Sumário deste artigo:
O Plano Cohen
No dia 30 de setembro de 1937, o general Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, noticiou através do programa radiofônico Hora do Brasil, a descoberta de um plano cujo objetivo era derrubar o presidente Getúlio Vargas. Segundo o general, o Plano Cohen, como passou a ser chamado, tinha sido arquitetado em conjunto pelo Partido Comunista Brasileiro e por organizações comunistas internacionais.
O nome “Cohen” foi dado em referência ao líder comunista Bela Cohen, que governara a Hungria entre março e julho de 1919.
O Plano Cohen foi uma conspiração elaborada por militares brasileiros com a intenção de simular uma revolução judaico-comunista no Brasil. Embora tratasse de situações hipotéticas, o plano foi falsamente atribuído à Internacional Comunista e usado como instrumento político para a implantação de um regime ditatorial contrarrevolucionário no Brasil, o ‘Estado Novo’.
O plano foi elaborado pelo capitão do exército Olímpio Mourão Filho, na época chefe do estado-maior da milícia da Ação Integralista Brasileira e chefe de seu serviço secreto. Embora tenha sido usado politicamente como sendo fruto de uma conspiração comunista, seu conteúdo refere-se mais especificamente a uma conspiração judaico-comunista, incluindo elementos típicos do antissemitismo da época e uma série de traços em comum com outros documentos forjados com intenções semelhantes, como ‘Os Protocolos dos Sábios de Sião’. (…)
No dia seguinte à divulgação do Plano Cohen, 1 de outubro de 1937, o Congresso Nacional declarou o estado de guerra em todo o país. Em 19 de outubro, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, depois de ter perdido o controle sobre a Brigada Militar gaúcha, a qual, por ordem de Getúlio, ficara subordinada ao Exército brasileiro, e de ter sido cercado militarmente pelo general Góis Monteiro, abandona o cargo de governador do Rio Grande do Sul e se exila no Uruguai. (…)
Discurso do Presidente da República Getúlio Vargas na instalação do Estado Novo no Palácio da Guanabara
Getúlio, em 10 de novembro de 1937, através de um golpe de estado, instituiu, então, o Estado Novo, em um pronunciamento em rede de rádio, no qual lançou um Manifesto à nação, no qual dizia que o Estado Novo tinha como objetivo “reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”. (…)
No dia do golpe de estado, 10 de novembro [de 1937] Getúlio Vargas fez um pronunciamento em rede nacional de rádio, determinou o fechamento do Congresso Nacional do Brasil e outorgou uma nova constituição, a Constituição de 1937, que lhe conferia o controle total do poder executivo e lhe permitia nomear, para os estados, interventores a quem deu ampla autonomia para a tomada de decisões. Essa constituição, elaborada por Francisco Campos, ficou conhecida como “a Polaca”, por se ter inspirado na constituição vigente na Polônia naquela época.
A Constituição de 1937 – A “Polaca”
A Constituição de 1934 durou apenas três anos, a Carta Magna brasileira de menor duração até hoje. Afinal, por que tivemos duas constituições em um intervalo de apenas três anos? O que aconteceu para que essa nova fase da república fosse interrompida, dando espaço à Constituição de 1937?
Em 1937, Getúlio Vargas concretizou um golpe de estado que iniciaria um período de ditadura de oito anos, que se estendeu até 1945: o Estado Novo. Curiosamente, essa ditadura estava prevista na Constituição, que legitimava os poderes absolutos do ditador, enquanto direitos humanos eram recorrentemente violados pelo aparelho repressor do Estado – a Polícia Especial. A Constituição de 1937, que recebeu apelido de Polaca, por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era autoritária e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.
Mas por que Getúlio deu o golpe de estado?
Os principais fatores que contribuíram para que Vargas buscasse fortalecer seu poder pessoal através de uma ditadura foram o apoio da elite a esse fortalecimento, bem como a radicalização dos grupos de esquerda e de direita no período de 1934-37.
O apoio da elite, composta, principalmente, pelos cafeicultores e industriais, se dava por motivos econômicos e políticos. Como, na época, o governo passou a comprar os excedentes de café de modo a evitar abalos na economia brasileira, os cafeicultores passaram a simpatizar com a ideia de um Executivo forte, que continuasse a auxiliá-los.
Já os industriais precisavam do apoio do governo para que continuassem crescendo, o que explica o fato de também não terem visto com maus olhos o fortalecimento do Executivo. As razões políticas para esse apoio se resumiam, tanto por parte dos cafeicultores quanto dos industriais, ao medo da “ameaça comunista” e ao receio em relação aos possíveis resultados de um maior engajamento político do operariado e da classe média.
Para que entendamos o pretexto utilizado por Vargas ao dar o golpe, é necessário analisar a radicalização política ocorrida tanto na direita, quanto na esquerda durante os anos que o precederam, bem como a postura do governo diante dessa oposição.
Os choques entre a direita e a esquerda
Em 1934, surgiu no Brasil uma organização política de caráter fascista denominada Ação Integralista Brasileira (AIB). O comando desse movimento estava nas mãos de Plínio Salgado, político e intelectual, e suas propostas de Estado forte, governo autoritário e sociedade militarizada foram inspiradas nos governos nazifascistas da Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. Conforme de costume nos regimes totalitários, o nacionalismo também estava presente: os membros da AIB se vestiam com camisas verdes e se cumprimentavam levantando o braço direito e gritando a palavra indígena “Anauê”, remontando, assim, aos índios nativos do Brasil.
Em reação ao integralismo, foi formada, em 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Compunham esse movimento comunistas, socialistas e líderes sindicais que desejavam o governo popular, a proteção aos pequenos proprietários, a nacionalização das empresas estrangeiras, entre outras coisas. Diante disso, poucos meses depois e sob influência das classes mais conservadoras, a Câmara aprovou a Lei de Segurança Nacional. Esse foi respaldo legal que permitiu a Vargas fechar a ANL. A ANL tentou reagir através de um levante armado – a Intentona Comunista –, que falhou por ter tido pouca adesão de seus membros.
Em resposta ao levante, Vargas decretou estado de sítio e a Polícia Especial iniciou uma repressão sistemática e violenta. A partir de então, quaisquer elementos que oferecessem resistência ao governo, além dos comunistas, foram perseguidos, presos e, não raro, torturados ou assassinados.
O golpe
Em setembro de 1937, os jornais anunciaram que o Exército havia descoberto um plano comunista para a tomada do poder. Essa situação havia sido forjada por um militar integralista pertencente ao Exército, que criou o boato – com o nome de Plano Cohen – de que os comunistas, nos dias seguintes, incendiariam igrejas, desrespeitariam os lares, promoveriam greves e massacrariam líderes políticos.
Aproveitando-se dessa falsa acusação e argumentando que era preciso defender a liberdade, Vargas instalou a ditadura do Estado Novo. Poucas semanas depois do suposto plano comunista ter vazado na imprensa, Getúlio desferiu o golpe, fechando o Congresso Nacional e anunciando no rádio o “nascer da nova era”.
A Constituição de 1937: principais tópicos
Dessa forma, a Constituição de 1937, que já estava pronta há meses durante a preparação do golpe, foi imposta ao povo. Seus tópicos principais estabeleciam:
- Fechamento do Poder Legislativo nos três níveis (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais);
- Poder Judiciário subordinado ao Executivo;
- Total liberdade de ação à Polícia Especial;
- Propaganda a favor do governo no rádio mediadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda);
- Eliminação do direito de greve;
- Reintrodução da pena de morte;
- Estados seriam governados por interventores nomeados por Vargas.
Nota-se, assim, que a Constituição de 1937 dava respaldo legal para o regime autoritário do Estado Novo e era um retrocesso, se comparada à anterior, em termos de democracia e direitos humanos.
Vale lembrar que os crimes e as perseguições a quem se opôs a essa forma de governo continuaram até o fim do regime e, quando este chegou ao fim, as atrocidades cometidas ficaram impunes.
Com golpe dado por Getúlio, Brasil ficou nove anos sem Senado
O golpe de morte contra o Senado foi dado pelo presidente Getúlio Vargas em 1937, com a imposição da ditadura do Estado Novo. A Câmara dos Deputados também foi varrida.
O fechamento do Senado e da Câmara teve ares de guerra.
Na manhã de 10 de novembro de 1937, dezenas de policiais a cavalo e armados cercaram o Monroe e o Palácio Tiradentes, a sede dos deputados. O Brasil engolia uma nova Constituição, de perfil autoritário, redigida às escondidas no Palácio do Catete nos meses anteriores.
Eliminado o Congresso Nacional, o chefe do Poder Executivo usurpou as funções do Poder Legislativo e se arrogou a prerrogativa de assinar decretos-leis. As assembleias legislativas e as câmaras municipais também foram extintas. Getúlio ganhou poder para nomear governadores e prefeitos. O povo perdeu o direito de votar e a Justiça Eleitoral deixou de existir. Os partidos logo desapareceriam e os adversários seriam presos e torturados.
O presidente, em suma, se converteu em ditador.
A dissolução do Congresso não enfrentou resistência nem sequer de senadores e deputados. Eles, pelo contrário, aplaudiram. Getúlio tinha o costume de receber grupos de parlamentares toda sexta-feira à tarde. Mesmo como ditador, ele abriu seu gabinete uma vez, na sexta após o golpe, para se despedir dos ex-senadores e dos ex-deputados.
Ameaça comunista
Aquele não foi o primeiro golpe de Getúlio. (…) O pretexto [para o golpe] foi a descoberta do Plano Cohen, uma conspiração dos comunistas para tomar o poder. Como o país já vinha do susto da fracassada Intentona Comunista, de 1935, Getúlio não teve dificuldade para convencer os brasileiros de que ele só conseguiria salvar a nação da nova ameaça vermelha se ganhasse poderes ilimitados.
Mais tarde, descobriu-se que o Plano Cohen fora inventado. A imprensa sofreu censura no Estado Novo, mas apenas a partir da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, [DIP] em 1939.
O apoio que os jornais deram ao golpe em 1937 foi espontâneo. Assim como boa parte da sociedade, eles foram levados a crer que era urgente centralizar o poder – explica o historiador Paulo Sérgio da Silva, autor do livro A Constituição Brasileira de 10 de Novembro de 1937 (Editora Unesp).
Vários autores, porém, acusam diretamente Getúlio de cerceamento dos direitos e garantias individuais durante o Estado Novo, questão exposta assim, por Getúlio, em São Paulo, em 23 de julho de 1938: “O Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela”.
Getúlio é acusado por uma série de crimes, e o Estado Novo chega a ser descrito como um regime de terror: “A perseguição implacável do regime de Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos métodos envolviam fortemente o emprego da tortura, violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das facetas, talvez a mais conhecida, desse período”.
O Brasil e a Segunda Guerra (1939-1945)
… A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe consequências para a política do Brasil. Nesse importante conflito, os países rivais estavam organizados em dois blocos: o do Eixo (composto pela Alemanha, Itália e Japão) e o dos Aliados (formado pela União Soviética, Inglaterra, França e, mais tarde, Estados Unidos da América). (…)
Vargas manteve o Brasil neutro em um primeiro momento – ou seja, sem apoiar abertamente nenhum dos blocos. (…)
A partir de 1942, entretanto, esse quadro de neutralidade mudou. O Brasil entrou na guerra ao lado dos Aliados, chegando a enviar milhares de soldados para combate na Itália. (…)
(…) a entrada do Brasil na guerra tornou questionável o esquema repressivo montado por Vargas, de forma que surgiram, a partir de 1944, inúmeras manifestações a favor da redemocratização.
Pressionado, Vargas cedeu: convocou eleições presidenciais para o final de 1945, aceitando a formação de novos partidos políticos. Entretanto, antes mesmo de as eleições chegarem, a oposição, liderada pelos militares Gaspar Dutra e Góis Monteiro, derrubou Vargas, forçando-o a renunciar após ter nomeado seu irmão (Benjamim Vargas) para o cargo de chefe de polícia.
Assim, encerrou-se o Estado Novo e teve início a redemocratização do país (…).
Fontes das citações
https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Cohen
https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_Novo_(Brasil)
https://www.politize.com.br/constituicao-de-1946/
https://www.politize.com.br/constituicao-de-1937-a-polaca/ (o gráfico do canto inferior direito foi extraído daqui)