Em dois artigos anteriores — Canopus, a estrela dos argonautas de Santa Catarina e Catarina, uma santa muito atrevida — analisamos um período muito recuado e pouco conhecido da história de Santa Catarina. Com base em vários mapas e algumas conexões míticas, descobrimos que uma dominante Sagitário-Câncer-Peixes afirma-se desde os primeiros anos. Júpiter, regente de Sagitário e corregente de Peixes, exalta-se em Câncer, e aí pode estar uma chave importante para compreender o significado astrológico deste Estado.
É exatamente o posicionamento que encontramos na carta da chegada do L’Espoir (A Esperança — um nome jupiteriano), reforçado pela conjunção de Júpiter com Canopus, a Estrela de Santa Catarina.
Beto Carrero e Oktoberfest
A combinação Sagitário-Câncer-Peixes traz à luz valores de Fogo e Água. O entusiasmo sagitariano, somado à ênfase lunar-netuniana no devaneio e no descompromisso, produz uma disposição para o lazer e o divertimento, perceptível até hoje. O parque de diversões de Beto Carrero, localizado numa área litorânea (Câncer), tem como marca registrada o peão montado (cavalos, Sagitário); A Oktoberfest de Blumenau, a exemplo de todas as festas semelhantes, reúne os significadores da cerveja (Lua e Netuno) e do imigrante (Júpiter).
Santa Catarina é também o Estado com melhor distribuição populacional em todo o país: em vez de grandes metrópoles fumacentas, o que há são dezenas de cidades de porte médio, onde o habitante da área urbana jamais está muito longe das raízes rurais. Tais assentamentos humanos (Câncer) ainda em contato com o espaço aberto (Sagitário) atualizam um dos sentidos mais típicos de Júpiter no signo da Lua: o lar bucólico.
Um dado curioso é que, quase quinhentos anos depois da chegada de Gonneville, São Francisco do Sul foi a cidade escolhida pelo desenvolvedor de sistemas Floriano Caldeira Possamai para para sediar a produção de um dos mais conhecidos softwares brasileiros de cálculo astrológico dos anos noventa. Nome do software: Canopus!… Pura coincidência ou ainda um reflexo distante da carta de 5 de janeiro de 1504?
A ilha dos manezinhos
Entre 1748 e 1756 algo em torno de 6 mil portugueses oriundos do Arquipélago dos Açores (a maioria) e da Ilha da Madeira desembarcaram no Desterro, como era chamada então a ilha onde hoje se ergue Florianópolis. Esta imigração foi decisiva para a definição do perfil étnico de Santa Catarina, que se completou apenas um século mais tarde, com a chegada dos alemães e italianos.
Os alemães dão a tônica da cultura do vale do Itajaí, da mesma forma que os italianos definiram o perfil de Criciúma e do restante da região carbonífera do sul do estado. Mas Florianópolis é o caso único de uma cidade açoriana fora dos Açores, ponte entre o litoral brasileiro e aquele arquipélago vulcânico perdido no meio do Oceano Atlântico, como explica o site Portal da Ilha:
A imigração açoriana coincide com o desenvolvimento das armações de baleia. Com isso, boa parte dos “colonos” acabaram se empregando na atividade pesqueira e na construção naval. Formando a grande maioria da população da Ilha, os açorianos participaram de modo decisivo na elaboração da cultura local. As técnicas de pesca, o carro-de-boi, a olaria de cerâmica utilitária e decorativa, a renda-de-bilro, o “boi-na-vara” e a “farra-do-boi”, as festividades do Divino, o “pão-por-Deus”, os fandangos, etc., são herança dos filhos do Arquipélago, que ainda nos legaram uma literatura oral e uma mitologia riquíssimas, forneceram o substrato linguístico local e desenvolveram aqui o engenho de farinha, a partir da combinação do moinho de vento com a atafona.
Os descendentes dessa gente humilde constituem hoje a massa dos Manezinhos, termo pelo qual são conhecidos os nativos de Florianópolis ou os que ali decidiram viver. O Manezinho mais famoso de todos é um certo Gustavo Kuerten, cujo sobrenome alemão parece comprovar que a cultura açoriana há muito tempo deixou de ser uma questão étnica para se transformar num patrimônio de todos.
Mas quais seriam os significadores astrológicos dos Manezinhos? Para isso é preciso considerar o mapa da chegada dos primeiros colonos. O grupo inicial de 88 casais, num total de 461 pessoas, desembarcou na ilha no dia 5 de janeiro de 1748. Dentre esses açorianos pioneiros, muitos eram velhos, órfãos ou inválidos. Vieram à força, por serem considerados um “peso morto” em seu arquipélago de origem.
Basta um conhecimento elementar de Astrologia para reconhecer neste movimento um forte componente netuniano ou pisciano. Netuno é significador do ilimitado, do oceânico, das camadas marginalizadas da sociedade, assim como da pesca, da musicalidade, da emigração forçada, do exílio, da insularidade, de tudo, enfim, que faz parte do processo de formação de Florianópolis. E basta observar o mapa daquele 6 de janeiro de 1748 para logo observar alguns fatos interessantes.
- Netuno é o planeta de maior destaque na carta, seja por sua oposição e Sol e Júpiter, seja pelo seu isolamento. O mapa tem o formato de um balde (nove planetas ocupando metade da mandala enquanto o décimo planeta ocupa sozinho a outra metade), configuração que dá ao planeta isolado uma importância especial, como se fosse a alça que puxa todo o conteúdo do balde. É exatamente este Netuno em Câncer que determina a identidade da cidade, sua maneira de lidar com o mundo e de reconhecer-se a si própria.
- A posição de Netuno no mapa da chegada dos açorianos está em oposição à posição de Netuno na carta da partida do navio L’Espoir, de Binot de Gonneville, 243 anos antes. Os dois mapas têm ativação do eixo Câncer-Capricórnio, mas com os mesmos planetas (Sol-Netuno) em signos opostos.
- Júpiter em Capricórnio, no mapa da chegada dos açorianos, está sobre o Sol do mapa da chegada de Gonneville ao sul do Brasil. O significado é de que a vinda dos novos imigrantes significou uma expansão (Júpiter) do foco civilizatório plantado um tanto inconscientemente pelo aventureiro francês.
Inegável é que há uma reiteração de padrões: novamente o eixo Câncer-Capricórnio, novamente Netuno em papel de destaque, novamente Júpiter envolvido na configuração mais importante do mapa.
Se a Atlântida realmente existiu, o Arquipélago dos Açores é o que resta do continente submerso. E os Manezinhos de Florianópolis, os herdeiros modernos do povo desaparecido. É fantasia, mas por que não? A ênfase de Santa Catarina em Câncer, Júpiter, Netuno e no navegante mítico Canopus permite-nos imaginar, no meio da neblina, ilhas fabulosas onde repousam potes de ouro. Abrir horizontes é exatamente a vocação deste estado nascido há 500 anos das aventuras de um normando sem juízo.
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