Iugoslávia quer dizer, literalmente, a terra dos eslavos do sul. Realmente, a maior parte da população da antiga Iugoslávia – a parcela sérvia, para ser mais exato – é de origem eslava, pertencendo ao grande grupo que também inclui russos, ucranianos, búlgaros, bielorrusos e eslovacos, entre outros. Contudo, os últimos vinte séculos caracterizaram a península balcânica como uma região de permanentes conflitos, sempre disputada e partilhada pelas grandes potências de cada época.
Origem dos conflitos nos Bálcãs
No apogeu do Império Romano, a maior parte da região era uma província imperial, a Dalmácia. Com as invasões bárbaras, os ostrogodos se estabeleceram ali e constituíram um reino de curta duração. No século VI, o Império Bizantino (a antiga parte oriental do Império Romano, de cultura grega) recupera todo o território ao sul do rio Danúbio. É da época de dominação bizantina a conversão de boa parte da população à Igreja Ortodoxa Oriental, forma de Cristianismo ainda hoje dominante na Grécia, na Sérvia, na Bulgária, na Ucrânia e na Rússia.
Enquanto os bizantinos avançavam pelo sul, povos bárbaros eslavos chegavam do norte e do leste, vindos das estepes russas. Os longos séculos de contato entre eslavos e bizantinos deram a base para a cultura sérvia, cujo alfabeto é o cirílico (derivado do grego e quase idêntico ao utilizado na Rússia) e cuja religião é a ortodoxa.
A batalha do Kosovo de 1389: 500 anos de domínio turco
Com a expansão do Islamismo, a península cai nas mãos dos turcos otomanos, que vencem os sérvios na batalha de Kosovo, em 1389, e chegam às margens do Danúbio alguns anos depois. Durante praticamente quatrocentos anos, Belgrado foi uma cidade muçulmana e capital de uma província turca. Contudo, o nacionalismo sérvio jamais chegou a ser eliminado: com o início da decadência otomana, no século XVIII, os sérvios rearticulam-se e lutam até obter de novo a independência.
A batalha de Kosovo, que tanta importância teria para a futura definição da identidade sérvia, ocorre nos anos de formação da importante conjunção Netuno-Plutão em Gêmeos, exata nove anos depois. Sob esta conjunção, os turcos otomanos se afirmam como a grande potência da região, iniciando um período de dominação que se estenderia por cinco séculos.
Paralelamente, outras forças agiam na península: ao sul, junto à atual fronteira albanesa, o principado de Montenegro jamais caiu sob domínio turco, mantendo-se como um baluarte cristão. Ao norte, o poderoso império austríaco, da família Habsburgo, comanda desde o século XVI a resistência aos otomanos, detendo-os em Budapeste (atual capital da Hungria) e anexando progressivamente porções cada vez maiores de território em direção ao sul. Aos poucos, a Croácia e a Eslovênia se transformam em área de influência austríaca, o que explica o catolicismo dessas duas regiões, que fizeram parte da federação iugoslava até o início dos anos noventa e hoje são repúblicas independentes.
O atentado que mudou a história do mundo
Sarajevo, capital da Bósnia, era uma província austríaca em 1914. Foi lá que um estudante sérvio assassinou com um tiro o arquiduque da Áustria, incidente que fez o império austro-húngaro declarar guerra à Sérvia, dando início à Primeira Guerra Mundial. O atentado ocorreu em 28 de junho de 1914, quando Saturno avançava para formar conjunção com Plutão em Câncer. Quando o aspecto se tornou exato, a Europa já estava mergulhada na carnificina.
Com a derrota da Áustria e da Alemanha, em 1918, o reino da Sérvia conduziu o processo de unificação da península balcânica, reunindo sérvios, croatas, eslovenos, montenegrinos e kosovares sob uma única administração. Este reino, primeira versão da Iugoslávia moderna, surge sob uma conjunção Saturno-Netuno em Leão, literalmente dando forma (Saturno) a um ideal (Netuno) de grandeza (Leão).
Tudo isso durou pouco tempo: em 1941 as tropas nazistas invadem e ocupam a Iugoslávia, sob uma tríplice conjunção Júpiter-Saturno-Urano em Touro. A dominação nazista persiste durante o restante da Segunda Grande Guerra, quando a propaganda alemã, explorando a tradicional rivalidade entre sérvios ortodoxos e croatas católicos, contou com a decisiva colaboração destes últimos para efetivar o domínio dos Bálcãs.
Após a guerra, o carismático líder da resistência aos nazistas, Marechal Tito, consegue unificar outra vez o país numa federação e implantar um regime comunista a princípio alinhado com Moscou e, mais tarde, cada vez mais autônomo. A república é proclamada em 2 de dezembro de 1945 e o único aspecto importante entre geracionais é uma quadratura entre Júpiter e Saturno. Júpiter em Libra parece expressar o projeto do Marechal Tito de manter unida uma federação onde pululavam tantos nacionalismos irredutíveis (Saturno em Câncer).
Enquanto Tito viveu, a unidade iugoslava pôde ser mantida, mas tratava-se de um arranjo artificial, cuja precariedade revelou-se plenamente no final dos anos oitenta e início dos noventa, com a independência da Eslovênia e da Croácia e com a sangrenta guerra civil da Bósnia. As traumáticas transformações políticas da península balcânica são desencadeadas durante o tríplice encontro de Saturno, Urano e Netuno em Capricórnio – a mesma configuração do fim da União Soviética e da queda do muro de Berlim.
Esta foi a região mais conflitada da Europa nos anos 90: a antiga Iugoslávia era constituída pela Eslovênia e pela Croácia (ambas de religião católica e alfabeto ocidental), pela Bósnia (de maioria muçulmana mas com expressivas minorias sérvia e croata), pela Sérvia (de religião ortodoxa e alfabeto russo), pela Macedônia (com presença étnica de gregos e albaneses) e, submetidas à Sérvia, as regiões de Montenegro (que sempre foi cristã) e de Kosovo (onde predomina a população de etnia albanesa, em boa parte muçulmana). Da sequência de guerras civis entre 1991 e 2008, resultaram seis países independentes e ainda um sétimo – Kosovo – cuja autonomia não é amplamente aceita pela comunidade internacional.
Estilos oriental e ocidental de lidar com a diversidade étnica
O que se verificava na antiga Iugoslávia era o choque de dois modelos de autonomia nacional já antecipado profeticamente na década de trinta pelo historiador Arnold Toynbee, na obra L’Homme et L’Occident: de um lado, a visão ocidental de que a cada nacionalidade deve corresponder uma unidade política (o conceito de Estado Nacional); de outro, a visão oriental de que a cada nacionalidade deve corresponder um determinado conjunto de direitos, liberdades e prerrogativas. Mas qual a diferença?
No países da Europa Ocidental, como França, Inglaterra e Holanda, constituir um Estado Nacional não chegou a representar uma dificuldade incontornável, já que a cada nacionalidade correspondia uma base territorial contínua e claramente definida. Já na Europa Oriental, assim como no Oriente Médio, a tradição sempre fora a da constituição de impérios multiétnicos, em que diversas etnias compartilhavam o mesmo território, diferenciando-se cada uma pela adoção de uma atividade econômica e de uma função social exclusiva, que muitas vezes se traduzia por leis próprias.
Em Constantinopla, capital do Império Bizantino (que depois passou a ser capital do Império Otomano com o nome de Istambul), era exatamente assim: conviviam na mesma metrópole dezenas de nacionalidades, como se fossem camadas de um bolo que, apesar de superpostas, não se confundiam. A cidade tinha bairros gregos, armênios, búlgaros, italianos, judeus e assim por diante, sendo que cada grupo preservava sua língua, costumes, religião e formas de organização social e dedicava-se a uma atividade econômica específica. Era difícil ver, por exemplo, um armênio agricultor, já que tal atividade era quase uma exclusividade dos turcos da Anatólia. A diferenciação chegava ao ponto de afetar a aparência dos bairros da cidade, já que cada etnia deixava sua marca na adoção de uma arquitetura e de um padrão urbanístico inconfundível.
Tal modelo de mistura étnica no mesmo território estendeu-se por todas as regiões dominadas por bizantinos e turcos. Foi o que aconteceu também na Iugoslávia. Quando a Europa Oriental começa a importar o conceito ocidental de Estado Nacional (em que cada povo ocupa um território contínuo e tem um governo próprio), a impossibilidade de transplante do modelo revela-se de imediato, pois a realidade presente era (e ainda é) a da descontinuidade territorial: na Bósnia, por exemplo, uma cidade pode ter maioria sérvia e minoria croata, enquanto a cidade vizinha tem maioria muçulmana e minoria sérvia. Kosovo é uma província de maioria albanesa, o que não significa que não haja também uma forte presença sérvia. A única forma de promover a formação de um Estado Nacional nos moldes ocidentais é através da limpeza étnica, seja pelo transplante forçado de populações, seja pelo genocídio, puro e simples. O mesmo problema já ocorrera quando da divisão do Industão britânico em dois países independentes, Índia e Paquistão: a delimitação de territórios levou a uma guerra civil com massacres de ambos os lados, em que foram assassinados dez milhões de hindus e muçulmanos num curto período de dois anos.
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chiara Mazzoni diz
Concordo plenamente…conheço essa história parcialmente pois nasci em uma ilha do Adriático quando pertencia à Itália e sei muito bem a perseguição que meu povo sofreu….Um verdadeiro êxodo dos italianos da Istria…..eu tive a sorte de sair de lá antes de tudo isso acontecer!!!!!