O assaltante entrou no ônibus em frente ao Hospital da Lagoa. Uma pessoa que estava no ponto do ônibus viu a arma e chamou uma viatura da PM que estava próxima. Na ponto seguinte, os policiais pararam o ônibus. “Se atirar, mato ela”, gritou o assaltante. Eram 14h20 do dia 12 de junho de 2000. Nas intermináveis quatro horas e meia seguintes, sete passageiros, tomados como reféns, viveram o terror. “Isto aqui não é um filme”, gritava a todo momento o assaltante, fugitivo de uma delegacia no subúrbio e que dizia chamar-se Sérgio. Na verdade, Sandro de Oliveira, 22 anos (ou 21, conforme algumas fontes), um dos sobreviventes da chacina de menores da Candelária, em 1993. Geísa Firmo Gonçalves, uma professora primária de 20 anos, servia de escudo ao assaltante, que chegou a enfiar-lhe o cano da pistola na boca enquanto o ônibus era cercado por tropas de elite da polícia. As emissoras locais de TV passaram a transmitir o drama ao vivo, em rede nacional, enquanto canais internacionais, como a CNN, colocavam flashes no ar a todo momento. A rua Jardim Botânico, área nobre da Zona Sul, ficou interditada e, aos poucos, um enorme engarrafamento começou a formar-se no túnel Rebouças, o maior da cidade, que desemboca nas proximidades.
Passavam das 18h30 quando Sandro, que insistia em receber duas granadas, duas pistolas, um carro e mil reais, decidiu soltar um dos reféns, um deficiente físico. Alguns minutos depois, saiu do ônibus pela primeira vez, sempre mantendo como escudo a refém Geísa. Enquanto negociava com três policiais, um quarto, vindo de trás, irrompeu com uma submetralhadora e disparou três tiros… na refém? Ou em que direção? A verdade é que Sandro foi desarmado, agarrado e jogado ileso num camburão. Chegou morto ao hospital, sem sinal de balas e vítima de asfixia praticada durante o transporte. Geísa também morreu, não se sabe ao certo por causa dos tiros do policial ou de Sandro, que teria ainda conseguido disparar seus últimos três cartuchos, segundo a versão oficial divulgada no dia seguinte. Sandro e Geísa, caindo ao chão sob uma saraivada de tiros, formaram o casal mais macabro do Dia dos Namorados.
O mapa do início da situação, calculado para as 14h20, quando os policiais interceptaram o ônibus e Sandro fez o primeiro refém, mostra o Ascendente em 6°19′ de Escorpião, em conjunção com a Lua na 12, a 4°55′ do mesmo signo. Marte, o regente clássico de Escorpião, está na casa 8, em conjunção com o Sol e Vênus. A casa 8 é, aliás, a mais ativada desta carta, e morte é um dos seus significados tradicionais.
No mapa da fundação do Rio de Janeiro, Mercúrio no final de Peixes é o regente do Ascendente Gêmeos. Este Mercúrio está em quadratura com Marte, regente do Ascendente do mapa do sequestro do ônibus (por ser Marte o regente clássico de Escorpião). Mas o regente moderno de Escorpião é Plutão, que está na casa 2 do mapa do assalto, formando oposição ao Ascendente do Rio de Janeiro. Estas duas ativações já mostram com bastante ênfase por que a metrópole fundada por Estácio de Sá em 1565 estava fadada a tornar-se o centro das atenções da mídia em 12 de junho de 2000.
Plutão do sequestro ativa por conjunção também o Urano na cúspide da 7 do mapa natal da cidade – a casa dos inimigos abertos e dos conflitos.
A Lua do sequestro avança para uma quadratura com Netuno na casa 4, a do resultado final da situação, em Astrologia Horária. Este Netuno rege a casa 6, a dos funcionários públicos (inclusive policiais), trabalhadores e do pessoal subalterno, em geral. A quadratura, que ficou exata durante as quatro horas do cerco ao ônibus, já indicava que o sequestro não iria terminar bem. O desfecho seria uma situação confusa, caracterizada por erros – e eles estiveram presentes por toda parte: houve erro de estratégia, erro de pontaria, erro de armamento (metralhadoras nunca foram armas indicadas para enfrentar um sequestrador agarrado a um refém) e desinformação quanto ao que realmente aconteceu.
O mapa de um tiro que erra o alvo
O mapa do momento do ataque que resultou na morte do bandido e da refém também é bastante revelador: o Ascendente agora está em 14°15′ de Capricórnio, recebendo uma oposição quase exata de Mercúrio em Câncer. Netuno é o único planeta na 1. Mercúrio é significador essencial de meios de transporte – inclusive ônibus – e Netuno também aponta para o mesmo significado por ser o regente da casa 3 – transportes, comunicações e vias públicas. Este Netuno ativa, aliás, dois planetas em oposição na carta da fundação do Rio de Janeiro: Marte em Aquário junto à cúspide da 9 e Saturno em Leão na cúspide da casa 3. O mesmo Saturno é também o regente do mapa do momento dos tiros.
Portanto, os dois mapas – tanto o do início da situação, às 14h20, quanto o dos tiros mortais disparados às 18h48 – apontam para situações de violência envolvendo transportes, com resultados confusos e indesejáveis. Ambos, quando confrontados com o mapa da cidade que foi palco dos acontecimentos, potencializam o que este tem de mais perverso: na época, Plutão em trânsito formava oposição ao Ascendente do Rio, enquanto o áspero aspecto Marte-Saturno no eixo dos transportes (casas 3 e 9) encontrava-se ativado pela quadratura Lua-Netuno (quadratura que, aliás, já existe no mapa natal da cidade, se bem que em outros signos).
Por algumas horas, o sequestrador Sandro personificou o lado mais sombrio do trânsito de Plutão pelo mapa do Rio de Janeiro.
Plutão e o ovo da serpente
Rio, 12 de junho de 2000, 16h: no Centro, populares se reúnem junto a vitrines de lojas de eletrodomésticos, acompanhando pela TV o caso do ônibus da rua Jardim Botânico. Alguns, mais exaltados, comentam abertamente que “esse tipo de coisa acontece por causa dos direitos humanos; bandido não pode ter direitos humanos, tem mais é que morrer”.
Rio, 12 de junho de 2000, 18h: no Centro, quem sai do trabalho tenta saber notícias do que acontece na Zona Sul. A preocupação não é exatamente com o destino dos reféns, mas com o engarrafamento provocado pelo fechamento da rua Jardim Botânico. Uma moça bem vestida comenta com a amiga, na fila do metrô da estação Carioca: “Tá vendo? Perdem tempo negociando com esse bandido e a gente é que sofre. Estou deixando o carro na rua e vou pra casa de metrô. Ainda não mataram o cara por quê?”
Rio, 12 de junho de 2000, 19h: em Botafogo, o taxista fala pelo rádio com a central. “Então, já liberaram o Jardim Botânico?” Abre um sorriso e comenta com o passageiro: “Até que enfim mataram o palhaço e a refém. Já deviam ter entrado atirando no ônibus desde o começo. A refém não acabou morrendo do mesmo jeito? Pois é, podia ter morrido às quatro. Pelo menos não atrapalhava a vida da gente.”
Eram os primeiros sinais, aqui e ali, do aprofundamento da crise plutoniana. Na época, Plutão avançava para formar quadratura com o Sol natal da cidade. Na quadratura anterior, em 1904, a exaltação de ânimos por causa do confronto entre defensores e opositores da lei da vacina obrigatória resultou em três dias de quebra-quebra geral, num verdadeiro clima de guerra civil. Bondes foram incendiados, a iluminação pública foi toda destruída e bandos revoltosos concentraram-se para a resistência no bairro da Saúde (região antiga do Centro, perto do cais do porto). Uma tropa de esfarrapados conseguiu, sabe-se lá como, granadas e obuses, declarando-se em guerra. Em Botafogo, tropas rivais do exército enfrentaram-se na rua da Passagem. O presidente Rodrigues Alves entrincheirou-se no Palácio do Catete, entre barricadas, declarando que de lá só sairia morto. Oswaldo Cruz, o grande sanitarista, teve a casa cercada por uma turba furiosa e fugiu com a família na calada da noite, pulando o muro do vizinho. A cidade ensandeceu. Foram três dias de correrias, destruição e desatamento de ódios. Como saldo, a Revolta da Vacina deixou dezenas de mortos e resultou em centenas de deportações de rebeldes para a Amazônia.
É o que acontece, historicamente, quando Plutão ativa os ângulos ou pontos sensíveis da carta do Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa, sob a capa enganosa de Netuno no Ascendente, é uma metrópole plutoniana. E as entranhas da cidade continuam gerando o ovo da serpente.
Nivea diz
Plutão como o planeta das crises e da polaridade, mas principalmente da verdade nua e crua, mostra as fragilidades de uma cidade chamada Maravilhosa, um nome netuniano que usa a cortina das belezas naturais da cidade para iludir turistas da realidade áspera, preconceituosa e dura dos cidadãos.
Imagino que os momentos em que Plutão ative os pontos do mapa carioca, sirva para escancarar a realidade difícil da cidade tão aclamada.
Fabiane diz
Uau! Parabéns pela análise, pelo texto e pelas profundas palavras! Assustador….