Há mais de 2600 anos, o profeta Isaías previu o nascimento e a vida de um Messias, servo de Javé. Segundo narra o apócrifo Livro da Ascensão de Isaías, Capítulo III, o Bem-Amado viria “Do sétimo céu”, numa alusão ao mais elevado plano do astral. Desceria entre os homens assumindo sua forma; passaria por sofrimentos e rejeição e doutrinaria doze apóstolos. Falava também de “Sua crucificação na véspera do Sabbath entre dois homens da iniquidade, e [de] sua sepultura.” Seria o Salvador.
Para os fiéis, é inegável a realidade do Cristo, e a História também parece corroborar a existência de Jeshua bar Joshua (“Jesus filho de José”). Uma evidência é a carta (mencionada pelo semanário inglês Psychic News de abril de 1988) que Pilatos enviou ao imperador Tibério em 32 d.C., hoje em poder do Vaticano. Fala de um jovem que apareceu na Galileia “pregando o amor”. Teria uns 30 anos de idade e era aloirado.
Outro documento que menciona Jesus é a carta enviada pelo oficial romano Cornélio Lêntulo a um amigo no Senado. Lêntulo servia na Judeia no tempo de Pilatos, e sua carta falava de fatos que teria presenciado. “Apareceu aqui um homem de poder extraordinário, de nome Jesus. O povo o chama de profeta da verdade, seus discípulos dizem que é filho de Deus. É um homem de estatura alta e proporcionada, seu olhar é sempre severo. Quem olha para ele pode amá-lo ou temê-lo.” Após descrevê-lo fisicamente, conclui dizendo que “Nunca o viram rir, mas foi surpreendido chorando […] fala pouco, é grave e comedido. Justamente o chamam de o mais belo entre os filhos dos homens.”
Apesar dessas e de outras evidências, persiste ainda alguma dúvida quanto ao lugar de seu nascimento, e muitas com relação à data em que veio ao mundo.
O lugar
É quase unanimemente aceito como sendo Belém – Bayt Lahm ou Beth Lem (“casa do pão”). O grande sensitivo americano Edgar Cayce afirmava, na leitura 587-6, que Jesus teria nascido “Em Belém na Judeia, numa gruta que não está assinalada hoje em dia”. Mateus também diz, “Nascido Jesus em Belém da Judeia”.
O apócrifo Proto-Evangelho de Tiago fala da busca de um abrigo para o parto “para resguardar teu pudor”, nas palavras de José a Maria. “E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro”. Estavam no caminho de Belém, distantes desta uns 2 ou 3 quilômetros. Descrição semelhante é dada por outro livro apócrifo, o Evangelho Árabe da Infância, no Capítulo II.
Pais da Igreja como Justino (155 d.C.) e Orígenes (215 d.C.) citam a gruta de Belém. Este último diz que ela é “muito conhecida na região, mesmo entre os estrangeiros. É venerada como o lugar onde Jesus viu o dia.”
Sobre a gruta citada por Orígenes foi erguida, no ano 325, a Basílica da Natividade. Ela é pequena: tem 15 metros de comprimento por 5 de largura. Ao fundo, no centro de um semicírculo de mármore castanho, uma estrela de prata leva a inscrição: “HIC DE VIRGINE MARIA JESUS CHRITUS NATUS EST”. Adiante da estrela, o altar da manjedoura simboliza o lugar exato da vinda de Cristo de acordo com a tradição.
A polêmica fica por conta de Rénan, principal investigador moderno do cristianismo. Ele alega que Nazaré da Galileia foi o verdadeiro lugar do Natal, e que Belém teria sido adotada por motivos políticos. Há dois argumentos, no entanto, que colocam por terra as alegações de Rénan.
Um deles provém de Spencer Lewis – autor Rosacruz de altíssimo escalão e que empreendeu uma excursão arqueológica à Palestina – que alega não ter existido, na Galileia do tempo de Jesus, nenhuma cidade com o nome de Nazaré. Diz Lewis que a cidade hoje assim chamada recebeu o nome a pedido de muitos (religiosos, supõe-se) que instaram para que existisse uma aldeia de Nazaré. Mesmo tendo existido a cidade na época de Cristo (admitindo algum engano de Lewis), pode ser que ele tivesse recebido a alcunha por morar ali.
O segundo é a explicação do termo nazareno, empregado em relação a Jesus e que dá origem a toda essa confusão. “Nazareno”, no caso do Mestre, não é um toponímico, mas o indicador de alguém que, como ele, não era da mesma religião dos habitantes de um lugar e que se conduzia de acordo com um código moral diferente do judaico. As enciclopédias religiosas falam que nazarenos e essênios tinham muitos pontos em comum, o que corrobora a hipótese que muitos têm abraçado: a de Jesus ter sido um iniciado essênio.
Os calendários
A polêmica levantada com essas leituras põe em destaque o problema dos calendários. O primeiro deles foi o romano, baseado na data de fundação de Roma.
Roma era a “capital do mundo” na época dos Césares, e por isso a data de sua fundação (753 a.C., segundo o historiador Varrão) servia de marco inicial para a contagem dos anos. A pedido do imperador Justiniano, um monge chamado Dionísio Exíguo preparou em 526 d.C. um novo calendário, tomando por base o nascimento de Jesus e não a fundação de Roma. Só quando a troca já tinha sido feita é que se observou que Dionísio teria cometido um erro ao fixá-la em 753 AUC (“da fundação de Roma”). Deveria tê-lo feito em 749 ou um a dois anos antes, mas se esqueceu de intercalar o ano “zero”. Além disso, não se lembrou de contar os quatro anos em que Augusto reinou com seu nome próprio, Otávio.
O seguinte foi o juliano, tendo esse nome por ter sido estabelecido por Júlio César. Divide o ano em 365 dias, somando um dia a cada quatro anos (ano bissexto).
Finalmente, o calendário gregoriano, instituído pelo papa Gregório XIII em 4 de outubro de 1582, tornando o dia seguinte 15 e não 5 de outubro. Foi constatada, nessa época, uma defasagem sensível de dias desde o início de uso do calendário juliano. Pelo gregoriano, removem-se três dias a cada quatro séculos; se um ano termina em duplo zero, ele só será bissexto se for divisível por 400. Por definição, 400 anos contém 146.097 dias, o que dá ao ano civil a duração de 365,2425 dias. Tal valor está bem próximo do ano tropical, com duração de 365,2422 dias. O papa Gregório aboliu os dias 5 até 14 de outubro de 1582 para corrigir a diferença acumulada.
Nem todos os países adotaram o calendário gregoriano ao mesmo tempo. A Rússia, por exemplo, só foi adotá-lo em 14 de fevereiro de 1918! As datas de nascimento de séculos antigos podem causar confusão, e é preciso notar se a data está no estilo juliano (abreviada por O.S.-“Old Style” ou estilo antigo) ou gregoriano (N.S.-“New Style” ou estilo moderno). Citando um exemplo, Leonardo da Vinci nasceu a 23 de abril (N.S.) ou a 14 de abril (O.S.) de 1452.
A mais importante dentre essas diferenças de calendário, no entanto, é a seguinte: no calendário gregoriano proléptico (que estende as alterações introduzidas pelo próprio a dias e anos anteriores à sua adoção) o ano 0 (zero) é contado como 1 (um). Augusto César, por exemplo, nasceu a 23 de setembro de 63 a.C. (O.S.) ou a 21 de setembro de 62 a.C. (N.S.). Como se vê, além da diferença em dias, surge a diferença do ano.
Finalmente, e como consequência do acima exposto, existe uma diferença entre a contagem astronômica e a contagem de calendário. Por esse motivo, grafa-se ano 7 a.C. ou então ano -6; são a mesma coisa.
O ano
O papa João Paulo II disse numa palestra que não se conhece a data de nascimento de Jesus, e que a antiga questão permanecia em aberto. Segundo ele, Jesus poderia ter nascido quatro anos antes da Era Cristã.
Na leitura 587-6 de Cayce, ele responde à pergunta sobre o verdadeiro Natal, dizendo que teria ocorrido “No décimo-nono dia do que hoje se chamaria o mês de março”. O ano, para ele, “Depende do calendário que se utiliza; segundo o juliano, no ano 4 [a.C.]; segundo o calendário mosaico, ou hebraico, no ano 1899 [?]”.
Noutra leitura (5749-8), ele diz que a data comemorada hoje é correta! Complicando mais ainda a questão, ele fala em seis de janeiro, à meia-noite (“Just as the midnight hour came, there was the birth of the master”).
Tais discrepâncias chamaram a atenção do grupo de pessoas que habitualmente fazia perguntas para Cayce. Porisso, numa leitura posterior (2067-7), ele respondeu à dúvida das variações dizendo que “As duas datas são justas, depende do calendário usado para contar. Quantas vezes os cálculos foram feitos e refeitos? Deve-se levar em conta os diferentes calendários, seguindo a cronologia dos eventos.” Antigamente, eu me inclinei a aceitar a data proposta por Cayce, mas, como se verá mais tarde, preferi a data proposta por Laurence Gardner.
O Dicionário das Religiões organizado por John Hinnells fala de Jesus Cristo no verbete com essa entrada. Diz que ele teria nascido “[…] Por volta de 5 AEC (antes da era comum, sigla que tem substituído gradualmente a outra que se refere a Cristo para evitar proselitismos)”.
Sabemos que Jesus nasceu na época de Herodes, o Grande, conforme os Evangelhos. Mateus (2:3) dizia que Jesus veio “nos tempos do rei Herodes”. Josefo diz que alguns fanáticos assaltaram o templo menos de um mês antes da morte de Herodes. No dia que mandou matar esses invasores (13 de março de 4 a.C.), houve um eclipse lunar, visível da Judeia. Como de hábito, ele foi tomado como mau presságio para Herodes, que morreu na Páscoa (portanto, em abril) desse ano. Assim, Jesus nasceu antes de 4 a.C.
Lucas, porém, afirma que o Natal deu-se no ano do censo judeu do imperador Augusto, quando Cyrenius era governador da Síria. Deu-se (cfe. Josefo) no último ano do reino de Arquelau, deposto em 6 d.C.
Como explicar essa discrepância de 9 anos? Laurence Gardner, em seu The Magdalene Legacy (pp. 121-126) diz que o “nascimento” era um evento duplo: havia o nascimento físico, evidentemente, e depois o nascimento para a comunidade, e este seria o evento narrado por Lucas. Na tradição essênia, esse nascimento na comunidade precedia o bar mitzvah e dava-se doze anos após o nascimento físico. Gardner diz que isso leva o nascimento físico a 7 a.C.
Ainda em Lucas (2:41-50), Gardner aponta um erro de interpretação: Jesus teria sido levado ao templo de Jerusalém “aos doze anos”, mas não após o nascimento físico, e sim, depois do nascimento na comunidade, em seu aniversário de 24 anos! O evento deu-se na festa judaica de Pessach. Mas, em que dia isso se deu?
Lucas (2:11) diz, “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor”. Gardner diz que a terminologia usada para datas especiais era “este dia”, “naquele dia”, “no outro dia” e “no último dia”. No texto original de Lucas, diz-se “For unto you is born this day…” O primeiro dia de um mês era identificado como “this day”, o que nos aponta para um dia primeiro.
E de que mês? No domingo antes da Páscoa de Nisan (março). Daí a conclusão de Gardner: Jesus teria nascido no dia 1º de março de 7 a.C. (ou -6).
O que é espantoso – uma vez que Gardner faz uma análise de textos históricos e sagrados – é encontrar astrólogos e astrônomos que veem na conjunção Júpiter-Saturno, ocorrida em 7 a.C., a Estrela de Belém.
Essa posição planetária se repete a cada 20 anos e tem grande luminosidade, pois reúne os dois gigantes do sistema solar. Esses pesquisadores falam que essa mesma conjunção teria ocorrido em fins de março de 571 d.C., quando nasceu outro Mestre, Maomé. Esse fato corroboraria, para eles, a hipótese de 7 a.C.
E há argumentos interessantes a respeito: Um pesquisador austríaco, Ferrari d’Ochieppo, diz que a simbologia de Júpiter (divindade suprema) em conjunção com Saturno (o povo hebreu) na segunda metade de Peixes (a Palestina) foi uma indicação clara para os reis Magos: um rei do povo hebreu nasce na Palestina. De se lembrar, ainda, a tradição que vê em Jesus o avatar da Era de Peixes.
Talvez seja útil, antes de prosseguirmos na elucidação desse mistério, conhecer melhor esses personagens que costumamos associar aos presentes de Natal: os Magos. É o que veremos no segundo artigo desta série.