A paz
Invadiu o meu coração
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro maisA paz
Fez o mar da revolução
Invadir meu destino; a paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da pazEu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em pazEu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou a fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos ais.
A letra da música A Paz traz como ideia-mote uma forte ênfase na contradição. Diz Gilberto Gil, falando sobre a música: “Essa é a recorrência básica no meu trabalho: yin e yang, noite e dia, sim e não, permanência e transcendência, realidade e virtualidade: a polaridade criativa (e criadora)”.
Era 1986, tempos de Plutão em Escorpião. As contradições de uma geração e de uma sociedade se evidenciavam por meio de uma letra como esta, que, apesar de evocar grande ternura poética, já que a imagem de João Donato — nas palavras do próprio Gilberto Gil — “dormindo sossegado, em plena luz do dia, me chamou a atenção para o sentido da paz”, acaba sendo associada à “lembrança do título do livro Guerra e Paz, de Tolstoi, e a letra foi sendo construída sobre essa contradição, reiterando minha insistência sobre o paradoxo”.
Então, se a própria letra explicita essa brutalidade escorpiana, capaz de constatar que o holocausto da bomba atômica é que forçou a paz, pois é disso que se trata, por outro ela tem essa marca geminiana das polaridades. De modo que uma música sobre a paz (e, reparem, a paz em si não é enaltecida em momento algum), utiliza em seus versos “invadir”, “tufão”, “arrancar”, “revolução”, “bomba”, “lamento”.
Por outro lado, as próprias letras das canções de Gil (Urano, Saturno e Mercúrio em Gêmeos) são bem geminianas, já que têm um lado espiritual, metafísico, filosófico, e outro irreverentemente simples, oscilante e até mesmo (porque não?) superficial. Gil é dual.
E, finalmente, o lirismo e o tom transcendente que a canção assume, frutos de inclinações nitidamente piscianas no trabalho dos dois, Gil e o genial João Donato: Júpiter estava em Peixes. A música é, ao seu modo, uma forma de orfismo. Tem peixe na rede da MPB.
NOTA SOBRE JOÃO DONATO — João Donato, falecido aos 88 anos em 17.7.2023, foi um compositor e músico versátil e inspirado, ligado às origens da bossa-nova. Nasceu em 17 de agosto de 1934, em Rio Branco, Acre, em horário não conhecido.
Seu mapa mostra forte ênfase no eixo Leão-Aquário, que abriga de quatro a cinco planetas e mais o eixo dos nodos lunares. O aspecto de maior destaque da carta é a oposição Sol-Saturno, que fecha uma provável quadratura T com a Lua em Escorpião (válida se o nascimento se deu a partir das 10h da manhã).
Vênus pode estar no último grau de Câncer (nascimento na madrugada ou início da manhã) ou, mais provavelmente, no primeiro grau de Leão (das 10h45 da manhã ao final do dia). É o autor da melodia de A Paz, uma das muitas feitas para uma namorada dos anos oitenta chamada Leila. (Nota de Fernando Fernandse, editor de Constelar)