No artigo Flamengo e Plutão: o ritual coletivo da paixão, analisamos a carta de fundação do clube, que define sua identidade mais profunda. Contudo, o Flamengo tem uma segunda carta que também precisa ser analisada. É a da criação do Departamento de Futebol, surgido apenas em 1911, dezesseis anos depois da fundação do clube de remo. Vamos à história:
Por ter sido fundado visando a prática do remo, o seu primeiro nome foi Grupo do Flamengo, tendo a seção terrestre sido criada em 1902. Esta, entretanto, só ganhou força em 1911, com a transferência do quadro principal do Fluminense para lá. Em 24 de novembro deste ano foi criada, por este grupo, o Departamento de Futebol.
Este aparecimento se deu em função de um desentendimento entre os jogadores de futebol e a comissão técnica do Fluminense. O capitão da equipe tricolor, Alberto Borgeth, abandonou o clube, sendo seguido por nove dos onze jogadores titulares. A retirada tinha um objetivo: criar um novo clube de futebol. Escolheu-se o Flamengo, por este clube ainda não praticar o futebol. As cores escolhidas foram o vermelho (cor dos flamingos), e o preto, que já existia na bandeira original, entre os remos. Antes disso, as cores do Flamengo eram o azul e o amarelo. Essas cores, entretanto, possuíam muito pouca resistência ao Sol (muito forte no Rio de Janeiro) e à salinidade das águas da Baía de Guanabara. (Citação extraída do site oficial do clube, em 1999.)
Quando observamos esta nova carta, o que chama a atenção de imediato é a conjunção do Sol no início de Sagitário com Júpiter no final de Escorpião, ambos em oposição a Marte no início de Gêmeos. É o aspecto que define o Flamengo como alegria do povo, expressando otimismo, energia expansiva e as tão decantadas ginga e malandragem. Contatos dinâmicos Marte-Júpiter tendem a simbolizar um comportamento eternamente juvenil (juvenil vem de Júpiter) e uma disposição aventureira. Tanto o mapa do autor de Peter Pan, o garoto que não queria crescer, quanto o da estréia da peça em Londres apresentam este aspecto.
Enquanto o mapa da fundação do clube apresenta o desequilíbrio na distribuição espacial dos planetas (metade da carta vazia e cinco planetas concentrados em Escorpião), o mapa do departamento de futebol espelha uma distribuição mais equitativa de recursos, como se o Flamengo, ao criá-lo, tivesse preenchido um potencial que permanecera até então inexplorado. O futebol, na verdade, expande e, de certa forma, “engole” o clube.
A Lua em Capricórnio, em trígono com Saturno em Touro, fala de permanência, mas ao mesmo tempo sua condição de planeta em exílio e em quadratura com Vênus em Libra pode dar uma pista para outros componentes importantes na relação entre o time e a imensa torcida rubro-negra. Jaime Camaño, em sua Astrologia comportamental e as essências florais de Minas, diz o seguinte sobre indivíduos com este aspecto:
Hipersensibilidade e hiperemotividade (…) Na mulher, conflitos internos entre a parte mãe-esposa-doméstica (Lua) e a parte mulher-fêmea-vaidosa (Vênus). Uma natureza não aceita a outra. (…) No homem, falta de habilidade para lidar com as mulheres. (…) Sentimentos de inferioridade. Faz chantagem emocional para chamar a atenção. A família intromete-se em tudo, no namoro, no casamento, na vida conjugal (…) Por ironia, a família, muitas vezes, terá de colaborar financeiramente para salvar esse mesmo casamento que tantas vezes reprovou. Problemas financeiros causados por instabilidade emocional ou por situações mal avaliadas. (CAMAÑO, Jaime et alii. Astrologia Comportamental e os Florais de Minas. SP, Pensamento, 1998.)
Se pensarmos no time como o elemento ativo, masculino, e na torcida como o elemento receptivo e feminino, esta descrição estabelece analogias com a relação que se estabelece entre ambos no Flamengo. É o amor que avança entre tapas e beijos, com a torcida sempre ansiosa e apreensiva, o que a leva a “intrometer-se em tudo” e a provocar reações inábeis ou desastradas de dirigentes e jogadores. O hino não oficial do Flamengo, de autoria de Lamartine Babo, explicita este lado de “mulher de malandro” da torcida rubro-negra ao afirmar:
Ele me mata,
Me maltrata,
Me arrebata
De emoção,
No coração.
(…)
Eu teria
Um desgosto profundo
se faltasse
o Flamengo no mundo.
Em síntese: é o único hino de clube com inequívocas referências a um relacionamento sadomasoquista (traço, aliás, já prenunciado na ênfase Plutão-Escorpião da carta de 1895). Dividida entre o papel de ambiciosa mãe capricorniana, que quer monitorar a ascensão do filho, e da amante libriana desejosa de agradar o companheiro, a torcida do Flamengo é sempre uma parceira instável e hiperemotiva que exige atenção absoluta. Zico, com sua sensibilidade pisciana, foi dos poucos ídolos que soube compreendê-la, representando o papel do amante esforçado e irrepreensível.
Qual dos dois mapas, o da fundação do clube ou o da criação do departamento de futebol, reage mais claramente aos trânsitos e progressões? Na verdade, ambos. A fase de apogeu do Flamengo vai de 1978 a 1981, com a conquista de vários campeonatos estaduais, o campeonato brasileiro, a Libertadores da América e o intercontinental de clubes, em Tóquio. Entre 1980 e 1981, o Flamengo foi simplesmente a melhor equipe do mundo. As progressões secundárias sobre as duas cartas mostram um fenômeno único e interessantíssimo, que é a ativação de cada uma delas pelos planetas progredidos da outra, com destaque para os aspectos de Júpiter progredido, o princípio benéfico e expansor. Já os trânsitos para os mesmos anos vão mostrar uma forte concentração em Libra, ativando Vênus nas duas cartas (trânsitos de Saturno, Plutão e Júpiter) e a presença de Urano a formar conjunção quase ao mesmo tempo com o Sol da fundação, em Escorpião, e o da criação do departamento de futebol, em Sagitário.
Na verdade, o Flamengo tem dupla natureza: é o adolescente alegre que levanta o entusiasmo nacional e esconde, sob a aparente jovialidade, o temível sacerdote que promove o ritual da purificação coletiva. É o flamingo de pernas longas (Sagitário) que se transmuta no negro urubu (Escorpião).
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