Contam as lendas que Catarina era uma virgem cristã de família nobre que vivia em Alexandria, no Egito, e era dotada de grande beleza e inteligência. No início do século IV, o Egito era apenas uma província do Império Romano, na época governado por Maxêncio. Catarina teve a ousadia de admoestar o imperador por causa de sua idolatria. Maxêncio, impressionado com a jovem, respondeu com uma proposta de casamento, desde que Catarina estivesse disposta a abandonar a fé cristã. Naturalmente, a resposta foi negativa.
Maxêncio, sentindo-se provocado, enviou então cinquenta filósofos para refutar as ideias de Catarina, num debate teológico em praça pública. A jovem de Alexandria não apenas venceu o debate como fez com que os enviados de Maxêncio parecessem ridículos, o que deixou o imperador, que era um péssimo perdedor, realmente irritado: mandou queimar vivos os cinquenta filósofos (deve ter sido a fogueira mais culta da história!) e condenou Catarina ao suplício numa roda cravejada de estiletes.
Durante a execução, a roda arrebentou e seus estilhaços mataram vários dos acusadores. Furioso, Maxêncio ordenou então a decapitação da virgem, de cuja cabeça degolada, em vez de sangue, teria fluído leite. Anjos desceram do céu para carregar Catarina para o Monte Sinai, onde, no século VI, foi erguido um monastério por ordem do imperador Justiniano.
Santa Catarina de Alexandria é a protetora dos pregadores, dos filósofos, dos monges copistas e dos bibliotecários (provavelmente por causa da associação com a famosa biblioteca de Alexandria). É representada carregando uma roda de suplício. Seu monastério no Sinai sempre foi preservado pelos muçulmanos, por ordem direta de Maomé. Durante a Guerra dos Cem Anos, era uma das santas que apareciam a Joana d’Arc, incitando-a à resistência contra os invasores ingleses.
É esta a Catarina de Alexandria que foi associada pelos peregrinos medievais à estrela Canopus. Mas existe outra, muito mais famosa no Ocidente, por ser nada menos que a padroeira da Itália: Santa Catarina de Siena.
A respeitável esposa de um navegador
Catarina de Siena nasceu no norte da Itália, em 1347, e desde criança tinha visões em que identificava os anjos de guarda ao lado das pessoas que protegiam. Aos dezesseis anos entrou para um convento e continuou tendo visões de Cristo, da Virgem Maria e de santos. Apesar de nunca ter recebido educação formal, é considerada uma das mentes mais espetaculares da Idade Média, capaz de discorrer sobre complexos temas teológicos.
Foi ela quem convenceu o papa a retornar de Avignon para Roma, em 1377, assim contribuindo para o fim do chamado Grande Cisma do Ocidente. Seus escritos estão entre os mais brilhantes da Igreja Católica. Morreu com apenas 33 anos, em 1380, e seu corpo permanecia incorrupto quando foi exumado, em 1430. Além de canonizada, foi incluída no rol dos “doutores da Igreja”, os grandes teólogos do Catolicismo.
Se bem que a santa de Alexandria seja a padroeira oficial, indiretamente foi esta Catarina de Siena que deu nome ao Estado de Santa Catarina. Vamos à história: em 3 de abril de 1526, o piloto italiano Sebastão Caboto, então a serviço da Espanha, zarpou de Cádis com o objetivo de chegar às Molucas, ilhas onde se produziam as especiarias, navegando para Ocidente.
Ao aportar perto da atual Florianópolis para abastecer os navios, soube das histórias sobre as minas de prata do Império Inca, e resolveu mudar de planos. Passou quatro meses no litoral catarinense preparando embarcações leves e, antes de partir para o rio da Prata, em 15 de fevereiro de 1527, batizou a ilha em frente à qual estivera ancorado com o nome de Santa Catalina. Era uma forma de homenagear a própria esposa, Catalina Medrano, sob o pretexto de reverenciar a santa italiana. Assim, Dona Catalina acabou virando nome de ilha num continente em que jamais pisara, enquanto seu marido (como todos os navegantes europeus que por ali aportavam) aproveitava a comida farta dos índios Carijó e a solicitude das nativas…
Considerando que o batismo da ilha de Santa Catarina deve ter constituído uma das últimas providências de Caboto antes da partida, tomemos o mapa de 15 de fevereiro de 1527 para observar quais são as principais configurações: Sol e Netuno estão em Peixes, novamente em conjunção, formando quadratura com Júpiter e Urano em Gêmeos.
Dar um nome cristão a uma nova terra, naquela época, tinha o significado de incorporá-la simbolicamente à civilização europeia e colocá-la sob a jurisdição da Igreja. Nada mais lógico que o evento tivesse lugar em Peixes e durante um contato do Sol com Netuno, planeta significador do batismo, no sentido de renovação espiritual pelo mergulho nas águas.
O simbolismo do nome
Santa Catarina é um dos estados brasileiros com “batismo” mais antigo. Muito antes de ser parte do nosso território, este pedaço do país já era conhecido pelo nome que carrega até hoje. A análise de seu conteúdo simbólico pode permitir uma primeira tentativa de estabelecer uma regência astrológica.
Comecemos por lembrar que, das várias santas que levam o nome de Catarina, duas estão intimamente ligadas às origens deste Estado: a de Alexandria, por sua vinculação tradicional com a estrela Canopus, tão importante no mapa da chegada de Gonneville; e a de Siena, por ser a padroeira do país de Caboto que, através dela, homenageou a própria esposa ao batizar a ilha onde está hoje Florianópolis.
O que as duas santas tiveram em comum? Ambas foram mulheres de grande inteligência, capazes de transitar sem dificuldades pelos meandros do pensamento teológico; ambas impuseram-se pelos próprios méritos num mundo dominado por valores masculinos; ambas ousaram dar opiniões e conselhos diretamente aos homens mais poderosos de suas respectivas épocas; e ambas ganharam a admiração e o respeito desses poderosos (é certo que Catarina de Alexandria acabou degolada, mas isso só aconteceu depois de recusar um pedido de casamento do vaidoso e truculento imperador Maxêncio).
Catarina de Alexandria parece mostrar um perfil mais combativo, como ao enfrentar o debate com cinquenta filósofos em praça pública. Lembra Joana d’Arc, mais tarde, defendendo convictamente suas opiniões diante dos acusadores, no tribunal de Rouen. Já Catarina de Siena revela uma dimensão mais mística e visionária, se bem que aliada a uma notável capacidade filosófica. Ela não apenas tinha visões, mas podia contextualizá-las com maestria no quadro de referências da teologia católica.
Todos estes traços remetem ao arquétipo de Sagitário, signo da religião, da filosofia, do pensamento inspirado (e não apenas lógico, como em Gêmeos), das formulações morais, da profecia, e também do combate por causas ou valores considerados nobres e elevados.
Mulheres com forte ênfase em Sagitário tendem a valorizar a própria independência e a expressar opiniões com vigor e franqueza. Podem ser guerreiras, ou visionárias, ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Mas dificilmente serão submissas. Sagitário é um signo masculino, aventureiro, atrevido, que precisa de espaço para manifestar suas melhores características. Mais adiante, encontraremos na história da região Sul outra figura que sintetiza muitos desses traços, e que se transformou num símbolo da mulher catarinense: Anita Garibaldi.
Por outro lado, podemos considerar a função que o território catarinense desempenhou ao longo das primeiras décadas da exploração do Novo Mundo. No quadro da expansão marítima europeia, o Brasil não representava um objetivo prioritário, exceto pela extração do pau-brasil — madeira que, aliás, quase não era encontrada no Sul. Mesmo assim, dezenas de navios aportaram no litoral de Santa Catarina, e grupos de degredados ou de náufragos espanhóis e portugueses ali chegaram a viver durante muitos anos, sempre contando com a recepção amistosa dos índios Carijó.
O que atraía tantos europeus eram dois projetos: o primeiro era a possibilidade de encontrar uma rota marítima para as Molucas, as famosas ilhas das especiarias. A primeira expedição a consegui-lo foi a de Fernão de Magalhães, em 1522, mas muitos navegadores já o haviam tentado antes. E quase todos tiveram de parar em Santa Catarina para reabastecimento ou reparos de emergência. O outro projeto começou a esboçar-se em 1514, quando se teve notícia pela primeira vez da existência do império inca.
O sonho de encontrar minas fabulosas de prata empurrou um navio após o outro para o litoral sul e daí para os caminhos do interior — a pé, até o Paraguai — ou para a exploração fluvial da bacia do rio da Prata.
Nesta aventura em busca de riquezas mirabolantes, Santa Catarina era o refúgio temporário, o porto seguro, a fonte de água, de alimentos e — algo que um marinheiro entediado por meses de solidão oceânica jamais desprezaria — de belas mulheres nativas. Tudo isso expressa uma função canceriana. Câncer, signo feminino por excelência, representa a nutrição, a proteção, a segurança, a água, a fertilidade, o regaço materno. É também o alimento para a imaginação, um assunto típico de seu regente, a Lua.
Santa Catarina está ligada à busca da prata dos incas, sendo a prata um metal regido pela Lua. Seus primitivos habitantes, os Carijó, também eram chamados índios Patos, em virtude da grande fartura dessa ave na região. Na verdade, não eram patos, e sim marrecos, o que não faz muita diferença: todas as aves aquáticas são significadas pela Lua. Lembramos que, no mapa da partida de Gonneville de Honfleur, a Lua em domicílio domina toda a carta.
Quando o navio L’Espoir chega em São Francisco do Sul, a Lua continua em destaque, em função da tripla conjunção de Júpiter, Marte e Saturno em Câncer. Netuno, planeta das águas oceânicas e dos delírios de imaginação, completa o quadro, sempre em aspecto com os luminares. O toque Lua-Netuno dá a Santa Catarina uma função hiperfeminina, ligada ao elemento Água e a tudo o que ele significa: afetividade, intimidade e interiorização. Lua e Netuno desaceleram a atividade física e propiciam a busca do repouso, do devaneio e do lazer.
Nas primeiras décadas do século XVI, atordoados capitães viram boa parte de sua tripulação desertar nas praias catarinenses, trocando o duro cotidiano das embarcações pela facilidade de formar verdadeiros haréns em terra firme. As índias, diga-se de passagem, não apenas davam prazer aos seus novos senhores, como também trabalhavam para eles, cuidando da produção de alimentos e demais serviços domésticos. Dolce far niente e refeições na hora certa… o que mais um marinheiro poderia desejar?
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