A Rede Globo aproveitou o ano novo de 2014 para lançar mais uma de suas minisséries: O Tempo e o Vento, livremente baseada na consagrada obra O Continente, de Érico Veríssimo. Na verdade, a minissérie nada mais é do que o desdobramento em capítulos do filme de mesmo nome, lançado em 27 de setembro de 2013. Contudo, é fora de dúvida que a estreia na TV dá uma dimensão especial a esta produção, tornando-a acessível a milhões de espectadores e popularizando em nível nacional os personagens do imaginário gaúcho.
O mapa da estreia televisiva destaca de imediato o Ascendente em 26º de Leão e o stellium de casa 5 (a casa dos romances e das aventuras), na qual encontramos o Sol envolvido numa forte e marcante Grande Quadratura.
Nesta carta, o Sol, regente do Ascendente, está em Capricórnio (signo de Saturno, o senhor do tempo) e em quadratura com Urano, um significador de vento. A presença de Urano, Marte, Júpiter e Plutão em aspectação tensa com o Sol é totalmente concordante com o tom épico da narrativa, marcada pela intensidade do ódio entre duas famílias, pelos conflitos permanentes e pelos lances heroicos que envolvem uma multidão de personagens.
Não custa acrescentar que a estreia de O Tempo e o Vento nos cinemas ocorreu em 27 de setembro de 2013, com o Sol em Libra formando oposição a Urano em Áries e quadratura a Plutão em Capricórnio.
A nova minissérie lembra de imediato a temática e a ambientação de uma outra produção da Rede Globo, que obteve grande sucesso no ano de 2003: a adaptação do livro A casa das sete mulheres, da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski.
O pano de fundo de A casa das sete mulheres são os dez anos da Farroupilha, a guerra civil que ensaguentou o sul do país entre 1835 e 1845 e colocou em campos opostos as autoridades imperiais e os estancieiros do interior da província de São Pedro.
Ao levantarmos o mapa da estreia de A casa das sete mulheres, ocorrida pontualmente às 22h do dia 7 de janeiro de 2003, registramos a primeira surpresa: o Ascendente também se encontra em 26º de Leão — o mesmíssimo grau de O Tempo e o Vento — e em fechada oposição a Urano, o mesmo planeta que aspecta o Sol nos dois mapas desta versão contemporânea de O Tempo e o Vento!
São, portanto, duas produções que exploram o rico repertório dramático dos conflitos gaúchos e compartilham dois fatores: a ênfase no grau 26 de Leão e o vínculo tenso entre Urano e fatores pessoais da carta (o Ascendente, o Sol). Simples coincidência?
As ativações de Urano no mapa de Érico Veríssimo
Uma rápida olhada no mapa de Érico Veríssimo, o autor da saga que primeiro acendeu o interesse pelas raízes gauchescas, revela que não. Érico nasceu em Cruz Alta, em 17 de dezembro de 1905, em horário não conhecido. Sua carta solar apresenta três planetas pessoais em Sagitário: Vênus, Mercúrio e Sol. A Lua está em algum lugar entre os últimos graus de Leão e os primeiros de Virgem, podendo até mesmo encontrar-se naquele concorrido grau 26 de Leão!
Durante a década de quarenta, Érico viveu um tempo nos Estados Unidos. Começou a conceber o projeto de O Tempo e o Vento com Urano transitando em Gêmeos, oposto a Vênus natal. Já de volta ao Brasil, em 1947, iniciou a produção da primeira parte da obra, exatamente a mais importante: O Continente, onde surgem os personagens Ana Terra, Bibiana e o Capitão Rodrigo.
Naquele momento, Urano em trânsito fazia oposição a seu Mercúrio natal. O Continente foi publicado em 1949, assim que Urano em trânsito fechou a oposição ao Sol de Érico. Para completar a analogia, a primeira das duas adaptações televisivas mais antigas da obra aconteceu em 1967, na forma de uma novela da extinta TV Excelsior, com Urano transitando em quadratura ao Sol de Veríssimo; a segunda teve lugar quase vinte anos depois — uma minissérie lançada pela TV em 22 de abril de 1985, com Glória Pires no papel de Ana Terra.
Naquele momento, Urano em trânsito entrava em conjunção com Mercúrio e Sol do mapa de Érico Veríssimo.
Observe-se a posição de Urano em trânsito quando da publicação da primeira parte de O Continente e quando da estreia das duas primeiras versões para a TV, em 1967 e em 1985. O desenho formado é de uma quadratura T, sempre afetando Mercúrio e Sol da carta natal de Érico Veríssimo.
(Depois de tantas evidências, provavelmente ninguém estranhará que Letícia Wierzchowski, autora de A casa das sete mulheres, tenha nascido sob um trígono quase exato entre Sol e Urano.)
O mapa da Revolução Farroupilha
O povo do extremo sul do Brasil tem uma longa história de lutas, que se iniciam ainda no século XVII. Diversos acontecimentos poderiam ser tomados como base para o levantamento de uma carta-matriz para a identidade política, cultural e étnica do Rio Grande do Sul, mas o divisor de águas que os próprios gaúchos elegeram foi a tomada de Porto Alegre pelos estancieiros revoltados contra a política tributária do Império. O ato, conduzido por um grupo de aproximadamente cem combatentes sob a liderança de Bento Gonçalves, define o início da Revolução Farroupilha e mergulha toda a região em dez anos de confronto permanente, de que resulta a perda de mais de três mil vidas.
As fontes históricas divergem um pouco nos detalhes e são omissas com relação ao horário exato dos acontecimentos, mas tentemos levantar a cronologia da tomada de Porto Alegre, em 20 de setembro de 1835:
18 de setembro — Bento Gonçalves, Onofre Pires e Gomes Jardim, acompanhados de mais de uma centena de adeptos, montam um acampamento a céu aberto na estância das Pedras Brancas, um ponto elevado próximo de onde é hoje o centro da cidade de Guaíba. De lá, disfarçados à sombra de um cipreste, os futuros líderes da revolução podem observar Porto Alegre, do outro lado do lago, e traçar os planos para a invasão.
A cidade de Guaíba, antigamente chamada Pedras Brancas, autodenomina-se o “berço da Revolução Farroupilha”. O cipreste sob o qual ocorreram as confabulações está hoje presente na bandeira, no brasão e no hino do município. Contudo, a conspiração começara ainda no interior, e vinha sendo desenvolvida há vários meses, envolvendo membros da Assembleia Provincial e de lojas maçônicas.
19 de setembro, à noite — As forças de Bento Gonçalves deslocam-se com cuidado até a praia da Alegria e cruzam o lago Guaíba em pequenos barcos, evitando a todo custo serem vistas pela canhoneira imperial ancorada na enseada, do outro lado. Ao que tudo indica, os homens de Onofre Pires já haviam chegado às costas de Porto Alegre utilizando outro caminho. O ponto de encontro de todos os revoltosos foi o morro da Azenha, fora dos limites da cidade (hoje, Azenha é um bairro da capital).
20 de setembro, de madrugada — Todos juntos, os revoltosos descem o morro e tentam cruzar a ponte sobre o arroio Dilúvio para alcançar a cidade. Na ponte, enfrentam e vencem uma guarnição imperial. Estava aberto o caminho para a tomada de Porto Alegre. No amanhecer do dia 20, a população já saúda a passagem dos farroupilhas. O presidente da província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga, foge para a cidade de Rio Grande e deixa a capital à mercê da revolução.
A questão astrológica é determinar o momento exato do início do combate pelo controle da ponte. Naquele dia, o sol despontou às 5h56 (hora local), e sabemos que, naquele momento, Porto Alegre já havia caído. Os Ascendentes possíveis entre o início da madrugada e o despontar do sol são Gêmeos, Câncer, Leão e Virgem.
Naquela noite, a lua minguante nasceu no horizonte leste apenas às 4h30 da manhã, hora local. A distância entre o topo do morro da Azenha e a ponte sobre o arroio Dilúvio não é das maiores. Contudo, o terreno desconhecido e em declive poderia representar uma grande dificuldade numa situação de completa escuridão.
Nossa hipótese é que o sinal para a invasão tenha sido exatamente o surgir da lua, que proporcionou a luminosidade mínima para a identificação do caminho e o vislumbre da tropa inimiga. É para este momento, pois, que calculamos o mapa especulativo do início da Guerra dos Farrapos e, por extensão, a carta-matriz do Rio Grande do Sul.
O mapa especulativo revela uma Lua em Leão — mais exatamente em 26º de Leão — plantada no Ascendente, também em 26º de Leão — e oposta a Urano em Aquário na casa 7. Daí, começamos a perceber que os mapas de A casa das sete mulheres e de O Tempo e o Vento não são casuais, pois reverberam fatores já presentes na carta-matriz do Rio Grande do Sul: a reiteração do grau 26 de Leão e da tensão entre Urano e fatores pessoais da carta (Sol, Lua ou Ascendente).
Mesmo que o Ascendente não esteja exatamente aí, a simples presença do eixo Lua-Urano entre Leão e Aquário já seria suficiente para despertar nossa atenção e lembrar como a interpretação astrológica se constrói pela reiteração de ciclos e ressonâncias.
De qualquer forma, qualquer mapa calculado a partir da 1h05 daquela madrugada já teria a Lua em destaque, seja como regente do Ascendente (Câncer) seja presente na casa 1 (a partir das 3h05 da madrugada, com Ascendente em Leão). Não é crível que a invasão tenha começado após as 4h30 da madrugada, pois os homens de Bento Gonçalves, todos acostumados com a vigília do gado nas madrugadas pampeanas, sabiam perfeitamente que, quanto mais a lua subisse no horizonte, mais risco haveria de que os imperiais os percebessem de longe, durante a descida do morro.
Lua em Leão oposta a Urano em Aquário… o que pode significar no mapa de uma coletividade inteira? Pessoas com Lua em Leão tendem a expressar as emoções de maneira hiperdemonstrativa, com um certo viés para o comportamento dramático (ou, eventualmente, circense). Ser o centro das atenções e obter o reconhecimento e atenção dos demais são necessidades reais aqui.
Cabe lembrar que a Lua não expressa os talentos mais essenciais de um indivíduo, mas sim seu padrão reativo, a programação de resposta a situações de estresse, o comportamento instintivo que se traduz no reflexo condicionado e não elaborado.
Oposta ao imprevisível Urano, a Lua em Leão tenderá a agir por rompantes. Rasgos de generosidade que se alternam com explosões de violência, tudo com a velocidade do raio. Urano reforça a valorização do grupo, em situações de distensão, mas exacerba rapidamente o individualismo e a separatividade em situações de conflito. Este aspecto certamente não indica um boa capacidade de negociação, nem valoriza a sensatez.
Aplicada à análise coletiva, a configuração guarda relação com a disposição gaúcha para a autossuficiência (as tentativas de tornar-se independente do resto do Brasil), sem ser, porém, a única explicação para esta característica.
A supervalorização do nativismo gaúcho, fenômeno relativamente recente, teve sua origem em 5 de setembro de 1947, com a organização de um piquete de oito gaúchos pilchados (vestidos com trajes da tradição regional) para montar guarda aos restos mortais do General Canabarro, que estavam sendo trasladados para a capital. Daí começa a mobilização que resultará na fundação do primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas), o 35, criado por estudantes de Porto Alegre no início de 1948.
A partir daí, o Rio Grande do Sul reconstruiu (ou ao menos reelaborou e refinou) sua identidade coletiva em função de três eixos distintos: o culto à rebeldia heroica do passado, a supremacia dos valores da cultura rural do pampa, tomados à conta de símbolos de todo o estado, e a valorização da singularidade gaúcha na linguagem, na música, no vestuário e na alimentação. Hábitos difusos transformaram-se em verdadeiro culto, elementos do cotidiano das estâncias foram elevados à condição de símbolos estaduais.
O processo de construção intencional da identidade coletiva ocorre em toda parte, em todas as culturas. Em nenhum lugar do Brasil, porém, foi tão forte quanto no Rio Grande do Sul, e com tanto respaldo popular.
Restam, então, duas perguntas: por que os gaúchos precisaram construir para si próprios uma imagem tão exagerada de heróis rebeldes, associada ao eixo Leão-Aquário? E, se esta é apenas a casca mais aparente da identidade astrológica, quais são os verdadeiros significadores do Rio Grande?
Uma pista: a ressureição do tradicionalismo gaúcho, via CTGs, e a construção do mito de origem riograndense, através da obra literária de Érico Veríssimo, ocorrem em concomitância com a conjunção de Saturno-Plutão em Leão, de 1947. Um dos significados básicos dos contatos tensos Saturno-Plutão é xenofobia. Que mapas anteriores esta conjunção vinha ativar?
O mapa da Farroupilha e a mudança climática
Nove em cada dez astrólogos gaúchos dirão que Escorpião é o signo que melhor reflete a natureza da coletividade a que pertencem, uma afirmação que é tão verdadeira quanto uma nota de três reais. A verdade está em outra parte. E, como a história é longa, ficará também para outro artigo.
A tragédia ambiental que se abateu sobre o Rio Grande do Sul em maio de 2024, repetindo, em escala muito ampliada, os estragos provocados pelas chuvas de 2023, traz um forte elemento de validação para a carta defendida neste artigo. A última conjunção Júpiter-Urano em Touro, exata em 20 de abril, ocorreu já em órbita de quadratura com o eixo Ascendente-Descendente do mapa da Invasão de Porto Alegre, marco simbólico do início da Revolução Farroupilha.
A conjunção se deu na casa 9, das grandes distâncias, indicando que a origem última do fenômeno não foi de natureza local, mas envolvia mudanças do padrão climático de longo curso e que afetavam vastas áreas geográficas. Contudo, a partir daquela conjunção Júpiter aproximou-se rapidamente da quadratura com o eixo do Ascendente da Farroupilha, afetando de maneira cada vez mais intensa a oposição Lua-Urano. O auge do aspecto, quando tornou-se exato, foi na semana de 8 a 15 de maio. Basta explorar o noticiário desses dias para verificar a dimensão que as inundações tomaram no período.
No mapa da Farroupilha, Júpiter rege a casa 4, do território, das bases e da atividade agropecuária, entre outros significados. Sagitário no Fundo do Céu corresponde a alguns símbolos fortemente valorizados na cultura nativista gaúcha, como os grandes horizontes da região pampeana e também a importância das colônias de imigrantes na formação da base étnica do estado (sem falar no herói gaúcho montado a cavalo).
A primeira versão deste artigo foi publicada em Constelar em 2013. Os acontecimentos de 2024 parecem, portanto, fortalecer a tese da importância do grau 26 do eixo Leão-Aquário para a compreensão astrológica do Rio Grande.
GILBERTO LUIZ JUSTEN SPULDARO diz
Na atual tragédia sobre o RS, houve algo de muito simbolismo. Um cavalo ficou isolado sobre uma casa cercada de inundação. De ontem pra hoje (09/05/2024), ele foi resgatado por bombeiros e veterinários. O povo todo ficou encantado, pelo carinho que sente pelo animal. Símbolo de força e serviço, e representante fiel dos pampas!
Redação Constelar diz
Con certeza, Gilberto! Cavalos são relacionados a Sagitário, o signo do Fundo do Céu (a base, a ancestralidade) do mapa da Farroupilha. Então, aquele cavalo no telhado mexeu com memórias coletivas muito fortes.