O Islamismo, religião baseada nas revelações recebidas pelo profeta Maomé (forma ocidentalizada de Muhammad) e consubstanciadas no livro sagrado Corão, ou Alcorão, considera como marco inicial de seu calendário o dia 22 de setembro de 622, data em que Maomé e seu discípulo Abu-Bekr, fugindo da perseguição movida por comerciantes de Meca, chegaram à cidade árabe de Yatrib ou Al-Madina (Medina), no episódio que é conhecido como Égira (Hégira ou Hijr), ou Emigração.
Não nos arriscaremos a interpretar em detalhes uma carta levantada para esta data, até porque os episódios que caracterizam a emergência do Islamismo como religião organizada estendem-se por um período bem mais amplo. Contudo, um aspecto destaca-se na carta, por envolver planetas geracionais e, consequentemente, muito lentos. Trata-se da conjunção de Urano e Netuno nos primeiros graus de Virgem, um aspecto que não se repete com muita frequência, definindo o início de um ciclo ao qual normalmente correspondem acontecimentos significativos e de largo alcance na esfera coletiva.
O símbolo tradicional do Islamismo, inscrito na bandeira nacional de vários países muçulmanos, é a lua em quarto crescente acompanhada de uma estrela – na verdade, o planeta Vênus. Trata-se de uma religião que cultua valores lunares, em oposição ao Cristianismo, onde predominam referências solares. No mapa do início do calendário muçulmano, a Lua está no final de Aquário e próxima da posição de Júpiter, no último grau do signo. Lua em Aquário? O que pode significar?
Entre a tolerância e a obstinação
Aquário é signo de Ar, relacionado ao mundo das ideias e ideologias. O Islamismo não é – jamais foi – apenas uma concepção místico-religiosa, mas também um projeto social, que pressupõe uma nova forma de organização da comunidade e uma interferência permanente na vida política. Lua em conjunção com Júpiter em Aquário é um aspecto que expressa uma utopia social, uma proposta generosa e inclusiva que transcende fronteiras étnicas e barreiras geográficas. A oposição de Júpiter a Netuno-Urano reforça o sentido utópico desta carta e simboliza um dos maiores pilares da cultura islâmica: a prevalência do coletivo sobre o individual. O bem comum é tudo, não comportando manifestações pessoais que o coloquem em risco. Trata-se de uma civilização de massas, comprometida com um projeto tão abrangente que, quando distorcido, assume dimensões totalitárias. Neste sentido, opõe-se filosoficamente à ideologia do mundo ocidental e cristão, onde, especialmente nas regiões onde a Reforma Protestante teve sucesso (inclusive os Estados Unidos), a liberdade individual e a livre iniciativa são valores elevados à condição de tabus.
Paradoxalmente, a Lua dos Estados Unidos e do advento do Islamismo estão no mesmo signo, o que deveria indicar uma identidade de padrões de comportamento coletivo. Ocorre que Aquário é signo mental e fixo, tendendo a preservar valores intelectuais e a resistir a tentativas de cooptação. O mundo islâmico e os Estados Unidos são ambos teimosamente independentes em suas concepções e na forma de reagir emocionalmente a qualquer tentativa externa de modificá-las. Netuno, igualmente, está no mesmo signo de Virgem em ambas as cartas, o que mostra que as culturas islâmica e americana reagem da mesma forma crítica e seletiva a questões que digam respeito a sonhos e utopias. Com Netuno em Virgem, a utopia do outro tende a ser discriminada e vista com desconfiança.
Outro aspecto significativo do mapa do advento da religião de Maomé é a conjunção de Vênus e Marte no intenso e passional signo de Escorpião, ambos em quadratura com Saturno em Leão. Em Escorpião há a disposição para o tudo ou nada, que pode levar à ação sacrificial por uma causa e à crença na possibilidade de uma transmutação que, no caso de Vênus e Marte, refere-se aos princípios do desejo e de sua realização. Daí, por exemplo, o fenômeno, em algumas seitas radicais, da erotização de um paraíso celestial cheio de fartura e belas mulheres, visão que impulsionou milhares de guerreiros a ações kamikazes em guerras santas (as jihads) e, ainda hoje, às ações de homens-bomba ou pilotos suicidas: o prazer viria depois da morte e da destruição do corpo, sendo que a postergação do desejo encontra sua expressão astrológica na quadratura de Vênus-Marte com Saturno (o resfriamento e a contenção). Concentração, dedicação absoluta, disciplina e seriedade são outros atributos desta configuração. Da mesma forma, sentimentos de menos valia estão associados a aspectos tensos de Saturno, gerando movimentos de desconfiança e de autoafirmação diante de representantes de outras culturas.
Sempre que exerceram função hegemônica, as grandes civilizações islâmicas tenderam à tolerância e à integração dos vencidos – mesmo quando se tratava de cristãos. Árabes, turcos, mouros da Península Ibérica e mesmo mongóis se comportaram assim, demonstrando uma capacidade muito maior de conviver com as diferenças culturais que os povos do ocidente. Por outro lado, quando em condição adversa, a energia fixa e concentrada de Escorpião, Leão e Aquário leva o Islã à reação obstinada e violenta.
Saturno em Leão expressa um arquétipo comum em líderes muçulmanos, tanto os mais positivos – a figura do califa ou do sultão sábio e magnânimo – quanto os mais negativos, de que Osama bin Laden é um exemplo recente. Muitos chefes muçulmanos adotaram, aliás, o leão como um símbolo pessoal.
Uma civilização refinada
A ênfase aquariana responde pela enorme importância da vida intelectual e do refinamento cultural na civilização islâmica, cuja maior contribuição para a humanidade foi a preservação e ampliação, com contribuições originalíssimas, do acervo de conhecimentos do mundo clássico. Basta lembrar que, durante séculos da era medieval, a luz do progresso esteve em cidades muçulmanas como Bagdá, Cairo, Samarcanda e Córdoba, muito mais do que na Cristandade. Por outro lado, a mesma dimensão aquariana, quando em suas piores manifestações, conduz a uma inflexibilidade e a uma rigidez de princípios cujo melhor exemplo contemporâneo são os talibãs do Afeganistão.
Durante séculos, também, o convívio entre muçulmanos e judeus foi caracterizado mais pela tolerância do que pelo conflito aberto. Quando os judeus foram expulsos da Península Ibérica, em 1492, o Sultão do Império Otomano (atual Turquia) recebeu em seu vasto território grandes levas de refugiados. As comunidades judaicas integraram-se ao grande império islâmico numa colaboração produtiva que durou séculos, ali encontrando um espaço de expressão que jamais existiu no ocidente cristão.
A instalação do Estado de Israel, apoiado por potências ocidentais, em territórios do Oriente Médio foi vista pelos árabes, num primeiro momento, e por quase todo o mundo muçulmano, mais tarde, como um ato de agressão. O conflito com os judeus é a continuação do conflito com o modo de vida ocidental, iniciado ainda na Idade Média. Israel não representa um risco para o mundo islâmico por ser Israel, mas sim por ser um país alinhado com o Ocidente.
Tratamos muito genericamente da carta da data inicial do calendário islâmico, já que seria tempo perdido tentar traçar um mapa exato para a chegada do profeta Maomé em Medina. Contudo, tal acontecimento ocorreu com diferença de apenas um dia em relação a um evento considerado altamente significativo do ponto de vista da Astrologia Mundial: o ingresso solar de outono para o hemisfério norte, que se deu em 21 de setembro daquele ano, à 1h15 da madrugada (hora local) em Medina, Arábia.
Ingressos solares são cartas calculadas para o momento exato da entrada do Sol nos signos cardinais, abrindo as estações do ano. As cartas de ingresso costumam ser utilizadas para previsões válidas para três meses – a duração da estação. A exceção é a carta do ingresso solar de primavera do hemisfério norte, que corresponde à entrada do Sol em Áries e define o início de um novo ciclo zodiacal, sendo utilizada para previsões anuais. A real importância e a utilidade prática desta técnica são tema de muita controvérsia, mas podemos tentar uma rápida análise do Islã em função da carta de ingresso.
Saturno e o desafio do Islã
O Ascendente está em Câncer – signo da Lua, de tanta importância para o mundo islâmico (o calendário muçulmano é lunar, com duração diferente do calendário ocidental). Saturno em Leão ocupa a casa 1 e forma uma oposição quase exata à Lua em Aquário na casa 7. Ambos os planetas fecham quadraturas com Vênus e Marte na casa 4. Marte é um dos dois planetas em domicílio nesta carta. O outro é Mercúrio em Virgem junto à cúspide da casa 3, sinalizando para o papel da vida intelectual no Islã, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento do pensamento lógico-matemático e à ênfase na transmissão regular do conhecimento mediante o ensino organizado. O Sol em Libra na casa 3 é outro indicador da importância da vida cultural e do papel do mundo islâmico como ponte de trocas civilizatórias entre o Oriente e o Ocidente. Já Plutão no Meio-Céu fala do tremendo impacto que o Islã estava destinado a ter no curso da história. Todas as regiões conquistadas durante as jihads islâmicas ou convertidas à nova religião sofreram transformações radicais e definitivas. Foram mudanças sem retorno, típicas de Plutão.
A configuração tensa unindo Saturno, Lua, Vênus e Marte em signos fixos fala da concentrada intensidade com que o Islã afirmou sua própria identidade civilizatória (Saturno na casa 1) e definiu um espaço territorial (casa 4). Saturno, planeta individualizador, rege a 7 (a relação com os diferentes) e está na casa 1 (autoimagem); já a receptiva Lua, regente da 1, está na 7, num significativo jogo de troca de regências. Parece que o grande desafio que se colocou para o Islã, desde o primeiro momento, foi o de encontrar uma forma própria de manifestação de tudo aquilo que era absorvido de outras culturas. Neste sentido, trata-se de uma civilização de síntese e de reciclagem, o que bem se revela nas quadraturas de Saturno e Lua a Marte-Vênus em Escorpião. O Ocidente, contudo, parece enxergar no Islã apenas a faceta guerreira e intolerante.
Cabe deixar claro que o sentido do termo jihad não é exatamente o de guerra santa, mas sim de investimento de esforço (Saturno) para a consecução de um objetivo. Eventualmente, tal esforço pode significar o sacrifício em defesa da fé, mas o Corão não estimula o suicídio nem promete a premiação no além para aqueles que o praticam em atos terroristas. Pregações radicais como a da organização terrorista Al-Qaeda e dos talibãs são um desvirtuamento do Islã, em essência uma religião tão generosa em seus princípios quanto o Cristianismo. Homens-bomba e pilotos que lançam aviões de passageiros de encontro a edifícios são apenas a faceta mais primitiva e mais cruel do amplo simbolismo Escorpião-Plutão que encontramos no mapa do ingresso solar em cuja vigência o profeta Muhammad chegou a Medina.