Difícil encontrar um adulto com mais de trinta anos que jamais tenha assistido a pelo menos um episódio completo de A Feiticeira (Bewitched), uma das séries mais bem-sucedidas da história da TV. Conforme diz a Wikipedia:
“Samantha” e “James” seriam um típico casal americano se não houvesse um detalhe inusitado: Samantha tem o poder de fazer mágica com uma simples torcidinha do nariz. E o marido James, um publicitário atrapalhado, também tem características incomuns, apesar de não ter nenhum poder excepcional. Quando descobre os dons da jovem esposa prefere ignorá-los, sem jamais contar com eles na solução dos seus problemas. Ele segue trabalhando duro, levando bronca do chefe, sem pedir ajuda a sua bruxinha particular. Já Samantha, fiel a sua origem, está sempre tentada a usar todos os seus poderes, para facilitar a vida do casal.
Mas o amor fala mais alto e para não desagradar ao marido a feiticeira vive driblando sua natureza de bruxa. O resultado desse conflito permanente é uma sucessão de situações complicadas, surpreendentes e muito divertidas.
A Feiticeira estreou na TV no dia 17 de setembro de 1964, às 21h. Podemos considerar tanto o mapa da estreia na costa leste, onde ficava o endereço do casal de ficção, quanto o mapa da estreia em Burbank, Califórnia, onde estavam os estúdios da rede de TV ABC e a mítica casa cenográfica onde a série foi gravada (e que virou uma atração turística para milhares de fãs). De qualquer forma, as duas cartas são muito semelhantes. Levantamos aqui o mapa para Nova York:
O eixo Ascendente-Descendente já tematiza a dualidade entre os valores do mundo material, com todas as suas exigências práticas (Ascendente em Touro) e o encanto da feitiçaria e dos poderes ocultos (Netuno em Escorpião no Descendente).
Júpiter em Touro na casa 1 parece falar da imagem que Samantha e James pretendem projetar no mundo: um casal normal, próspero, totalmente ajustado aos valores sociais vigentes. James é publicitário (uma ocupação jupiteriana) e vive atormentado pelas cobranças de Larry, seu ambicioso chefe (Júpiter em quadratura com Saturno na 10).
Já Samantha aparece claramente descrita na quadratura T entre Netuno, Vênus e Lua, três planetas femininos. Samantha é charmosa, exuberante e comunicativa (Vênus em Leão), mas vem de uma família esquisita e nada convencional (Vênus em oposição à Lua em Aquário na casa 10, regente do Fundo do Céu). Na verdade, ela nasceu por volta de 1685 e descende de uma longa linhagem de bruxos que parecem adorar sua condição de outsiders e nutrem um certo desprezo pelos mortais.
A figura que melhor incorpora a Lua em Aquário é sua mãe Endora, que vive interferindo na vida do casal e implicando com as limitações de James. Este, aliás, vive no pior dos mundos, pois tem uma sogra que, literalmente, é uma bruxa!
A ponte entre o mundo real de Vênus na 4 (a família humana) e o destino de bruxa que a família de Samantha espera que ela assuma (Lua na 10 e um tensionado Saturno regente do Meio do Céu) é aquele Netuno angular em Escorpião: Samantha tenta levar vida normal, mas, quando a situação aperta, faz um leve movimento com seu nariz e a magia acontece!
Urano-Plutão em Virgem: o mundo de pernas pro ar
A casa mais ocupada do mapa de estreia de Bewitched é a 5, relacionada à criatividade e à expressão pessoal da identidade. Lá estão quatro planetas em Virgem, como a dizer que o grande desafio do casal de protagonistas é levar uma vida autêntica: Samantha e James querem ser eles mesmos, e não aquilo que é esperado pelos seus respectivos círculos sociais.
O enorme sucesso da série tem a ver com o fato de que este é também o grande desafio geracional daqueles anos turbulentos. O seriado estreia num momento em que a ordem da sociedade americana, baseada em rígidas convenções sociais e segregação racial, está sendo ameaçada por todo tipo de movimento contestatório.
A Feiticeira estreia poucos meses depois do assassinato do presidente Kennedy e da marcha pelos direitos civis do pastor Martin Luther King. É o momento da escalada da Guerra do Vietnã, e em breve milhares de jovens estariam nas ruas protestando contra o governo e rasgando seus cartões de alistamento militar.
Durante os anos de maior sucesso do seriado o público vê os Estados Unidos serem varridos pelo movimento hippie, pela explosão da violência racial e por uma série sem precedentes de assassinatos políticos. Tudo isso está prefigurado na difícil conjunção entre Urano e Plutão em Virgem, que se torna exata em 1965, auge da popularidade de A Feiticeira.
Aliás, personagens esquisitos que não desejam mais do que serem eles mesmos também fazem sucesso em outros seriados da mesma época: A Família Addams, Os Monstros, Jeannie é um Gênio, sem falar nos super-heróis freak dos desenhos da Marvel, como Hulk e Homem-Aranha. Todos eles são expressões do mal-estar social daqueles anos em que a ordem virginiana é abalada e subvertida pelo trânsito de Urano e Plutão.
A bruxaria como metáfora
A condição de Samantha como feiticeira cumpre, assim, apenas o papel de metáfora. O que está sendo discutido no seriado não é a bruxaria em si, mas o dilema entre acomodar-se a papéis socialmente validados ou pagar um alto preço pelo direito de ser diferente — especialmente em questões de gênero. A genialidade de A Feiticeira está no fato de que a discussão é apresentada com sinais trocados: a forma que Samantha encontra para emancipar-se é, paradoxalmente, assumir o papel de boa esposa e boa mãe!
Não por acaso o seriado foi, ao longo de várias décadas, objeto de apaixonadas análises sociológicas. Até a lendária líder feminista Betty Friedan escreveu artigos para discutir se Samantha não seria apenas mais um símbolo de alienação.
Dois comentários finais sobre o mapa do seriado: para quem valoriza o uso de Lilith, ei-la na casa 8, no libertário signo de Sagitário, em quadratura com o contido Sol em Virgem. E, para quem dá importância especial aos quincunces, observe-se o fechado aspecto entre a Lua em Aquário e Urano na 5: muito difícil para Samantha manter sob controle aquele narizinho mágico!
Eliane Caldas diz
Que comemoração do dia das bruxas mais legal!!!
O mapa da feiticeira !!!
Obrigada
Intuitivamente, um dos recursos quando escolho um mapa na eletiva, que nunca é simples, como sabemos, quando tem que ser naqueles determinados dias e não estou conseguindo encaixar dentro dos critérios pré-estabelecidos, tento equilibrar um eixo. No caso do exemplo um stélium em Virgem e um Netuno angular, ou focal numa quadratura T… em alguns casos que acompanhei achei bem interessante.
Quando” A ordem virginiana é abalada com os trânsitos de Urano e Plutão” surge um Netuno em destaque para informar talvez a saída seja começar pelo complementar….considero a oposição, ou melhor O Complementar uma grande chave.
Alexandre diz
Me surpreende o uso de NY como local para o mapa. Esta metodologia não poderia ser usada para outras séries, como Perdidos no Espaço ou Jornada nas Estrelas.
Redação Constelar diz
Nova York era na época a sede da ABC, rede de TV que produziu e lançou A Feiticeira. Se bem que as gravações acontecessem em Burbank, California, as decisões relacionadas à programação da ABC ocorriam todas em NY. Era também o endereço de Samantha e seu marido Darrin (James) durante parte do seriado. A agência de publicidade onde Darrin trabalhava também ficava em NY. Se considerarmos a cidade de Connecticut onde, em certos episódios, o casal vivia, o mapa é praticamente o mesmo, já que a distância é pequena. E se relocalizarmos o mapa para a região de Los Angeles, a estrutura da carta se mantém a mesma, pois o programa estreou por lá mais tarde, às 21h pelo fuso da costa oeste. Apenas a Lua faz um deslocamento significativo, mesmo assim insuficiente para criar qualquer aspecto novo.