A cidade do Rio de Janeiro, mesmo tendo perdido a condição de Capital Federal, continua sendo o que a imprensa costuma chamar de “caixa de ressonância do país”. O Rio dita tendências e modismos, no bom e no mau sentido, e algumas das crenças e concepções que moldam hoje o imaginário brasileiro têm sua origem em fenômenos sociais oriundos do Rio de Janeiro. Este é o caso do debate sobre a redução da maioridade penal: em nenhuma outra metrópole do país, a questão da violência de e contra menores vem-se manifestando de forma tão aguda quanto na capital fluminense. Aqui analisamos o mapa da Chacina da Candelária, que, quando comparado ao mapa da fundação da cidade, lança luz sobre alguns fatores astrológicos que parecem relevantes para o entendimento da questão.
Início da madrugada de 23 de julho de 1993: o lavador de carros Wagner dos Santos, 22 anos, e os meninos Gambazinho e Paulo, ambos de 14 anos, deixam as calçadas da igreja da Candelária, onde costumavam dormir, e saem para comprar cigarros na Praça Mauá. Por volta de 1h, quando desciam a Rua do Acre, são abordados por três homens que os agridem a socos e pontapés, obrigando-os a entrar num carro. Deitados no banco de trás, os meninos são baleados e largados no Aterro do Flamengo, mas Wagner dos Santos consegue escapar com vida. Mais tarde, seria a mais importante testemunha do julgamento dos assassinos.
Os atiradores voltam à igreja da Candelária e disparam as armas sobre o grupo de meninos de rua que dormia na calçada. Cinco são mortos imediatamente. Os demais fogem apavorados. Entre os sobreviventes da chacina estava Sandro de Oliveira que, sete anos mais tarde, ganharia trágica notoriedade internacional ao sequestrar um ônibus no bairro do Jardim Botânico, Zona Sul do Rio de Janeiro.
O mapa do incidente que ficou conhecido como Chacina da Candelária apresenta o Ascendente em Touro, quase em oposição a Plutão. Seu regente é Vênus na 2, em Gêmeos, em quadratura com Marte e Lua na cúspide da 5. Tanto a Lua quanto a casa 5 têm relação com a infância, sendo que Marte é simultaneamente o regente da 12 (grupos marginalizados) e da 7, em Escorpião (o “outro”, aquele que é visto como inimigo). Por coincidência, no mapa da fundação do Rio de Janeiro, quem rege essas duas casas, a 12 e a 5, é exatamente Vênus. Ainda mais: o Ascendente da Chacina da Candelária está na cúspide da casa 12 do Rio de Janeiro, enquanto o Meio do Céu da Chacina encontra-se em conjunção com Vênus do mapa da cidade.
Podemos inferir que, na carta de fundação do Rio de Janeiro, Vênus rege os meninos de rua, os “filhos da cidade”. Este planeta está em Aquário, em conjunção com Marte e em oposição a Saturno em Leão, configuração que permite uma série de analogias. Uma delas é a da rebeldia que enfrenta o princípio da autoridade (Saturno) fazendo uso da violência (Marte) ou sofrendo na pele esta mesma violência. Em outro estudo, associamos tal configuração com a inversão de papéis típica do carnaval, onde a porta-bandeira da escola de samba atualiza ecos da Revolução Francesa. Pode ser também o símbolo da mulher carioca independente e rompedora de convenções sociais, como vemos em Chiquinha Gonzaga e Leila Diniz. É, finalmente, um indicador astrológico dos temíveis bandos de lutadores de capoeira que infernizaram a vida das elites e das autoridades policiais da cidade durante todo o século XVIII e XIX. De comum, sempre teremos a questão da opção (Vênus) pelo desafio aberto (Marte) contra a ordem constituída e contra a rigidez da hierarquia social (Saturno).
Sete anos após a Chacina da Candelária, a tensão Marte-Vênus do mapa da fundação do Rio de Janeiro ganhou uma atualização chocante: Sandro de Oliveira, um dos meninos de rua que conseguiu sobreviver à chacina de 1993, protagonizou um dos episódios mais marcantes da crônica policial fluminense. Foi ele o sequestrador do ônibus 174, em 12 de junho de 2000, tragédia transmitida ao vivo para TVs de todo o mundo.
O ato do sequestrador Sandro, a desafiar drogado e enlouquecido toda a elite da polícia carioca, traz à tona um simbolismo bastante significativo. No mapa do início do confronto da rua Jardim Botânico, quando Sandro transforma os passageiros em reféns e decide não se entregar, o eixo Ascendente-Descendente é ocupado exatamente por Escorpião e Touro, signos de Marte e Vênus. E os outros dois signos regidos por estes planetas, Áries e Libra, encontram-se interceptados no eixo das casas 6 e 12, significadoras de crise e de doença – inclusive no tecido social. É como se o mal crônico e invisível de repente encontrasse uma brecha para manifestar-se de forma aguda.
Vigário Geral, a outra chacina de 1993
Saturno em Leão, por outro lado, parece ser um símbolo adequado para o comportamento das autoridades administrativas e policiais da metrópole de São Sebastião: ao serem provocadas, reagem com a brutalidade cega do orgulho ferido. Na Chacina da Candelária, a causa foi o apedrejamento de um carro de polícia por meninos de rua, na véspera. E Sandro, que escapara naquela ocasião, não resistiu sete anos mais tarde à tentação de voltar a provocar. Entre julho de 1993 e junho de 2000 passaram-se sete anos, uma quadratura de Saturno. A mesma quadratura que separa também o sequestro do ônibus do Jardim Botânico do massacre de Vigário Geral, iniciado às 23h de 29 de agosto de 1993. Desta vez, as vítimas não foram meninos de rua, mas moradores da favela de Vigário Geral fuzilados aleatoriamente por um grupo de policiais envolvidos numa incursão ilegal, para vingar quatro colegas assassinados na véspera por traficantes daquela região. Nenhuma das vítimas tinha vínculos com o crime organizado.
Naquela ocasião, Saturno estava no Meio do Céu, em Aquário, em quadratura com Plutão no Descendente, em Escorpião. O Ascendente era Touro, o mesmo da Chacina da Candelária. E a Lua ativava por conjunção a mesma Vênus em Aquário do mapa do Rio de Janeiro que parece tão importante quando analisamos ocorrências desta ordem.
Por coincidência: no assalto ao ônibus, foram sete reféns, sendo este o número de anos que Saturno leva para formar a primeira quadratura de seu ciclo. Na chacina de Vigário Geral, foram assassinados exatamente 21 inocentes. 21 é um número também associado a Saturno, correspondendo ao número de anos que este planeta leva para formar a segunda quadratura de seu ciclo. Na chacina da Candelária, também morreram sete menores, sendo que a primeira vítima tinha 14 anos, o tempo que Saturno leva para formar uma oposição. Saturno, Vênus, Marte e Plutão: eis as chaves para entender a escalada de violência no Rio de Janeiro.
A violência no Rio de Janeiro não é um problema dos últimos vinte ou trinta anos. A cidade surgiu de uma guerra com os franceses, e bandos armados já assolavam a cidade desde o período colonial. Os trânsitos recentes apenas acentuaram a tendência. Neste sentido mais amplo, o mapa do Rio apenas reverbera o primeiro mapa do Brasil – o do Descobrimento – onde também encontramos ênfase nos mesmíssimos fatores.
Os meninos do Brasil no mapa do Descobrimento
A carta do Descobrimento, injustamente relegada ao esquecimento por muitos astrólogos, contribui para explicar algumas tendências que parecem permear toda a história do país ao longo de seus 515 anos. Adotamos para esta carta o Ascendente Libra, que confere ao Brasil Colonial uma regência venusiana (a propalada cordialidade do povo brasileiro). Vênus está em Gêmeos, na casa 8 (a casa dos tributos), em quadratura com a Lua em Peixes na casa 5 (a casa dos filhos da terra). Já temos, portanto, desde os primeiros tempos, o delineamento de uma agressão histórica: os filhos da terra, num sentido geral, e as crianças, em particular (significados de casa 5), sacrificados pela exploração econômica portuguesa. Contudo, o máximo símbolo de violência presente nesta carta é a oposição entre Plutão em Escorpião, na casa 1, e Saturno em Touro, na casa 7. É um aspecto essencialmente áspero, símbolo maior da “máquina de moer gente” que foi o período colonial. Observe-se que Saturno, na carta do Descobrimento, é regente da casa 4, da base populacional (Capricórnio no Fundo do Céu) e corregente da casa 5, das novas gerações (Aquário na cúspide).
Tanto o mapa do Descobrimento quanto o da fundação do Rio de Janeiro reiteram os mesmos princípios: Saturno, Vênus, casa 5, mesclados de forma a sinalizar uma situação de restrição e risco social envolvendo os mais jovens. Assim, a simples redução da maioridade penal, em vez de uma ampla revisão dos mecanismos de proteção social da infância, apenas reproduz a matriz arcaica do período colonial. Estamos longe ainda de vivenciar o mapa da Proclamação da República, de 1889, onde Vênus, mais uma vez significadora dos filhos do Brasil (casa 5), surge enfim num aspecto de conciliação com Saturno em Virgem na cúspide da casa 9 (a lei rigorosa mas justa).
Nivea diz
Me corrijam se eu estiver errada: com o conceito de progressão de mapas aplicado no Mapa Astral do Brasil, 515 anos representam 515 dias, obviamente sentir a influência do Mapa do descobrimento, é mais significativa do que a do Mapa da independência, em geral, o mais usado pelo astrólogos que estão na mídia.
Fabiane diz
Excelente artigo! Extremamente bem escrito, tanto em forma quanto em conteúdo! Parabéns por essa análise e obrigada por apresentar essas relações tão pertinentes, especialmente no momento atual.
Você conclui afirmando que “Estamos longe ainda de vivenciar o mapa da Proclamação da República […]”, com base em quê você percebe essa “lonjura”?
Como militante pelos Direitos Humanos (e de animais não humanos), não consigo deixar de me perguntar até quando os “filhos do Brasil” vivenciarão essa lamentável repetição…
Redação Constelar diz
Oi Fabiane, obrigado pelo feedback generoso. Quanto ao mapa da Proclamação da República, é uma longa história. O ponto central é que acredito (com base na pesquisa de mapas nacionais) que os vários mapas que expressam momentos-chave na formação de uma entidade coletiva dialogam entre sim, como se fossem camadas de tinta sobre a mesma tela. Às vezes há reiterações, às vezes conflitos. Neste sentido, o mapa da República, por ter o Sol praticamente no Meio do Céu do mapa da Independência e oposto ao Saturno do Descobrimento, mostra uma realização que não se dá como coisa pronta, mas como conquista gradativa, algo cujo preenchimento se dá ao longo de um extenso período. Além do mais, o Brasil republicano nasce sob uma conjunção Netuno-Plutão, um ciclo de quase meio milênio que sequer alcançou a primeira quadratura. É como se o Brasil republicano fosse ainda uma promessa, uma potencialidade que somente os filhos de nossos filhos conhecerão.
Sérgio diz
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