a uma sociedade do conhecimento (Ar). Como em todo período de transição, surgem as marchas e contramarchas, um vaivém entre um passado obsoleto e um futuro ainda não consolidado.
Argentina
Para entender o panorama dos próximos anos, é importante compreender alguns contextos específicos. Além de compartilhar os traços gerais mais amplos da dinâmica latino-americana, a Argentina apresenta uma série de situações particulares. Entre elas, podemos mencionar:
A – O crescimento das exportações de matérias-primas entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. Enquanto a Inglaterra foi a metrópole capitalista hegemônica, a Argentina cresceu por ter uma significativa produção agrária indispensável para o desenvolvimento da indústria britânica. Quando o domínio passa para os Estados Unidos, ao término da Segunda Guerra, minguam as exportações – que competem com a produção norte-americana – iniciando um período de desenvolvimento industrial decorrente da necessidade de substituir exportações.
B – A expansão da rede ferroviária para levar as mercadorias aos portos distribui a população pelo território nacional, estimulando o nascimento de novos centros urbanos e uma maior relação entre eles.
C – A rápida implementação da educação pública. A Lei 1420 (promulgada em 8 de julho de 1884), fruto de extenso debate entre a Igreja e o Estado pelo controle educativo, é finalmente aprovada. A escola primária se torna obrigatória, gratuita, gradual e laica, dando um salto qualitativo no nível da instrução pública e abrindo as portas para a mobilidade social. É notável que um país periférico tenha conseguido três Prêmios Nobel de Ciência: Houssay (Medicina, 1947), Leloir (Química, 1970) e Milstein (Medicina, 1984).
No lapso de tempo entre a discussão e a aprovação da Lei 1420, Saturno em Aquário, ocupante e regente da casa V (educação) e regente da IV (o povo) do mapa natal da Argentina, transita pelo grau 15 de Gêmeos, em conjunção com o Nodo Norte natal. Um ponto importante na medida em que assinala o início do crescimento em direção ao penoso desenvolvimento daquilo a que o Nodo Norte se refere. Vale recordar que os astrólogos da linha tradicional definiam o Nodo Norte como uma porta que se abre para o futuro, conceito pertinente para compreender a importância desta lei.
Avançando no tempo, em 2002 os trânsitos de Saturno-Plutão – planetas relacionados à noção de limites, de finalização – ativam o eixo dos nodos da Argentina em Gêmeos-Sagitário, nas casas VIII/II (um eixo de natureza econômica).
O colapso social e político anunciou a conclusão de um ciclo. Os mitos fundadores do campo, do pampa sempre verde, de celeiro do mundo, as grandes extensões territoriais e a imagem de que, se largarmos uma semente a esmo amanhã teremos um trigal, entraram em conflito com a realidade de muitos cidadãos revirando latas de lixo em busca de restos de comida.
[Nota do Editor: em dezembro de 2001 a crise econômica argentina explodiu em revoltas sociais e ocasionou duras medidas governamentais, que levaram muitos argentinos ao desemprego e à miséria ao longo de 2002.]
A dinâmica do eixo nodal propõe uma tensão entre o extrativismo – e aqui incluímos nesta categoria a agricultura de baixo desenvolvimento tecnológico, vista como uma cornucópia de abundância sem fim (Nodo Sul em Sagitário, na casa II) – e a pesquisa – Nodo Norte en Gêmeos, na casa VIII. O desafio que se apresenta é o de questionar o mito de “celeiro do mundo” – desenvolver tecnologia e não expulsar cérebros, como aconteceu historicamente.
O ciclo das presidências de Néstor e Cristina Kirchner, iniciado em 2003, transcorre no âmbito deste desafio. De um lado, a exploração mineral e a ampliação dos campos de soja; do outro lado, um inédito incentivo à educação, à pesquisa, à ciência e à tecnologia.
O movimento no sentido da valorização do trabalho intelectual como política de estado não se explica exclusivamente pela crise decorrente dos trânsitos sobre o eixo dos nodos da Argentina, mas também já está em sintonia com o novo panorama das conjuncões Júpiter-Saturno em Ar (2020).
O futuro, porém, não nos alcançará apenas através deste movimento geral do elemento Terra para o elemento Ar, pois também deveremos lidar com um trânsito inédito: Plutão realizará pela primeira vez uma conjunção com a Lua – o povo – da Argentina. O aspecto estará exato entre março de 2017 e fevereiro de 2018, coincidindo com as eleições parlamentares. Antes da conjunção com a Lua, Plutão iniciará seu trânsito pelo segundo quadrante (casas IV, V e VI).
Contudo, não estará sozinho, já que será seguido por Saturno (seu companheiro no trânsito de 2002 sobre o eixo dos nodos) transitando sobre a Lua entre março e dezembro de 2019, no período das eleições presidenciais. Entre os dois períodos, acontecerá o eclipse solar de 13 de julho de 2018, em 20º41′ de Câncer, oposto à Lua.
O que se pode esperar? Como de hábito nos estudos de Astrologia Mundana, é lícito buscar uma certa “atmosfera de época” em configurações similares, ocorridas nas ativações anteriores. No caso que estudamos, só podemos utilizar as correspondências com o ingresso de Plutão nos quadrantes.
Farei uma rápida resenha da situação mundial, o acontecimento histórico pertinente, o clima social que acompanha a irrupção do referido acontecimento e o objetivo central da época.
Plutão transitando pelos ângulos da carta argentina
1930 – Plutão em conjunção ao Meio do Céu e ao Sol da Argentina.
Situação internacional: crise econômica de 1929.
Acontecimento histórico: inicia-se um longo período (a passagem pelas casas X, XI e XII) de alternância entre governos civis e militares, inaugurado com o golpe de estado do general J. F. Uriburu.
Clima social: lutas operárias, por um lado, e a oposição (associações patronais, alguns sindicatos, a direita política, algumas correntes da esquerda, a imprensa) aglutinada contra o governo constitucional, a quem se acusa de violar o regime democrático. Para esta oposição, o governo é ilegítimo, fraudulento e corrupto.
Objetivo: definir un modelo institucional é próprio do quadrante que se inicia no Meio do Céu. A casa fixa do setor (XI, em Leão, com Marte presente, e Sol em conjunção com o Meio do Céu) ressalta a importância do modelo presidencialista. Parte do trânsito de Plutão por Leão coincide con os dois governos do general Juan Domingo Perón: un militar eleito pelo voto popular; boa solução de compromisso para o Ascendente Libra.
1982 – Plutão em conjunção com o Ascendente. Plutão realiza a conjunção com Saturno en 27º de Libra, sobre a casa I da Argentina.
Situação internacional: imposição de políticas econômicas neoliberais (Reagan/Tatcher) com a supremacia do mercado sobre a política. Domínio da “mão invisível do Mercado”.
Acontecimento histórico: guerra das Malvinas, iniciando a derrocada definitiva dos governos militares.
Clima social: irrompe novamente a atividade política. “Primavera democrática”.
Objetivo: definir um modelo econômico é típico deste quadrante iniciado no Ascendente. A casa fixa do setor (II, em Escorpião, com Urano e Netuno presentes em Sagitário) assinala como o processo evoluirá para uma economia de concentração de capitais financeiros (Escorpião) e livre mercado (Sagitário).
2016 – Plutão em conjunção com o Fundo do Céu e a Lua da Argentina.
Tem um peso semelhante ao de 1930, ou ainda maior, na medida em que forma conjunção com um ângulo e uma das luminárias (Lua), a qual, por sua vez, rege outro ângulo (Meio do Céu), dispondo do Sol, Mercúrio e Vênus. Também reitera as tensões da quadratura entre Urano em Áries e Plutão (em Câncer em 1930, em Capricórnio atualmente).
Em março de 2016, Plutão chegou aos 17 graus de Capricórnio (cúspide do Fundo do Céu), onde estacionou até 18 de abril, quando começou a retrogradar sobre o mesmo grau. Finalmente, em janeiro de 2017, ingressará de forma definitiva na casa IV.
Situação internacional: a crise originada em 2008, com a explosão das hipotecas subprime e o colapso do sistema bancário, continua provocando seus últimos solavancos nas economias do mundo.
Acontecimento histórico: em dezembro de 2015 Maurício Macri assume a presidência. Suas primeiras medidas econômicas: liberação do mercado de câmbio, remissão dos impostos devidos por empresas agroexportadoras e mineradoras e um forte endividamento externo, denotando uma clara política neoliberal.
Clima social: as reiteradas denúncias de corrupção contra o governo anterior se entrechocam com o mal-estar social originado pelo aumento da inflação e das tarifas de serviços e pelo crescente desemprego.
Objetivos: redefinir um modelo de país centrado, como nos casos anteriores, na casa fixa do setor. A casa V em Aquário, com Saturno presente e num de seus domicílios, enquanto o outro regente (Urano) ocupa Sagitário na casa II, descreve a centralidade de um projeto eficiente e de longo prazo focado na educação, ciência e tecnologia, capaz de dar um novo curso à economia.
São objetivos em sincronia com o ingresso no elemento Ar das conjunções Júpiter-Saturno (2020), o trânsito de Saturno-Plutão sobre os nodos, presentes nun eixo econômico (2002), e o trânsito de ambos entre 2016/2019 sobre o Fundo do Céu e a Lua.
O futuro e suas contradições
Como se resolverá o redirecionamento da matriz produtiva, do extrativismo para um modelo baseado no desenvolvimento tecnológico? Trata-se ainda de uma incógnita.
Pois bem: como observamos no início, é um erro em Astrologia Mundana observar uma realidade a partir de uma perspectiva excessivamente limitada. A segunda metade de 2016 produziu mudanças significativas no continente e no mundo.
A nova orientação política dos governos de Brasil e Argentina, os dois sócios mais importantes do Mercosul, coloca o funcionamento deste entre parêntesis.
O triunfo de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos; o Brexit; e a presença de partidos europeus neofascistas com possibilidades de fazer um bonito papel nas eleições europeias de 2017 mudam as regras do jogo.
Três fatores astrológicos desenham um panorama contraditório:
1 – As conjunções Saturno-Plutão, que ocorrem aproximadamente a cada 33 anos, tendem a exacerbar os nacionalismos.
2 – Em 2020 as conjunções Júpiter-Saturno passam a acontecer no elemento Ar, que nos introduz num mundo de maior abstração.
3 – Em maio de 2018 Urano ingressará em Touro.
Estes antagonismos já se percebem na conformação mundial das sociedades.
Historicamente as populações – de acordo com sua condição econômica – ocupavam o espaço de diferentes zonas, urbanas e rurais.
Agora, além de distribuírem-se espacialmente, parecem também distribuir-se no tempo. Assim, poderíamos mencionar três grupos diferenciados:
1 – Os trabalhadores cibernéticos ou cyberproletários (século XXI).
2 – Os trabalhadores da indústria e da manufatura (século XX).
3 – A população excedente, migrantes e refugiados, excluídos do sistema de forma similar à dos despossuídos que estavam “sobrando” na Revolução Industrial (século XIX).
As últimas eleições dos Estados Unidos puseram em cena claramente este fenômeno: Hillary Clinton representou o primeiro grupo. Seu discurso foi dirigido à elite educada que vive nas costas leste e oeste. Donald Trump, o segundo. Discursou para o pequeno proprietário e para o operário desempregado, vítimas da globalização. Talvez Bernie Sanders, o outro candidato democrata, pudesse dar voz, em certa medida, ao terceiro grupo. Todavia acabou fora da disputa, como mais um excedente do sistema.
Atualmente, o governo argentino tenta conciliar essas tensões com medidas políticas específicas. Contudo, na medida em que se aproximarem as datas de trânsitos tão categóricos, as contradições se agudizarão e será necessário decidir um rumo, se pretendemos que a nave não naufrague.
Este artigo faz parte do Presságios 2017, o painel anual de previsões de Constelar, com apoio das escolas Astroletiva e Espaço do Céu. Clique na imagem para navegar pelas previsões, em texto e vídeo, de mais de uma dezena de diferentes astrólogos.