Um país e sua história espantosa
“El sábado 6 de agosto de 1825, Bolivia comenzó su vida como nación independiente; estaba en el umbral de una terrible y espantosa historia.” (Charles Arnade)
O processo de independência da Bolívia deu-se como consequência da independência dos demais países da região andina. Na esteira das guerras de libertação promovida por Simón Bolívar, e aproveitando o desmoronamento do poderio militar espanhol, o marechal Antonio José de Sucre convocou em 9 de fevereiro de 1825 uma Assembleia Deliberativa para decidir o futuro da então chamada província do Alto Peru. A assembleia foi instalada em 10 de julho do mesmo ano em Chuquisaca (atual Sucre) e, sua maior tarefa não foi sequer declarar a independência da enfraquecida Espanha, mas sim decidir se a região deveria unir-se à Argentina, ao Peru ou transformar-se em um país independente.
- O perfil de Evo Morales está em Evo Morales, o índio que foi presidente da Bolívia
Após longas deliberações, assinou-se em 6 de agosto uma “Ata de Independência” que decidia pela transformação da região em país autônomo, com regime republicano. A data foi eleita de propósito para coincidir com o aniversário da Batalha de Junín, ocorrida um ano antes. A escolha do nome Bolívia, em homenagem a Simón Bolívar, aconteceu alguns dias mais tarde. O curioso é que o próprio Bolívar não era favorável à independência, preferindo que o Alto Peru permanecesse unido politicamente a outros países andinos.
Não há nenhuma informação histórica totalmente segura que nos permita eleger um horário para a independência boliviana, se bem que não faltem hipóteses :
- Marc Penfield, astrólogo americano, autor de Horoscopes of the Western Hemisphere, propõe o horário retificado de 8h32, LMT (hora local), o que deixaria o Ascendente em 20º42′ de Virgem;
- O mesmo Marc Penfield informa que obteve do Centro Astrológico de Buenos Aires o horário das 16h para a Bolívia (Ascendente em Capricórnio, com Urano e Marte angulares);
- Nicholas Campion, autor de The Book of World Horoscopes, propõe o horário de 12h LMT, o que deixaria o Ascendente em Escorpião. Campion, aparentemente, baseia sua hipótese na especulação de que a assinatura da Ata de Independência deva ter ocorrido após a missa da manhã – um raciocínio plausível, mas nada conclusivo.
Utilizando apenas um mapa solar calculado para às 12h (que acaba, por acaso, coincidindo com a hipótese de Campion), o que vemos é uma conjunção bastante aberta (órbita de nove graus) entre Sol e Júpiter em Leão, sendo que os dois planetas recebem a quadratura da Lua em Touro. Com os dois luminares formando quadratura em signos fixos, não admira que a história da Bolívia tenha sido construída em cores tão trágicas nestes 194 anos de independência: o eterno divórcio entre interesses do povo (Lua) e dos governantes (Sol) num contexto de persistente pobreza. Outro aspecto que se destaca é a oposição Marte-Urano no eixo Câncer-Capricórnio, configuração explosiva, instável e imprevisível, bastante compatível com a história do país que é recordista em golpes de estado no continente americano.
Bolívia, duas guerras perdidas
Nenhum povo da América do Sul passou por tantas provações quanto o boliviano: a população de maioria indígena (quêchuas e aymaras) jamais, antes de Evo Morales, se sentiu representada pela elite que controla os destinos políticos do país desde a independência. Enquanto o povo amarga os piores índices de pobreza do continente, as riquezas minerais sempre foram metodicamente saqueadas por multinacionais americanas e europeias.
Desde a independência o país ainda teve de passar por dois terríveis conflitos militares, saindo perdedor de ambos: o primeiro foi a guerra do Pacífico, contra Chile e Peru, no século XIX, em que a Bolívia acabou perdendo uma vasta região para o Chile, incluindo sua única saída para o mar; e a Guerra do Chaco, contra o Paraguai, que terminou com 60 mil bolivianos mortos e a perda de mais alguns territórios ricos em petróleo (1932-1935).
Este breve histórico ajuda-nos a compreender o forte sentimento de xenofobia que se desenvolveu entre as camadas populares nas duas últimas décadas e que contribuiu fortemente para a eleição de Evo Morales. Cada vez mais o boliviano pobre, especialmente o de origem indígena, via os países estrangeiros e suas empresas como aves de rapina que saqueiam as riquezas nacionais. Nos grandes distúrbios políticos de 2003, muitos estrangeiros – incluindo brasileiros – foram hostilizados e até mesmo agredidos nas ruas.
- O perfil de Evo Morales está em Evo Morales, o índio que foi presidente da Bolívia
Recuando alguns anos no tempo, vamos encontrar na música uma chave preciosa para entender os sentimentos populares. Basta dizer que a Bolívia é o país com mais forte movimento artístico de cunho nativista em todo o continente, incluindo muitos grupos que gravam canções em dialetos indígenas. Um dos mais conhecidos conjuntos de “música de raiz”, Los Kjarkas, gravou na década de 1970 uma canção que vale como uma espécie de segundo hino nacional, e cuja letra expressa com clareza alguns dos sentimentos que ajudaram Evo Morales a subir ao poder:
Ser tu bravura, ser la fuerza y juventud
En tu letargo mudo, la voz de inquietud:
Bolivia…Quiero pegar un grito de liberación
después de un siglo y medio de humillaciónQuiero tengan tus días destino mejor
y el futuro sonría prometedoren las faldas de tus cerros haré mi hogar
donde felices los niños irán a jugarBolivia ah…
Jallalla!!!
Walaychu
(Ser tua bravura, ser a força e juventude,
em teu letargo mudo, a voz da inquietude.Quero soltar um grito de libertação
depois de um século e meio de humilhação.Quero que tenham seus dias destino melhor
e que o futuro sorria promissor.
Nas encostas de teus montes farei o meu lar
onde as crianças felizes irão brincar.)
“Letargo mudo” não é uma expressão adequada para aquela Lua em Touro afligida pelo Sol? E o “século e meio de humilhação” não reflete bem o ressentimento de um país leonino que jamais teve a oportunidade de afirmar-se positivamente no cenário continental? É deste caldo de frustração que se alimentou a vitoriosa campanha de Evo Morales à presidência, em 2006, processo que ocorreu num momento astrológico muito especial: exatamente em janeiro de 2006, todos os fatores da carta da Independência de Bolívia, dirigidos por arco solar, encontravam-se e oposição exata (180 graus) a suas posições radicais.
NOTA: a direção por arco solar é uma técnica de previsão que consiste em somar a todos os fatores (planetas e ângulos) de uma carta radical (carta de nascimento de uma pessoa ou instituição) um arco correspondente ao deslocamento real do Sol em determinado número de dias. Assim, se queremos fazer previsões para o vigésimo ano de vida de uma pessoa, temos de calcular quanto o Sol se deslocou em seus primeiros vinte dias de vida e somar os graus correspondentes às posições do mapa natal. Trata-se, pois, de um sistema simbólico, em que um dia de movimento do Sol corresponde a um ano de previsões.
Esta situação única, que só acontece na vida de um país 180 anos após sua independência e depois a cada 360 anos, corresponde a um momento de forte tomada de consciência da própria realidade, aguçando o desejo de transformá-la. Basta lembrar que foi o mesmo fenômeno – todos os planetas dirigidos em oposição a suas posições natais – que levou o Brasil a eleger Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, quebrando com uma longa tradição de que o dirigente máximo da nação deveria pertencer às elites cultural e econômica.
Entretanto, a excepcionalidade do momento não garante, por si só, a eficácia do movimento de mudança. Apenas expressa um desejo, uma expectativa, que no caso boliviano se traduziu na ascensão de um político de currículo tão peculiar quanto o de Lula.
A esperança: Evo Morales nacionaliza o petróleo
Num gesto de desafio à comunidade internacional, o presidente boliviano Evo Morales decretou, no início da tarde de 1º de maio de 2006, a nacionalização das reservas de hidrocarburetos, o que significa dizer: controle absoluto da produção, refino e distribuição de petróleo e gás natural. Das várias multinacionais que atuavam na Bolívia, a mais afetada foi a Petrobras, cujos investimentos chegaram a representar 15% de toda a riqueza do país.
O mapa da assinatura do ato tem Saturno colado ao Ascendente. Saturno rege nesta carta a casa 6, dos trabalhadores subalternos, e foi exatamente em nome deles que Evo Morales anunciou a medida radical. A nacionalização (eufemismo para expropriação) poderia criar, segundo o presidente, milhares de novos empregos na Bolívia, além de estancar o que os jornais bolivianos chamavam de “sangria dos recursos nacionais”. Por outro lado, poderia levar a Bolívia a um forte desgaste internacional, já que as novas medidas implicaram o rompimento unilateral de contratos. Não é por acaso que, no mapa da Lei dos Hidrocarburetos, o Sol, regente do Ascendente, ocupa a casa 9 da justiça e das relações com o estrangeiro, em oposição a Júpiter, significador essencial desses mesmos assuntos. Uma indicação de problemas à vista, portanto.
2016 a 2019: La Paz é apenas uma intenção
Voltemos, todavia, a Saturno: a presença deste planeta no Ascendente, em exílio e em quadratura aberta com o Sol, permite que se traduza o significado do ato político de Evo Morales como uma tentativa dramática (Leão) de recuperação da autoestima nacional, já tão abalada pelo “século e meio de humilhação”, para usar a expressão da emotiva canção boliviana. Esta e outras medidas consideradas radicais contribuíram para solapar as possibilidades de investimentos internacionais e contribuíram para fomentar a polarização política que cresceu nos últimos anos.
Em fevereiro de 2016, Evo Morales deu seu passo mais perigoso, ao contrariar um plebiscito convocado por ele mesmo e manobrar para obter o direito a candidatar-se à presidência pela quarta vez. Naquele momento, Plutão e Urano em trânsito começavam a fustigar o mapa da independência da Bolívia, formando uma quadratura T com Marte radical na casa 9. Foi sob este tenso aspecto que foi dada a partida antecipada para a campanha eleitoral seguinte. Nesta, em 2019, com Plutão já muito mais próximo da oposição exata a Marte radical, Evo Morales vence as eleições sob suspeita de fraude, o que desencadeia uma onda de protestos no país. Netuno em trânsito, em Peixes, também aflige Saturno em Gêmeos por quadratura, aumentando a instabilidade. Um novo golpe escreve mais uma página na “terrível e espantosa história”. Até quando?
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