Câncer nos faz entrar em contato com as emoções mais instintivas, mais primitivas. Quando não nos sentimos nutridos e seguros, sentimos medo, desamparo e buscamos de algum modo compensações nem sempre realmente nutridoras. É o cordão umbilical cortado sem um contato pele a pele ao nascer, sem um olhar materno que nos dê segurança e nascimento. Uma mãe anestesiada, sem poder fornecer seu calor ou impedida disso pela cultura presente, que insiste em desvincular o parto das questões viscerais, sexuais e familiares que o envolvem e associá-lo a apenas um procedimento médico. Realidade de muitas crianças que nasceram de cesarianas ou de partos desrespeitosos. Retiradas antes do tempo, essas crianças tem já no início da vida um corte, uma marca nessa primeira relação que se constrói ao nascermos e até muito antes.
Essa falta de vínculo e essa dificuldade de nos vincularmos tem relação com a nossa Lua natal, com o signo de Câncer e com a casa IV, além de parecer uma tendência dos tempos contemporâneos. Como Donna Cunningham coloca em A Lua na sua vida: o poder mágico e as influências sobre as mulheres (Rio de Janeiro: Record: Nova Era, 1999), parece que este signo está fora de moda. O elemento Água parece ser o menos lembrado e a educação emocional dos dias atuais ainda está muito vinculada – com raras exceções – a limites e ao comportamento das crianças, e menos com um olhar atento e amoroso sobre as necessidades dos pequenos que são as nossas próprias necessidades emocionais, também não nutridas em nossa infância. Após a infância, parece que não precisamos lidar com nossas emoções. Ou por um passe de mágica, na fase adulta aprendemos a resolver nossos conflitos internos de forma adulta. Parece que aprendemos sim, a partir de regras de comportamento, a esconder essas emoções, algo bastante canceriano, que como o caranguejo esconde-se de si mesmo, anda de lado e se envolve em sua carapaça polarizando para o seu signo complementar: Capricórnio. Embora algumas vezes as emoções transbordem, podemos cristalizar sensações, angústias, dores que carregamos desde nossas infâncias. E que muitas vezes, para as mulheres, ressurgem na gravidez e no parto, pois essencialmente revivemos a relação com a nossa própria mãe e todas as questões que envolvem essa relação, por vezes conflituosa, com vários sentimentos ambivalentes.
Por isso, os círculos femininos se fazem importantes, um lugar onde se possa abrir o coração aos poucos e sem medos. Nos círculos femininos para gestantes, a gravidez é entendida como um momento de profundas transformações e ambivalência, no qual se percebe que este momento não é apenas solar e feliz, mas também cheio de incertezas e inseguranças. Um momento de espera, de elaboração e de oportunidade da liberação de couraças.
Nota do Editor – Uma leitura apressada deste artigo pode deixar a impressão de que a autora tem uma visão pessimista sobre as perspectivas da mulher como ser emocional e como geradora de vida. Ao contrário. Amanda Martins, além de pedagoga, é uma doula, profissional que, além de atuar no parto, acompanha casais grávidos desde o pré-natal ao puerpério, num processo educativo e vivencial. Desde 2010 Amanda é facilitadora do Clã das 9 luas, grupo de mulheres gestantes, que faz parte das Tendas e Clãs do Sul, Movimento Guardiães do Amanhã. Vale a pena conhecer.
Emoções que se cristalizaram são formas de água que não fluem mais. Os signos de Água podem assumir formas profundamente cristalizadas de lidar com seus sentimentos. Enquanto em Câncer podemos ser os eternos filhos com dificuldades para amadurecer e assumir responsabilidades; em Escorpião podemos ser por demais controladores ou manipuladores, estancando a água que lava a alma e nos torna agentes da própria mudança. Em Peixes podemos ser eternos Peters Pans e através de escapismos, drogas lícitas ou ilícitas, nos anestesiamos como forma de fugir da vida que por vezes parece difícil encarar, pois nos exige essencialmente mudanças profundas.
Laura Gutman (2009), psicanalista e autora de diversos livros sobre maternidade, entre eles seu best seller “A maternidade e o encontro com a própria sombra”, reforça a importância do vínculo entre mãe e bebê para a promoção de adultos emocionalmente saudáveis. Culturas matrilineares de diversos povos nativos têm nas redes de mulheres, o fortalecimento das mães e das futuras mães como parte da sua cultura. Há rituais para filhas que se tornarão mães, para mães que recém pariram. Rituais que trazem alento e aconchego para mulheres que passarão ou passaram por uma experiência tão visceral e transformadora como o parto.
Rituais diferentes dos que temos hoje, nos quais ridicularizamos uma mulher que decidiu ser mãe e que dali a pouco precisará de amparo e cuidados por ter dado a luz a um bebê que exige cuidados contínuos e uma mãe amorosamente maternada capaz de dar conta de um ser extremamente demandante. Chegamos a um ponto crítico em nossa sociedade: em que tudo que está relacionado com o feminino parece ter menos valor. Somos incentivadas a não menstruar, não gestar ou postergar ao máximo a gestação, não parir, não cozinhar. Precisamos primeiro solidificar nossa carreira, ganhar o mundo, sem pausa para os ciclos lunares e assim desaprendemos a reconhecer nossos próprios ciclos e o valor deles.
E quando nós mulheres nos tornamos mãe, enfrentamos dificuldades de lidar com estes ciclos e tudo o que envolve a fisiologia da gestação, parto e puerpério. Nos alienamos de nossos processos mais femininos e encontramos na sombra de Câncer o consumo excessivo de comida, roupas, antidepressivos uma forma de continuar a não estabelecer contato com aquilo que o signo de Câncer e nossa Lua natal nos pedem: a nutrição da alma. Assim, entramos no aspecto regressivo de Câncer, no qual não conseguimos sair da posição de filhas, enfrentando dificuldades para nos sustentar e sustentar um novo ser, gerando distúrbios na gravidez e depois no parto e puerpério que podem nos levar ao famoso “baby blues”. Sentimo-nos inseguras, impotentes, desamparadas e cheias de angústias, porque não nos permitimos guiar pelos nossos sentimentos. Exigimos de nós a mesma eficiência que temos em nossos diversos trabalhos, queremos ser livres e nos sentimos presas a um bebê demandante. E enfim, nos damos conta de nossa extrema dificuldade de vinculação, de pedir ajuda, de nos deixarmos cuidar e de escutar o nosso ventre, com o qual há muito perdemos contato.
Este artigo é um trecho condensado do artigo Gestação e círculos femininos: um resgate dos signos de água, com o qual Amanda Martins integra a coletânea Astrologia no Paralelo 30 Sul, editado pela Unipaz-Sul de Porto Alegre. Para uma visão mais detalhada sobre o livro e dicas sobre como adquiri-lo, leia Astrologia no Paralelo 30 Sul.
Rita diz
Excelente, faz tanto sentido e pra mim que tenho a lua em escorpião muito sentido mesmo. Parabéns pelo trabalho!
Sheila Lange diz
Maravilhoso e triste ao mesmo tempo seu artigo. Parabéns pela lucidez de seu trabalho.
Amanda Martins diz
Oi Sheila, obrigada. Na íntegra acredito que possa trazer outras possibilidades. Ao mesmo tempo é um pouco do cenário que temos hoje. Se procurarmos nos conhecer e ir em busca dos aspectos luminosos dos signos de água, podemos encontrar melhores formas de nos relacionarmos com o feminino, com o nosso ventre e com a gestação, parto e puerpério. Abração!