Chacina na estrada: o Talibã entra em cena
A versão com mais ampla circulação entre os moradores de Kandahar, cidade próxima da fronteira paquistanesa, diz que um grupo de estudantes de uma madrasa (escola islâmica) chegou aos arredores da cidade em algum momento de 1994, com o objetivo de reconstruir a vida do grupo e restabelecer a lei e a ordem na região. Tomaram como residência uma escola na vila de Dand, próxima de Kandahar. Segundo Kawun Kakar, pesquisador do Institute for Afghan Studies, eis o que aconteceu a seguir:
Em 20 de setembro de 1994, uma família afegã foi detida em seu caminho de Kandahar para Herat, tendo seus homens agredidos e suas mulheres sequestradas pela gangue que administrava um dos pedágios ao longo da estrada. Uma das vítimas escapou e alcançou o recém-constituído acampamento talibã. Conta-se que o Mulá Omar e seus seguidores correram para o local do crime, capturaram os assassinos e executaram-nos de imediato. Em seguida, recolheram os corpos de todas as vítimas e cremaram-nos. É este o incidente que os próprios talibãs reconhecem como marco do início do início de sua campanha no Afeganistão. O Talibã então começou a tomar a iniciativa de desarmar outros grupos na região.
O crescimento do poder do Talibã aconteceu primeiro na região de Kandahar, e foi fruto de uma estratégia de alianças com comandantes locais das facções em luta e, quando necessário, também ocorreram alguns combates onde a obtenção de armamentos sempre era uma prioridade.
Pouco mais de um mês após o episódio da estrada de Herat, o Talibã faria sua primeira aparição no noticiário internacional. A história é a seguinte: em outubro de 1994, o governo do Paquistão decidiu enviar um comboio de caminhões através de estradas afegãs, com vistas a alcançar as repúblicas muçulmanas recém-surgidas na Ásia Central. A intenção do Paquistão era inaugurar simbolicamente uma nova rota comercial, assim como deixar patente a intenção de apoiar as novas repúblicas de maioria muçulmana, como o Uzbequistão e o Tajiquistão, surgidas com o desmembramento da União Soviética.
Ocorre que os “senhores da guerra” que controlavam os postos de pedágio perto de Kandahar tinham outros planos. O comboio foi detido e saqueado, o que gerou uma crise internacional. O Talibã, assumindo os interesses do Paquistão, enfrentou os guerrilheiros-raptores e não apenas conseguiu expulsá-los, como resgatar todo o comboio de caminhões. Em novembro de 1994 as estradas já estavam liberadas e Kandahar caíra em mãos do Talibã.
O incidente na estrada para Herat, na manhã de 20 de setembro de 1994, pode ser considerado o marco simbólico da entrada em cena do Talibã na vida política afegã. Os próprios talibãs valorizam a data e o evento, o que é um dado que não pode ser desconsiderado: em Astrologia Mundial, mais importante que o fato em si é o significado que se lhe atribui.
A carta que aqui apresentamos tem horário especulativo (sabe-se apenas que foi de manhã), mas parece-nos bastante plausível, já que enfatiza três traços que observamos na trajetória do movimento: a ligação do Talibã com assuntos Gêmeos/Mercúrio ou de casa 3, o projeto de controle social (Plutão no Ascendente) e o mistério que cerca o movimento (Mercúrio, ápice da quadratura T, na casa 12).
Mesmo que deixemos de lado a retificação e utilizemos apenas uma carta solar calculada para Kandahar às 12h LMT, já teríamos informações bastante reveladoras. A configuração que domina a carta é uma quadratura T reunindo Marte em Câncer, Urano e Netuno em Capricórnio e Mercúrio em Libra. O Sol em Virgem acaba de receber uma oposição da Lua. Voltemos ao já mencionado artigo de Kawun Kakar:
Se bem que não haja consenso sobre os eventos que dispararam o processo de ascensão, está claro que a popularidade inicial do Talibã deveu-se ao completo colapso da lei e da ordem durante a chamada era Mujahideen, iniciada oficialmente em 1992.
O Talibã e os valores virginianos
Quando consideramos os três mapas fundamentais para a compreensão do Talibã – o da primeira notícia sobre o movimento, em 1994 (mapa acima), o da tomada do poder, em 1996, e o da retomada do poder, em 2021, destacam-se fortemente o papel do planeta Mercúrio e dos valores associados ao signo de Virgem. Mercúrio dispõe do Sol em Virgem na carta de 1994 e está, ele próprio, em Virgem nas outras duas. É como se o regime talibã fosse uma expressão hipertrofiada e distorcida de uma configuração Mercúrio/Virgem.
Na carta de 1994, o Talibã condensa as expectativas de restabelecimento da ordem (Sol em Virgem) para uma população naquele momento submetida a uma situação de caos social, guerra civil e total perda de referências (Lua em Peixes e Netuno, regente moderno de Peixes, em oposição ao violento Marte e em conjunção ao desestabilizador Urano).
O dispositor do Sol é Mercúrio em Libra no ápice da quadratura T e ocupando, pois, um lugar de grande destaque neste mapa. A história da emergência do Talibã como facção política está carregada de conotações mercurianas, a começar pelo fato de que o Talibã recrutava seus membros entre estudantes das Deeni Madrasas (seminários islâmicos). Grupos que se denominavam talibãs já lutavam pela independência do Afeganistão em 1919, assim como na resistência à invasão soviética de 1979. Entretanto, não tinham ainda uma expressão política diferenciada.
Talib é uma palavra árabe que significa “aquele que busca”, mas cujo sentido normalmente é traduzido de forma restrita como “aquele que busca conhecimento religioso”. Em princípio, os seminários deveriam ser locais de ensino aprofundado do Islamismo (Júpiter), mas, em face da situação caótica do país, haviam-se transformado em algo semelhante a uma escola elementar (Mercúrio) onde a religião era transmitida rudimentarmente por instrutores semialfabetizados.
Mercurianas também são as estradas que proporcionaram o pretexto para as primeiras ações dos talibãs. Observe-se que eles ganharam popularidade contribuindo para restabelecer o transporte e as comunicações (assuntos de Mercúrio) entre regiões antes tomadas por facções rivais. Estas ocupavam principalmente as estreitas passagens (novamente Mercúrio) das regiões montanhosas (Capricórnio) e valiam-se da força das armas (Marte) para obter ganhos financeiros. Mercúrio em quadratura com Marte em Câncer e com Urano-Netuno em Capricórnio descreve bem o contexto das primeiras lutas do movimento.
O rigor moral do Talibã, aplicado especialmente às mulheres (a burca, a proibição de estudar, a segregação social) é outro traço que remete a Virgem – mais especificamente, no caso, ao Sol em Virgem oposto à Lua em Áries do mapa da emergência do movimento.
O Talibã é, ao mesmo tempo, um desdobramento e o fim da chamada era Mujahideen. Ou seja, trata-se de uma dentre as muitas facções étnicas em luta (a maioria dos talibãs pertence à etnia pashtun), mas é a facção que consegue impor-se temporariamente sobre as demais e estabelecer um novo ponto de equilíbrio mediante a introdução de um novo “pacto social” (Mercúrio em Libra). Este pacto social imposto a golpes de espada tinha por base a defesa estrita das tradições religiosas mais fundamentalistas, o favorecimento de algumas etnias, especialmente a pashtun, e o retorno ao passado em termos sociais e culturais.
Tudo isso remete ao simbolismo do eixo Câncer-Capricórnio. Já o fato de tal projeto ter sido levado a cabo com a violência que hoje se conhece fala a respeito da natureza da oposição Marte-Urano.
Comparando-se o mapa do Talibã com o do primeiro atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, observa-se que há visíveis paralelismos: em ambos, o Sol está em Virgem e Mercúrio, em Libra. A forte quadratura T unindo Marte, Netuno-Urano e Mercúrio no mapa do Talibã afeta em cheio a carta do primeiro atentado à torre, ativando a linha do meridiano. Marte, o planeta da guerra, do Talibã está sobre o Meio do Céu do mapa do atentado. Uma tradução adequada para isso seria a ocorrência de um evento público que traz honras para o guerreiro (uma súbita repercussão mundial), ou ainda uma provocação violenta (Marte) ao poder constituído (casa 10).
A sinastria com a carta da Independência dos Estados Unidos também indica vantagens para o Talibã. Em primeiro lugar, o Sol do mapa do movimento (indicado em amarelo) está no Meio do Céu dos Estados Unidos, indicando um acréscimo de poder ao grupo afegão pelo contato com as autoridades americanas. O contato não foi nada amistoso, mas trouxe, de qualquer forma, fortes ganhos de popularidade, poder e influência para esse obscuro grupo de fundamentalistas.
Em resumo: trata-se de um mapa bastante esclarecedor. A compreensão do quadro político-astrológico da Ásia Central depende em grande parte de mapas como o que apresentamos neste artigo. São fragmentos de um quebra-cabeça ainda não completamente decifrado.
Leia também:
Afeganistão: os senhores da guerra e o Talibã
A volta do Talibã ao poder no Afeganistão
Carlos Ronasi diz
Achei perfeito esse Mapa do Talibã de 20/09/1994, inclusive o Ascendente, os representa muito bem…. 😉
Alessandra diz
Não entendi o Mercúrio em Virgem do título. No mapa do Talibã ele não está em Libra? 🤷♀️🤷♀️
Redação Constelar diz
Olá Alessandra, obrigado por chamar a atenção para o título inadequado (já corrigido). Na primeira versão, os três artigos sobre o Afeganistão estavam reunidos num artigo só, e o título “Mercúrio em Virgem, mas pode chamar de Talibã” fazia todo o sentido, pois efetivamente é o posicionamento encontrado nos dois momentos de subida ao poder (1996 e 2021). Como o texto ficou muito longo, parti em três artigos e o título acabou ficando para a análise do único dos três mapas em que Mercúrio não está em Virgem – se bem que a relação permaneça, por ser o dispositor do Sol em Virgem. Acrescentei um parágrafo para fazer esta conexão.