Drummond, um triplo Escorpião com Sol na casa 12, passou por várias fases em sua produção e escreveu sobre uma grande variedade de temas, com ênfase para a poesia “engajada”, de cunho social. Todavia, em 1951 o poeta viveu um momento especial: naquele ano, Saturno em trânsito fez quadratura ao Netuno natal de Drummond (veja o mapa), enquanto Netuno em trânsito entrava em órbita de quadratura com seu Saturno natal. Essa dupla ativação transparece em diversos poemas da época, como A Máquina do mundo, inserido no livro Claro Enigma [1]:
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino roucose misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretaslentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado[…]
A maioria das imagens é de Saturno: a estrada pedregosa, o som pausado e seco, o céu de chumbo, as formas pretas, os montes. Secundariamente, há imagens netunianas: o palmilhar vagamente, as formas se diluindo, o ser desenganado. Contatos Saturno-Netuno tendem a ter efeito depressivo, em concordância com as imagens melancólicas evocadas pelo poema. O estilo seco e sarcástico de Drummond (Saturno natal em Capricórnio na casa 3) tornou-se, naquele período, especialmente desencantado. O verso cortante assumiu temporariamente um viés mais clássico, maduro e reflexivo. Sob o rigoroso equilíbrio formal, habita a sensação de vácuo, a absoluta ausência de esperança:
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
(…)
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
Uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.De tudo quanto foi meu passo caprichoso
Na vida, restará, pois o resto se esfuma,
Uma pedra que havia no meio do caminho.
Mais uma vez, coexistem aí as imagens netunianas (o engano, a bruma, o resto que se esfuma) e saturninas (o passo, a pedra). Se Netuno é engano e ilusão, Saturno é o ver as coisas como realmente são, sem lentes cor-de-rosa. É a “zona de lucidez implacável”, como dizia o poeta e ambientalista argentino Miguel Grinberg, editor da revista Mutantia [2].
Saturno e Netuno colocam em evidência um fundamento comum, ao mesmo tempo em que expressam uma profunda contradição. Ambos são princípios frios, lembrando uma paisagem costeira da Groenlândia ou do norte do Canadá: as águas escuras e insondáveis dos abismos oceânicos evocam Netuno; as geleiras permanentes e os imensos icebergs capazes de afundar uma embarcação falam da rigidez e resistência de Saturno. Mas, se o frio é a qualidade comum que une Saturno e Netuno, as qualidades do seco e do úmido separam os dois planetas. A secura de Saturno drena algo da plasticidade de Netuno, reduzindo os voos de imaginação e a possibilidade de escape pela fantasia; já a umidade de Netuno é uma permanente ameaça à estabilidade de Saturno, já que implica o risco da corrosão estrutural.
Assim, a dinâmica Saturno-Netuno é muito particular e característica. Tal como uma tribo de nômades primitivos num acampamento provisório na tundra siberiana, o tipo Saturno-Netuno precisa, antes de tudo, desenvolver um comportamento defensivo diante de um mundo triste e hostil. Como não há o impulso vital suficiente para desafiar o perigo e criar uma saída nova, a arma disponível passa a ser a resistência – um tipo especial de resistência que une a rigidez de Saturno ao caráter escorregadio de Netuno, transformando-se em resiliência.
O caráter reativo desse contato planetário traz, no plano social, uma intensa percepção de risco iminente. Como não há impulso para um enfrentamento aberto, a reação tende a vir na forma de construção de estruturas protetoras, às vezes letárgicas, imobilistas, quase sempre impessoais. O pretexto é a defesa da coletividade, em cujo nome podem-se perpetrar atentados à liberdade individual e tratar como abomináveis quaisquer comportamentos divergentes. Os ideais netunianos, por mais ardentes e visionários que tenham sido num momento anterior, ao contato com Saturno vão perdendo em viço o que ganham em rigidez, não sendo raro que acabem por estruturar-se sob a forma de uma ortodoxia religiosa ou ideológica a que não faltam ingredientes de fanatismo.
Maria diz
A pedra não estava à beira do caminho, mas no meio do caminho.
NO MEIO DO CAMINHO
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No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Redação Constelar diz
O poema que se refere à pedra no meio do caminho está corretamente citado no artigo. Não se trata deste poema (No meio do caminho, publicado no livro Alguma Poesia), mas do outro, Legado, publicado em Claro Enigma em 1951. Mas a pedra À BEIRA do caminho faz sentido sim, pois é uma brincadeira com outra produção também surgida sob uma ativação Saturno-Netuno: trata-se da música Sentado à beira do Caminho, de Roberto e Erasmo Carlos, um enorme sucesso em 1969. Erasmo gravou a música sob um trânsito de oposição de Saturno ao Netuno de sua carta natal! A letra – como se poderia prever – fala também de desesperança, melancolia e pessimismo. No MEIO do caminho, com Drummond, ou À BEIRA do caminho, com compositores populares, Saturno-Netuno é sempre depressivo, veja só:
Vejo caminhões
E carros apressados
A passar por mim
Estou sentado à beira
De um caminho
Que não tem mais fim…
(…) Esse sol que queima
No meu rosto
Um resto de esperança (…)
Olho prá mim mesmo e procuro
E não encontro nada
Sou um pobre resto de esperança
À beira de uma estrada…
Ana Lucia diz
Muito bom. Sei bem o que representa o contato Saturno Netuno. Aprendi mais um pouco