Vênus em Libra
E eu te farei as vontades,
direi meias verdades
Sempre à meia luz,
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis.
(Folhetim)
Minha solidão se sente acompanhada,
por isso às vezes sei que necessito
Teu colo, teu colo, eternamente, teu colo
Quando te vi eu bem que estava certo
de que me sentiria descoberto
A minha pele vai despindo aos poucos,
me abres o peito quando me acumulas
De amores, de amores, eternamente, de amores
Se alguma vez me sinto derrotado
eu abro mão do sol de cada dia
Rezando o credo que tu me ensinaste,
olho teu rosto e digo à ventania
Iolanda, Iolanda, eternamente, Iolanda
(Iolanda)
Comentário: Chega a ser decepcionante, mas, entre centenas de letras, Chico não tem uma única que expresse de forma inequívoca o comportamento de Vênus em Libra. Aqui e ali, porém, flagramos comportamentos ou toques librianos, como a disposição para a adulação e a lisonja da mulher de Folhetim, capaz de fazer seu parceiro pensar que é o maior e que a possui (se bem que Peixes também tenha esta característica, Vênus em Libra é especialista em agregar e jogar com a força do outro). Já a belíssima canção Iolanda, de autoria do cubano Pablo Milanes e cuja letra em português foi enriquecida com acréscimos poéticos de Chico, está cheia de imagens cancerianas, mas descreve a mulher que tem de Libra ao menos um atributo nada desprezível: a capacidade de ser companheira e de dar suporte afetivo real. Iolanda é uma idealização do feminino, e só isso já a torna candidata a corporificar Vênus em seu signo de domicílio.
Vênus em Escorpião
O que será que será
Que dá dentro da gente, que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
(O que será)
Comentário: Escorpião é o exílio de Vênus. Ali, o princípio feminino não precisa ser doce nem diplomático. Escorpião tem asperezas, tem arestas, tem pulsões que jamais aliviam. Os versos de O que será, mais até do que Vênus em Escorpião, descrevem de forma lapidar toda a diabólica agonia de um aspecto tenso Vênus-Plutão.
Vênus em Sagitário
Morena de Angola que leva
O chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou o chocalho é que mexe com ela.
Será que ela tá na cozinha
Guisando a galinha à cabidela
Será que esqueceu da galinha
E ficou batucando na panela
Será que no meio da mata
Na moita a morena inda chocalha
Será que ela não fica afoita
Pra dançar na chama da batalha.
(Morena de Angola)
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
(Eu te Amo)
Comentário: Nas duas canções, dois momentos da alegre e extrovertida mulher com Vênus no signo de Júpiter. Chico também poderia ter cantado a filósofa, a mística, a moralista ou a ardente justiceira. Todas são personagens sagitarianas, mas a faceta que Chico parece preferir deste signo é mesmo a da alegria irreverente e desordeira, que tanto pode esquecer a galinha na panela quanto bagunçar o coração e a vida de alguém.
Vênus em Capricórnio
As jovens viúvas marcadas
e as gestantes abandonadas
não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem,
se conformam e se recolhem
Às suas novenas, serenas
Mirem-se no exemplo
daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos,
orgulho e raça de Atenas
(Mulheres de Atenas)
Comentário: a letra inteira de Mulheres de Atenas é uma aula de Astrologia. Troque-se o título Mulheres de Atenas por Mulheres de Capricórnio – ou mulheres com aspectos Vênus-Saturno – e eis o retrato da orgulhosa contenção, da rígida consciência de limites, do sacrifício do prazer imediato em nome de algo maior: o dever, o status, a reputação, as necessidades do Estado. Capricornianos também são os verbos encolher-se, conformar-se, recolher-se e secar.
Vênus em Aquário
Acontece que a donzela
– E isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e cobre
Preferia amar com os bichos
(Geni e o Zepelim)
Comentário: Geni nem é exatamente uma mulher (trata-se da travesti de Ópera do Malandro), mas esta estrofe expressa uma característica marcante de Vênus em Aquário, que é a insubmissão aos símbolos ostensivos de status e poder. Vênus em Aquário pensa com a própria cabeça – custe o que custar.
Vênus em Peixes
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
(Geni e o Zepelim)
Comentário: Na mesma Geni e o Zepelim é possível vislumbrar outras características, agora definindo a mulher com a disposição sacrificial ou com a baixa capacidade de discriminação afetiva de Vênus em Peixes (ou de Vênus-Netuno em aspecto tenso). Os versos apresentam uma sucessão impressionante de imagens netunianas: detentos, lazarentos, internato, velhinhos sem saúde, poço de bondade… Um inventário digno de figurar em qualquer manual de Astrologia!
Leia também: Chico Buarque de Vênus e Lua
Martha Pires Ferreira diz
Fernando, belo trabalho de pesquisa > deste gênio que é Chico Buarque. Minha Vênus em Capricórnio sorri em silêncio pela beleza desta música e letra > Mulheres de Atenas!! Meu abraço, Martha
LUIS REYES GIL diz
Brilhante seu texto. Sou músico (e tradutor e astrólogo), e você fez uma acrobacia bonita com essa sua análise mais descompromissada, digamos, artística. Admiro suas análises, sinto uma profundidade e uma serenidade. E esse tom mais “popular” às vezes faz falta, ainda mais quando não é raso…
Abraço
GiL