Leia antes: Vasco, a nau das três raças
A conotação pisciana do clube dos imigrantes
Um ponto a destacar no mapa do Clube de Regatas Vasco da Gama é sua forte ênfase pisciana. Nenhum planeta está em Peixes, mas Mercúrio, regente das casas 6 e 9 (sendo esta a dos viajantes, os que vêm de longe – os portugueses que fundaram o clube), está em quadratura com Netuno e Marte em Gêmeos, num aspecto que também ativa o mapa da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Neste, Netuno também está em Gêmeos, no Ascendente, e Mercúrio situa-se em Peixes, na casa 10.
Mercúrio do Rio fecha uma quadratura com Netuno-Marte do Vasco e uma oposição com o Mercúrio do clube, indicando um entrelaçamento entre a natureza Gêmeos-Netuno da cidade e da agremiação. Existem, aliás, diversas analogias que destacam o toque Peixes-Netuno-casa 12 na vida do Vasco:
- O próprio símbolo do clube, uma caravela (ou nau) navegando em pleno oceano.
- As origens do Vasco como clube náutico.
- A vinculação do Vasco à colônia portuguesa, sendo Portugal tradicionalmente associado a Peixes.
- O fato de ser o Vasco um dos poucos clubes a portar um símbolo cristão – a cruz – em seu escudo e bandeira. Como se sabe, o simbolismo do Cristianismo é totalmente pisciano.
- O epíteto pespegado ao Vasco por seus adversários, em tom pejorativo: o bacalhau.
- O surgimento do clube na zona portuária da cidade e sua posterior transferência para o bairro de São Cristóvão, santo cuja lenda mostra-o como um homem que ajudava viajantes a atravessar um rio, carregando-os nas costas (novamente a imagem da água).
Um eco longínquo dos Cavaleiros Templários
Dissemos que o Vasco tem como símbolos a caravela e a cruz, mas que cruz é esta? Erradamente chamada de Cruz de Malta, trata-se na verdade da Cruz de Cristo que adornava as naus portuguesas na época da expansão marítima e lembrava o papel da Ordem de Cristo como financiadora das grandes expedições. O Infante D. Henrique fora o administrador da Ordem, e Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, alguns de seus cavaleiros.
Foi sob esta mesma bandeira com a cruz da Ordem de Cristo que rezaram-se as duas primeiras missas no Brasil. A origem da ordem foram os Cavaleiros Templários, confraria iniciática fundada em Jerusalém, após a primeira cruzada, e reconhecida pelo Papa em 1128. Em 1307, o rei Felipe, o Belo, da França mandou prender todos os Templários, a quem a coroa devia enormes somas.
Depois de um julgamento cheio de vícios e com base em confissões de práticas heréticas obtidas sob tortura, os líderes foram queimados vivos em Paris. Contudo, os Templários remanescentes encontraram abrigo em Portugal, cujo rei D. Dinis fez gestões diplomáticas junto ao Papa até obter o reconhecimento de uma nova confraria, a Ordem de Cristo, que não passava da mesma Ordem dos Templários sob outra denominação.
O Clube de Regatas Vasco da Gama guarda assim uma conexão longínqua com a confraria de monges-guerreiros cuja mística atravessou séculos. No mapa do Vasco, esta conexão está bem clara na conjunção Marte-Netuno (o guerreiro místico) e na conjunção da Lua libriana do clube com o Sol de El-Rei D. Dinis, nascido em Lisboa na remota data de 9 de outubro de 1261.
Ao mesmo tempo em que faz a ponte entre o Rio de Janeiro do século XX e a história remota de Portugal e da Ordem de Cristo, o mapa do clube tematiza e acelera o processo de integração de minorias marginalizadas ao contexto da vida social e esportiva da cidade. Não são apenas os imigrantes portugueses (Mercúrio na 9 em quadratura com Netuno) e os pequenos empregados do comércio (Mercúrio em domicílio e ênfase em Gêmeos), mas também – e principalmente, pelas enormes consequências para a própria reformulação da autoimagem do brasileiro – os negros, até então marginalizados da vida social carioca (Júpiter no Meio do Céu regendo a casa 12).
Nas primeiras décadas do século XX, permanecia ainda bastante evidenciado o preconceito em relação a todo o contingente de ex-escravos, cuja pobreza e ausência de perspectivas empurrara-os para as nascentes favelas e bairros proletários. O Vasco surge apenas dez anos após a Lei Áurea e, no time de “caixeiros e negros” da década de vinte, jogavam muitos filhos e netos de ex-escravos. É o retrato astrológico do futebol servindo como via de ascensão e integração social.
O Gigante da Colina
Jornalistas e locutores esportivos adoram hipérboles. Depois que o Vasco mudou-se de vez para o bairro de São Cristóvão, passaram a chamá-lo “o gigante da colina”, em função do estádio encravado junto a uma pequena elevação. Mas o estádio da rua São Januário desempenhou um papel importante não só na vida esportiva, mas também na vida política do país.
Três anos depois de inaugurado, Getúlio Vargas chega ao poder. Vargas precisava de um grande palco para as demonstrações da vitalidade do novo regime, e foi exatamente o estádio do Vasco que escolheu. Assim, foi de São Januário que foram anunciadas as primeiras leis trabalhistas do país, e foi ali que aconteceram memoráveis espetáculos cívicos, com o maestro Villa-Lobos a reger uma grande orquestra. Quando os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira partiram para a Itália, foi em São Januário que aconteceu a festividade de despedida, sob o olhar atento do Marechal Mascarenhas de Morais.
O Sol de Vargas estava em conjunção com o Sol da inauguração do estádio, e o Netuno deste ocupava a casa 1 do presidente: nada mau para aumentar o glamour de Getúlio.
O mapa da inauguração do estádio tem Plutão em oposição ao Ascendente da fundação do Vasco. No mapa do clube, Plutão rege a casa 11, dos projetos e esperanças. O Vasco vivia também seu primeiro retorno de Saturno à posição natal, aspecto de maturidade e também de consolidação de um projeto, já que este Saturno ocupa exatamente a casa 11. Foi em São Januário que o Vasco viveu sua década de ouro, os anos 40, quando levantou diversos títulos e tornou-se a base da seleção brasileira.
Comparando a carta da inauguração do estádio com a do acidente de 30 de dezembro de 2000, vemos que Marte do acidente forma oposição ao Sol do estádio; Lua e Júpiter do acidente ativam tensamente Saturno do estádio; finalmente, o Ascendente do momento em que a massa humana em desespero desabou sobre o alambrado está em quadratura com Netuno do estádio e com o Sol da fundação do Vasco.
Grades (e todos os muros em geral) estão sob a regência de Saturno, significador de limites e de contenção. A superlotação (Lua, regente genérica de povo em quadratura com Júpiter, significador de excesso) foi a responsável direta pelo rompimento do alambrado. Entretanto, a quadratura de Ascendente e Saturno da tragédia ao Netuno do estádio revela também um outro problema, já constatado no dia seguinte pela perícia técnica: corrosão, por efeito de má conservação – incúria e descuido, eis aí outro significado netuniano.
A nau cruzmaltina é a nau das três raças
O mapa do Vasco expressa ainda um ideal de harmonia social, consubstanciado na conjunção Vênus-Júpiter-Lua em Libra. A Lua está em trígono com Netuno, o que reforça mais ainda a ideia de integração. Foi apenas após a inauguração do novo estádio que o Vasco superou as últimas resistências e foi aceito como um “igual” pelos outros clubes. As consequências foram vastas, e muito além da esfera puramente esportiva.
Já no final da década de 1920 o futebol tornava-se o esporte mais popular do país, e os grandes jogadores, ídolos da massa. Na medida em que a perícia dos jogadores negros oriundos das camadas sociais mais pobres começou a encantar a multidão, sua popularidade contribuiu para a lenta mudança de autoimagem que fez aos poucos o Brasil deixar de ver-se como uma “Europa dos trópicos” para assumir-se como um país mestiço, inventivo, extrovertido, fundamentalmente diverso do Velho Mundo.
Aí compreendemos, aliás, por que Mercúrio em Virgem está em quadratura com Netuno no mapa do Vasco: não se trata apenas de um clube de imigrantes portugueses, mas de um clube que tematiza o longo processo de hibridização que fundiu as culturas portuguesa, negra e ameríndia para formar um novo país. É por isso que Netuno está em Gêmeos, tensionado por Mercúrio em domicílio; é por isso que Júpiter, o outro regente de Peixes, está em Libra, em conjunção com Vênus também em domicílio; é por isso, finalmente, que o Sol em Leão está tensionado por Urano.
Estão presentes aí os regentes de Portugal (Netuno e Júpiter), do Brasil Colonial (Vênus, regente do Ascendente Libra do Descobrimento), do Ascendente Aquário e do Sol virginiano da Independência. É o microcosmo – o clube – refletindo todas as contradições e possibilidades do macrocosmo – a sociedade em que se insere.
Como todos os processos culturais de uma sociedade guardam entre si uma relação de ressonância, demonstrável através de seus mapas-matrizes, o mundo do futebol caminha em estreita sintonia com o mundo da política e da ética. Acidentes trágicos como o que aconteceram no estádio do Vasco da Gama em 2001 talvez sejam necessários para revelar com clareza o que precisa ser mudado numa instituição intrinsecamente saudável, mas desviada de seus rumos pela ação nefasta de um dirigente anacrônico e truculento. Talvez o Vasco descubra que não precisa de gente como Eurico Miranda e volte a ser a nau generosa que um dia abriu caminho para a garotada pobre da periferia.
Nota: o artigo original foi escrito em 2001. Eurico Miranda ainda foi eleito por duas vezes para a presidência do clube, mas as eleições de 2006 acabaram anuladas pela Oitava Câmara Cível do Rio de Janeiro. Em 2008 realizam-se novas eleições, vencidas por Roberto Dinamite, antigo ídolo do clube. Sua gestão desastrosa criou condições para o retorno de Eurico Miranda ao poder. Eurico faleceu em 2019. Nos últimos anos o clube vem enfrentando altos e baixos, incluindo várias quedas para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro.
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jorge coelho diz
Excepcional análise! Trata-se de um clube de massa, apesar das diversas tentativas dos donos da sociedade carioca e brasileira de empurrá-lo para baixo. Em que pese passar por um período pouco democrático internamente, acredito que ainda virá a seguir seu destino e voltar a ser um gigante no esporte nacional feito por massas populares e seguimentos excluídos ou marginalizados por esta sociedade tão injusta. Vida longa ao Clube de Regatas Vasco da Gama!!