Este artigo é a quarta e última parte da série Emoção sob o olhar da Astrologia e da Ciência, produzida originalmente na forma de artigo técnico para publicação na revista Jung e Corpo, ed. Sedes Sapientiae, em 2006. Eis as partes anteriores:
Todos os sistemas corporais conversam e trocam informações entre si; de forma análoga, podemos dizer que os símbolos presentes no mapa astrológico de nascimento também conversam entre si, dependendo dos aspectos e das configurações planetárias que ali estão.
Seguindo um raciocínio analógico, a Lua astrológica tem uma função semelhante ao sistema límbico, pois ambos, enquanto processadores e armazenadores de informações, memórias, e respostas emocionais e instintivas, influenciam o comportamento e o psiquismo, causando sintomas e inúmeras doenças. Essa influência pode ser observada através daquilo que a astrologia chama de aspectos planetários.
Os aspectos são os ângulos que estabelecem relações entre os planetas na carta natal. Eles revelam como as várias dimensões da experiência podem ser integradas no indivíduo, seja de uma forma mais desafiadora, ou de uma forma mais fluente e harmoniosa. É importante ressaltar que as combinações astrológicas são inúmeras, levando-se em consideração os vários símbolos deste corpo de conhecimento. Outro fator relevante no que tange ao entendimento da psicologia astrológica é a premissa a priori dos arquétipos atuando como potencialidades no psiquismo humano.
Ainda que fatos ou eventos ocorridos tenham grande importância na estruturação da personalidade, a astrologia psicológica afirma que todos já nascemos com uma predisposição inata que nos leva a esperar que certas coisas aconteçam de uma determinada forma. Isto está dado pelas configurações planetárias que existem em estado latente na carta natal.
Astrologicamente, a imagem da mãe pessoal terá a sua particularidade associada à posição da Lua (por signo e casa) e aos aspectos (ângulos) que ela faz com outros planetas ou arquétipos na carta natal.
Lua e Saturno em diálogo difícil
Se tomarmos como exemplo os símbolos da Lua e Saturno e suas posições em uma determinada carta, como poderiam ser analisados num “difícil diálogo” entre eles? Sintomas físicos e doenças psicoafetivas, possíveis complexos, teriam alguma conexão com os princípios arquetípicos representados por estes símbolos zodiacais, quando em determinada angulação?
Além do aspecto emocional, já bem detalhado em relação ao corpo e às sensações, a Lua pode representar suscetibilidade ao adoecimento, quando entendemos que a sua posição na carta responde tradicionalmente pelos chamados órgãos de choque ou de menor resistência do organismo.
Na astrologia médica há uma estreita relação entre os signos zodiacais e determinadas áreas e órgãos do corpo. Por exemplo, o signo de Áries está relacionado à área da cabeça e ao cérebro; Gêmeos relaciona-se ao aparelho respiratório e aos braços, e assim por diante.
Especificamente no corpo físico, a Lua relaciona-se ao estômago, útero, seios, pâncreas; rege o ciclo menstrual, a gestação, amamentação e o sistema nervoso simpático, e alguns estudiosos incluem também o sistema linfático.
No aspecto psicológico, Saturno representa os valores da responsabilidade, austeridade, restrição, inibição, autonomia, disciplina e controle, pessimismo, melancolia, rigidez, repressão e culpa, assim como as variantes do medo, como timidez ou pânico. No corpo físico, Saturno simboliza as estruturas mais duráveis, como ossos, dentes e unhas; a pele que delimita o corpo, as articulações e os processos de calcificação.
Diz Valentine sobre essa tendência saturnina:
No fundo, o contato Lua-Saturno descreve a própria mãe interior do indivíduo, bem como sensações de rejeição emocional, privação, frustração e isolamento, que são compensadas através de ênfase excessiva em coisas como estrutura, rotina, disciplina, autossuficiência e controle. (Valentine, 1994, p.73)
Quando encontramos um ângulo ou aspecto difícil entre os planetas Lua e Saturno na carta natal, observa-se no indivíduo, de forma bastante frequente, uma predisposição a um padrão de isolamento, seriedade, criticismo ou frieza emocional. É comum encontrarmos uma atmosfera psíquica emocionalmente empobrecida na história familiar, com relatos de rejeição, ausência ou depressão materna, privação de estímulos sensoriais ou cuidados básicos. O indivíduo tende a ter uma expectativa subjacente de que suas necessidades básicas não serão atendidas, uma dificuldade de relaxar ou confiar nas pessoas, vínculos frágeis, tendência ao ressentimento e a negação dos sentimentos.
Os mecanismos de defesa ou adaptativos tendem a trabalhar por autonomia, racionalização excessiva e autossuficiência, que acabam por afastar os outros, causando prejuízos na vida pessoal e mesmo social. Observa-se uma tendência pela busca constante de relações impossíveis e frustrantes, que acabam por confirmar aquilo que já está fadado ao sofrimento. Todas essas características dizem respeito àquilo que comumente denominamos como um “lua saturnina”, vale dizer, matizada por traços saturninos.
A manifestação no corpo
Em termos de estrutura física, o indivíduo pode ter uma tendência à rigidez corporal, tensão, e no comportamento é comum observarmos transtornos emocionais como fobias, pânico ou depressão. Todos esses componentes arquetípicos podem vir à tona quando o indivíduo está sob stress ou quando o complexo se constela, neste caso evidenciando um núcleo arquetípico materno com conotações negativas.
Segundo estudiosos, os sintomas físicos mais comuns relacionados a esses dois símbolos são: alergias, úlceras, gastrites, artrite reumatoide, hérnias de disco, miomas uterinos, diabetes juvenil. Disfunções alimentares, como bulimia e anorexia, também podem surgir, associadas frequentemente a conflitos com a imagem materna.
A ansiedade constante, o medo do abandono ou a suspeita de que a vida não é um lugar seguro podem ser um padrão psicológico que poderá atuar como desdobramento de comportamentos de fracasso e incertezas em várias áreas da vida. Portanto, estruturas psíquicas e complexos podem guardar uma relação com determinadas configurações astrológicas.
Sobre este tema encontramos:
Como todo complexo tem uma matriz universal arquetípica, é possível que indivíduos com traços psicológicos semelhantes tenham uma estrutura somatopsíquica arquetípica semelhante. Isto é, as semelhanças tipopatológicas seriam reflexo de uma semelhança na disfunção ego-arquétipo, a qual, por sua vez, tem um limite quanto ao escopo de suas representações. Portanto, os estudos que relacionam traços de personalidade e doenças podem estar apontando para uma certa universalidade na sincronicidade das manifestações fisio e psicopatológicas. (Ramos, 1994, p. 116).
Vemos assim que fatores biológicos, psíquicos, circunstanciais e astrológicos atuam de forma interdependente na construção da individualidade.
Considerações finais
Na visão de Jung, os sintomas ou doenças são a manifestação simbólica dos complexos, e sabemos que estes têm uma base ou estrutura arquetípica. Dentro de uma visão psicossomática, onde se observa uma interdependência de aspectos biológicos e psicológicos, essa estrutura somatopsíquica arquetípica também pode ser contemplada pela visão astrológica. Nesse contexto, a astrologia poderia estabelecer aproximações e analogias que estariam inseridas nos desdobramentos que seus símbolos permitem.
Sobre a intertradução dos símbolos, diz Fernandse:
A função dos símbolos no interior do código astrológico pode ser transportada, mediante o recurso da analogia, para o interior de outros códigos, ou outros conjuntos de significado. (Fernandse, 2000, p. 22)
O Zodíaco, o círculo dos doze signos, é um símbolo de totalidade e, como uma mandala, representa todas as possibilidades da vida. A astrologia como uma linguagem de princípios universais reflete o significado da palavra grega kosmos, que descreve o mundo como um sistema inteligente, ordenado e interconectado com o movimento dos corpos celestes.
A carta natal é uma fotografia do céu tirada no momento da nascimento de uma pessoa. Ela reflete, através das suas configurações planetárias, no tempo e no espaço, o “tempo qualitativo” da tradição astrológica.
Diz Jung:
Aquilo que nasce ou é criado num dado momento adquire as qualidades deste momento. (Jung, 1984, p. 15)
Na base epistemológica da astrologia encontramos o princípio das correspondências e o raciocínio analógico, cujo paradigma é intersistêmico, quando afirma que o microcosmo da psique humana reflete o macrocosmo; vale dizer, o homem e a alma universal têm a mesma natureza.
O pressuposto astrológico afirma que corpo, psique e cosmos guardam entre si uma relação sincrônica, e seus fenômenos não seguem ou obedecem a uma relação de causa e efeito, mas de significado.
Cito Jung ao falar sobre seu conceito de sincronicidade:
Como a psique e a matéria estão encerradas em um só e mesmo mundo, e, além disso, se acham permanentemente em contato entre si, e em última análise, se assentam em fatores transcendentes e irrepresentáveis, há, não só a possibilidade, mas até mesmo uma certa probabilidade de que a matéria e a psique sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa (Jung, 1998, par. 418)
Ainda que o conhecimento da astrologia não esteja fundamentado nos moldes científicos cartesianos ou tradicionais, sabemos que desde a sua origem ela é transdisciplinar, pois caminhou ao longo dos séculos e em diferentes culturas ao lado de outras ciências, como astronomia, botânica, medicina e da própria alquimia, que lançou as bases para a química moderna.
Nas ultimas décadas, o ciclo do paradigma cientificista e fragmentador vem perdendo a sua força e abrindo espaço para uma nova concepção de vida e de ciência, que considera a complexidade, a interdependência de vários fatores e a necessidade de uma razão aberta, que não se restrinja aos princípios da lógica clássica.
Esse novo Zeitgeist, essa nova e oxigenada mentalidade e visão de mundo, observada e reconhecida por brilhantes cientistas de várias áreas, parece ser a grande transformação do nosso tempo. Esse espírito criativo vem permitindo uma fértil interface dos saberes, entrelaçando ciência, espiritualidade e antigas tradições. Diferentes níveis de realidade e formas de conhecer são possíveis, tornando esse diálogo mais fascinante, fazendo despertar uma nova consciência e, quem sabe, novas expressões arquetípicas.
Referências Bibliográficas
FERNANDSE, Fernando. In: BENEDETTI, Valdenir et alii. Astrologia para um novo ser (coletânea). São Paulo: Roka, 2000.
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 1998.
——————— O segredo da flor de Ouro. Petrópolis: Vozes, 1984.
RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
VALENTINE. Christine. Imagens da Psique. São Paulo: Siciliano, 1994.
Stefani diz
Possuo lua em conjuncão com saturno considero o inferno na Terra,acho
que só terei paz quando morrer
Redação Constelar diz
Nenhum aspecto isoladamente deve ser considerado de uma forma tão negativa. Conjunções de Saturno podem atuar de forma restritiva, aumentando o senso de responsabilidade e dever, mas não são jamais impedimentos permanentes a uma vida feliz e produtiva.
Edi Cavalcante diz
Parabéns, Tereza, pela riqueza de sua exposição serena em tema tão delicado.
Obrigado, beijo
Tereza Kawall diz
Oi Edi querido, grata pelo seu comentário, um beijo para ti!
Divani Terçarolli diz
Texto maravilhoso! Que trabalho de fôlego, admirável! Pretendo reler ainda muitas vezes e com certeza, dele extrair material da melhor qualidade para brindar meus
alunos com informação e conhecimento de primeiríssima linha!
Parabéns! Amei, querida Tereza!
Tereza Kawall diz
Amiga das estrelas como eu, grata pelas palavras, faça bom uso da nossa amada astrologia!
José Dagostim diz
Magnífico!
TEreza diz
Grata por comentar e gostar, beijos! Tereza
Maria da Graça Jaco Oliveira diz
Estou ligada à Astrologia há cerca de 30 anos, e gostaria de ser membro da vossa Associação
Redação Constelar diz
A qual associação você se refere, Maria da Graça? Àquela citada no box de autora de Tereza Kawall? Neste caso, você pode entrar em contato diretamente com ela seguindo o link que está no mesmo box.
Angela Schnoor diz
Acabo de imprimir todos os artigos de Tereza para ler com a devida atenção, mas já agradeço a oportunidade de aprender mais sobre este vinculo tão importante entre astrologia e a psicologia de Jung abordados sobre o enfoque da saúde.
Me será valoroso sob muitos aspectos, inclusive sobre minha saúde e carta natal.
Agradeço a Tereza e ao Fernando por este presente!
Redação Constelar diz
Presente foi o seu comentário, Angela. Se um artigo é útil para uma das astrólogas mais experientes do país, é porque realmente valeu a pena publicá-lo.
Tereza diz
Angela grata pela atenção , espero que gostes, um beijo!
Tereza