Quando se pensa na História de Minas Gerais, o termo que recordamos de imediato é Inconfidência, expressão que significa literalmente deslealdade, e que pode ser associada também a traição. Esta é, porém, a verdade na perspectiva da Coroa Portuguesa. Do ponto de vista do povo mineiro, seria mais correto falar de conjuração – uma conspiração contra o poder do estado lusitano. De qualquer forma, é significativo que o segundo estado mais importante do país tenha suas origens associadas a conceitos de significado tão escorregadio. Que configurações astrológicas estão por trás disso?
Minas Gerais tornou-se uma unidade administrativa muito tempo antes da conspiração que imortalizou Tiradentes: em julho de 1720 ocorre uma revolta contra os impostos cobrados pela Coroa na área de Vila Rica. Após enforcar e esquartejar o líder, um certo Filipe dos Santos, a administração colonial entende que é preciso separar a região das Minas do Ouro de São Paulo, para melhor controlá-la. Assim, o parto do atual estado de Minas ocorre pelo desmembramento da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em 12 de setembro de 1720. É quando Minas e São Paulo individualizam seus destinos e passam a viver, do ponto de vista político, vidas autônomas.
Na impossibilidade de levantar um mapa mais preciso, calculamos uma carta solar (sem considerar casas) para o meio-dia, hora local de Vila Rica (Ouro Preto).
Terra e Ar, a combinação elemental de Minas
Como mineiro interessado na história do estado onde nasci, sempre tentei identificar nos símbolos e mitos de fundação de minha terra os componentes astrológicos que poderiam fornecer uma chave para a compreensão do estado. Em 1999, mesmo sem ter ainda estudado a carta que analiso a seguir, cheguei a citar, numa palestra, que via no comportamento mineiro fortes traços dos elementos Terra e Ar, com ênfase em valores associados a Saturno. Em boa parte, aquela percepção é confirmada pela carta da criação da Capitania de Minas Gerais. Vamos a ela.
De fato, Terra e Ar dominam a carta mineira, com apenas Saturno em Água e nenhum planeta em Fogo. Do ponto de vista da teoria dos Modelos Planetários, o mapa é um Tripé, já que é possível distinguir três grupos que se aspectam mutuamente, formando um triângulo irregular (coincidentemente, o triângulo também aparece na bandeira do estado). Dentre todos os modelos planetários, o Tripé é o mais estável e mais apegado às suas próprias concepções de vida. Na verdade, um tipo teimoso e resistente à mudança. Neste modelo, os planetas que ganham maior importância são exatamente aqueles que aparecem isolados. Marc Edmund Jones chamava-os planetas rédeas, já que assumem um papel de condutores da carta, mais ou menos como o condutor de uma carruagem que tem em suas mãos as rédeas de todos os cavalos. Aqui, em vez de uma, temos nada menos que duas rédeas: Lua e Netuno. São dois planetas ligados ao sonho, à imaginação, às impressões psíquicas, à sensibilidade. Ambos remetem ao princípio feminino e ao elemento Água. Algumas correlações:
- Minas tem uma forte tradição literária e artística desde o período colonial. Vários dos inconfidentes, como Tomás Antonio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, eram também poetas vinculados ao movimento arcadista. Durante o século XVIII, a música e a arquitetura de inspiração barroca encontraram terreno fértil na região das minas. No século XX Minas deu ao mundo Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, os compositores e instrumentistas do movimento chamado Clube da Esquina, o rock do Terço e do 14 Bis, para ficarmos só em poucos exemplos. Os ecos do barroco jamais abandonaram completamente o artista mineiro, podendo ser encontrados da arte religiosa popular à exuberância dos arranjos musicais dos álbuns de Milton Nascimento, Beto Guedes e Lô Borges.
Netuno, planeta da sensibilidade, em Touro, signo estético por definição, responde em parte por esta tendência. A Lua, pode estar no final de Capricórnio ou início de Aquário, ambos signos regidos por Saturno, de acordo com o esquema clássico. Como Saturno em Escorpião se opõe a Netuno, o toque saturnino destaca-se fortemente. Para completar, Saturno se exalta em Libra, signo ocupado pela conjunção Júpiter-Urano.
A produção literária e musical mineira não é fruto da espontaneidade e do talento bruto, mas do refinamento, só possível num ambiente cultural estruturado e com rica tradição estética (Touro e Libra, Saturno, Netuno e Lua). Júpiter-Urano em Libra dão o toque de sofisticação e de experimentação criativa no plano intelectual.
O stellium virginiano: ouro, ferro e riqueza do subsolo
O mapa tem um stellium de cinco planetas em Virgem, todos à disposição de um Mercúrio domiciliado mas retrógrado. É um mapa de trabalho discreto, com traços de introversão e modéstia. Mercúrio, aliás, é o dispositor final da carta, o que o torna um dos planetas mais importantes, ao lado de Lua, Netuno e Saturno. Não por acaso a sociedade mineira sempre foi urbana e organizada numa infinidade de pequenos municípios com ativa vida comercial e intelectual.
Contudo, há outros pontos a destacar neste stellium:
- há uma forte conjunção entre Sol, Plutão e Marte. Estão aí unidos, numa única configuração, os significadores das riquezas do subsolo em geral (Plutão), do ouro (Sol) e do minério de ferro (Marte).
- Portugal é um país associado a valores do signo de Peixes. Pisciano também é o Rio de Janeiro, sede da administração portuguesa no Brasil. Minas, com seu stellium em Virgem, estabelece uma relação de tensão e oposição com as autoridades coloniais, não sendo de estranhar que tenha sido o berço da mais importante revolta do período. Tanto na Guerra dos Emboabas (que motivou a criação da capitania) quanto na Inconfidência Mineira, vemos os reflexos do confronto entre duas conjunções Sol-Plutão: a do Rio de Janeiro (pisciana e vinculada aos interesses da metrópole) e a de Minas Gerais (significando, neste contexto, a resistência contra o domínio).
- Não é necessário acentuar o vínculo entre Sol-Plutão-Marte e o comportamento conspiratório e combativo que muitas vezes caracterizou a política mineira. Basta pensar em dois momentos históricos: o movimento militar de 1964, cuja eclosão se deu exatamente em Minas Gerais (Juiz de Fora) e a redemocratização, em 1984-85, com a articulação em torno da figura de Tancredo Neves.
Todavia, nada tão forte, tão intenso e tão característico do jeito de ser mineiro quanto a oposição Netuno-Saturno no eixo Touro-Escorpião. Este contato está na própria raiz da independência da América Latina (conjunção Saturno-Netuno de 1809-1810), sendo o mais comum nas cartas dos países do continente. A identidade da América Latina é uma criação Saturno-Netuno, como já discutido nos artigos América Latina de Saturno e Netuno, O desencanto diante do mundo hostil e Da astúcia do Chapolin ao desamparo Saturno-Netuno. É o aspecto da perspectiva melancólica diante da vida, da desconfiança crônica com relação aos governantes (desde o tempo da Inconfidência Mineira) e do comportamento escorregadio que não quer se comprometer (“nem contra nem a favor…”).
Minas é o coração e a síntese de todo o continente.
Netuno-Saturno: enchentes e desastres ambientais
Netuno e Saturno estão em oposição na carta do enforcamento de Tiradentes, em 21.4.1792, provavelmente o acontecimento mais importante na constituição do imaginário mineiro. Indo mais além, o aspecto Saturno-Netuno descreve também alguns dos momentos mais difíceis já vividos por nosso estado. Nos últimos quarenta anos, as piores tragédias de Minas vieram pelas águas. Foi o caso das enchentes de 1979, 1997 e 2013, todas muito destrutivas. As de 1979, em especial, deixaram um saldo de 74 vítimas fatais, 48 mil desabrigados e mais de 4 mil casas destruídas.
Minas é um estado de relevo acidentado e muitas encostas (Saturno). As principais bacias hidrográficas do país (Netuno e Lua) têm origem aí. Foi o primeiro estado a encher-se de hidrelétricas, como Três Marias e Furnas, e hoje as represas estão por toda parte, seja para gerar energia, seja para conter rejeitos da mineração. A oposição Saturno-Netuno no eixo Escorpião-Touro é um bom símbolo astrológico para rios que correm entre montanhas, num cenário de cachoeiras, correnteza, barreiras e represas. Quando a tensão Saturno-Netuno chega ao máximo, as barreiras não resistem, as represas estouram, as águas fogem do controle das margens e se transformam em lama, arrasando tudo.
Netuno também é um significador de contaminação, o que ajuda a compreender os desastres ambientais de Mariana (2015), Brumadinho (janeiro de 2019) e outros menores e quase esquecidos, como o do Rio Pomba, em 2003 (Cataguases). A Lua em provável conjunção com o restritivo Nodo Sul completa o quadro.
Cremos, aliás, que a criação da capitania já ocorreu com a Lua em Aquário, bastando lembrar da fortíssima associação existente no imaginário brasileiro entre Minas e o conceito de Liberdade, termo que designa o palácio dos governadores, em Belo Horizonte, e que compõe o dístico da bandeira dos inconfidentes: Libertas Quae Sera Tamen, ou Liberdade (Aquário) ainda que tardia (Saturno).
Silvio diz
Excelente artigo. Inconsequente? Sem dúvida. Pior, lendo hoje notícias gerais, destacando sobre a cidade de Congonhas, não faltam fundados receios destas inconsequências. Se, porventura, a barragem por lá situada (é do mesmo tipo que estourou em Brumadinho) estourar, romper, sejá lá o que for, vai ser um desastre sem precedentes. A cidade em relação a esta barragem situa-se 70 metros abaixo. Imagina o que pode acontecer. Sem aludirmos as obras do Aleijadinho!!!! Observação – a distância que separa a barragem (de lá) da cidade de Congonhas é de 250 metros. Acho que não é necessário insistir nas inconsequências, elas falam por si mesma. De quem? Precisa ainda dar o nome aos bois, mais ainda depois do atual contexto politico vigente sobre politica ambiental e por aí vai? Acho que não. E olha que não faltou Mariana para expor com todas as letras, às claras, tamanha incosequência e irresponsabilidade.