“O Abutre”, que estreou no Brasil em dezembro de 2014, é um filme estrelado por Jake Gyllenhaal. A película adentra no submundo dos “nightcrawlers” (abutres, em inglês), os jornalistas free-lancers que rastreiam acidentes ou crimes violentos nas grandes cidades americanas, a fim de venderem as imagens por muito dinheiro às televisões locais. O filme, já em sintonia com Saturno em Sagitário (ingresso em 23 de dezembro de 2014), mostra a ética duvidosa do protagonista, e também da mídia. Mas seriam apenas deles? Discussões éticas serão um dos temas deste posicionamento, até o final de 2017.
Gyllenhaal é Lou Bloom, no início do filme é um “zé ninguém”: cabelo ensebado penteado para trás, olhos azuis atentos e saltados na face magra e angulosa, e uma mente e um discurso rápidos como uma bala. O palavreado cheio de frases feitas e persuasivas remete ao arquétipo de Gêmeos. Lou é fã da Internet, onde pesquisa de tudo (Gêmeos é conhecido por conhecer um pouco de cada coisa). E quando fala sobre si mesmo usa uma definição geminiana: “aprendo rápido”.
No caso dele, é Gêmeos na sua faceta de ave de rapina, da esperteza levada a extremos. Como o próprio nome já diz, um abutre. No início, Lou rouba objetos para vender e sobreviver. Um belo dia, ou melhor, noite, em uma destas esquinas de Gêmeos, fareja a existência de um filão bem mais promissor que o dos pequenos furtos: o dos profissionais autônomos que vendem imagens de crimes e acidentes para a televisão. Eis um roubo muito mais lucrativo: o de tragédias, com todas as suas imagens cruas. Neste momento, começa o que será um verdadeiro casamento de Lou com a mídia. Ora, mídia é regida por Gêmeos. É quando o até então esfarrapado ladrão encontrará a sua verdadeira vocação que – não importa quão estranha venha a ser – irá tirar o melhor e o pior dos seus talentos.
A dura casca dos sobreviventes
Lou é um sobrevivente, vive de negociar, e, peixe pequeno, de receber negativas. Isto faz parte do seu dia a dia. É imunizado contra o “não”, o que o torna uma pessoa forte. Nada contra a corrente todos os dias. E com força. É autotreinado para insistir, persuadir e ganhar tantas portas na cara quanto forem necessárias até finalmente conseguir. Disso depende sua sobrevivência, por isto usa quaisquer argumentos que se façam necessários.
Lou não tem relações, sua vida é solitária. Diversas vezes no filme ele aparece simplesmente aguando plantas. Se colocarmos Gêmeos no que seria a primeira casa do mapa, ele terá Virgem, signo das plantas, na quatro simbólica, a do lar e da intimidade. Na sua vida privada, o aprendiz de abutre é meticuloso e aplicado (Virgem). Em alto grau, diga-se de passagem. Ele sabe fazer a “lição de casa”, pois disso depende sua sobrevivência e, na nova profissão, sua ascensão. É orientado para o sucesso, tanto que decora todas as máximas, princípios, argumentos e estatísticas dos melhores manuais de marketing e administração que possam ajudá-lo a fazer o seu trabalho, ou seja, persuadir a si mesmo daquilo que pretende e os outros. Lou é uma máquina poderosa de vendas (uma temática geminiana, aliás).
O realizador encontro com a verdadeira vocação
O incrível mundo das tragédias filmadas torna-se uma imensa universidade para desenvolver talentos e especialidades que até então só garantiam o pão de cada dia. A casa dez simbólica do mapa de Lou é Peixes. Peixes é também um signo de mídia e de todo tido de fantasia e invenção. Para Lou, suas fantasias corporativas são tão presentes quanto seu carro vermelho, e, ironicamente, acabam por um dia se tornar reais. Dentro desta concepção altamente distorcida de Peixes, o mundo real já é um lugar que pode ser manipulado, inclusive mudando a posição de um corpo em uma cena.
Devido a uma frieza interior, no pior uso de Virgem na casa quatro, uma das coisas mais desconcertantes e admiráveis na personalidade de Lou é o seu poder de realização. O abutre do filme traça metas e jamais desiste, e acredita piamente nelas: uma das utilizações de Peixes na casa dez, que é quando o sonho (Peixes) empurra a realização dos objetivos (casa dez). Bom, se ele não tem para onde ir, quem encontrar, e, com Virgem na simbólica casa quatro, não se perde em vícios que poderiam anestesiá-lo para lidar com um cotidiano frequentemente apequenado e mesquinho, ele está sempre inteiramente mergulhado nesta realidade virtual que o guia, e que encontra plena realização no mundo fantástico da tevê. Um espaço de infinitas possibilidades de manipulação.
Orientado para o sucesso
Lou contrata um suposto estagiário, a quem treina, explora (ele entendeu que o mundo muitas vezes funciona assim) e também enche de reprimendas a fim de ajustar sua performance. O abutre é exigente na sua intimidade (Virgem na casa quatro). Faz o empregado crer que tem um grande potencial pela frente. Ou seja, ele vende incrivelmente seu peixe, como sempre fez. Nisso há também Sagitário na casa sete: as promessas que se faz ao outro, em grande estilo. Nem sempre para serem cumpridas, é claro (expressão negativa de Gêmeos no Ascendente).
O ambiente televisivo, portanto, se encaixa perfeitamente com Lou. Ele é exigente, a televisão também. Tem que ser a imagem certa, com boa qualidade e timing perfeito. De um “zé ninguém”, vai se tornando um especialista em um trabalho lúgubre. Curiosamente, esta poderia ser uma das possíveis expressões de Escorpião na casa seis simbólica: lidar com o poder (da mídia) e também com a morte no cotidiano. Talvez Lou tenha o Sol neste signo, porque, sim, como profissional ele é excelente. Determinado, rejeitado, abutre, sempre capaz de renascer das cinzas. Lou nunca se desvia do que quer. É um empresário em seus sonhos e um homem extremamente determinado. Mas sem vida pessoal. Mesmo que tivesse, com tal grau de distorção no uso dos signos, ela estaria provavelmente bastante comprometida. Quem mente em um lugar, mente em outros, como uma sala de espelhos. Um problema ético. Um problema de Saturno em Sagitário.
Os parceiros do abutre
E quem são os parceiros de Lou? Um deles, sem dúvida, é Nina (René Russo), a produtora do programa sensacionalista. Os pares de Lou são, a princípio, simbolizados por Sagitário na casa sete. No início, este signo se manifesta como pessoas que estão sempre acima dele, muito acima. Ele é um ratinho ao lado deles.
Mas, esperto como este animal, está sempre farejando oportunidades também. Com uma vida pessoal tão vazia, não é de se espantar que a ambição ocupe todo o espaço de seu plano mental. Lou é treinado para conseguir o que quer, custe o que custar. E, como já foi ladrão, desde o início o fim já justificava os meios. Ele trabalha para um programa televisivo que também quer as imagens, que, por sua vez, trabalha para alguém que quer vê-las, assisti-las, o que, por seu turno, atrai anunciantes, e Lou está no início desta cadeia e vai se tornando cada vez mais profissional no que faz.
Com uma casa oito simbólica em Capricórnio, trabalha persistentemente para descobrir as vulnerabilidades nas outras pessoas, e para usar o que sabe no tempo certo (Capricórnio) – e com a atitude certa, pois quem chantageia (casa oito) há de ter autoridade e saber muito bem o que está fazendo (Capricórnio). O que lhe dá dinheiro (casa dois simbólica) é o que o público quer ver (Câncer na casa dois). E o instinto da produtora Nina diz que as histórias sobre assaltos nas áreas de classe alta (outro tema canceriano) são o que o público tem fome de assistir. Lou entende a mensagem e começa a se direcionar para encontrar o que ela deseja.
Especialista em iludir
Ele se torna um mestre do ilusionismo. Um expert em fatiar histórias a fim de vender cada naco dela para obter o máximo de lucro. E lucro ainda maior terão todos aqueles que compram e usam estas imagens. Bem longe disso tudo ficará o compromisso com a verdade.
A mídia, a quem Lou serve, também tem um Ascendente em Gêmeos. Sua meta é despertar interesse. Com isto, tanto pode vender fantasias a respeito de artistas como, se o caldo entornar, explorar suas misérias. Tem o poder de Peixes no Meio-do-Céu de ajudar pessoas ou prejudicá-las. A publicidade, então, é a cara deste signo. Quem não se lembra das espetaculares propagandas de cigarro, com cenários incríveis, quando o fumo é algo que, em essência, diminui o fôlego e tende a abreviar a vida? Mas quem quer refletir a respeito desta contradição?
Psicopatia
Lou não se liga a ninguém. Existe um jogo de sedução com Nina, que foi quem lhe abriu as portas, mas isto nada tem a ver com sentimentos. No começo, a produtora é indiferente, até porque, na escala de poder, está bem acima dele. Ela subestima o poder que os pequenos podem vir a ter. Na proporção em que Lou vai se tornando mais persuasivo e agressivo, é como se uma nova tensão erótica e sadomasoquista fosse se instalando entre ele e uma até então reticente Nina, e ela fosse aos poucos se rendendo. Até que acaba encantada diante de uma pessoa que vai conseguindo tudo o que quer, como um trator. Ao invés de se sentir agredida pelas chantagens de Lou, ela adora, até porque, apesar de ter de ceder espaço, ela é mantida dentro do jogo, sua necessidade também. A admiração que os espertos causam. Principalmente naqueles que falam sua própria língua.
Esta admiração é também comum no tecido social. Aquele que realiza grandes feitos é cultuado como um deus, mas pode cair das graças se descer do mesmo Olimpo e perder seus bilhões – ou cometer um grande deslize. É o perfume sedutor do capitalismo ao qual, bem ou um mal, estamos todos acostumados, ainda que muitas vezes enojados de roubalheiras, explorações, desvios, mentiras.
Lou explora impiedosamente porque também foi explorado e, quando tentam virar o jogo contra ele… Bem, ele se tornou um especialista em sacanagem. Ele sabe como este jogo funciona. E não perdoa traições. O poder muitas vezes faz isto.
Filme não fala apenas da mídia
Lou é um homem frio abastecendo uma mídia fria e, admitamos, uma sociedade humana que ainda tem muito para evoluir também. De acordo com as palavras do diretor, acerca da natureza moral do protagonista, “suas ações não são menos graves do que quando um CEO cancela o seguro desemprego de seus funcionários ou demite milhares de trabalhadores para ganhar em lucros que logo serão revertidos em caprichos”. Nenhuma responsabilidade, assim como Lou não tem. E continua: “Vivemos em um mundo brutal, onde o que conta é o que nós ganhamos, e Lou enxerga isso”. E, por fim, completa: “Acredito que se fôssemos encontrá-lo 10 anos depois, estaria dirigindo um grande canal de televisão”. E sendo aplaudido.
Este, muitas vezes, é o modelo de sucesso. Quem não será o abutre, senão um sistema exageradamente comprometido com lucros máximos e o sucesso sem limites, assim como Lou e Nina? Não é este justamente o problema ético? Não é sobre isto que o filme fala em tempos de Saturno em Sagitário, em que precisamos começar a sair dos interesses mesquinhos de poder e abuso financeiro (como uma expressão negativa de Escorpião, signo anterior), e buscar nos elevarmos (Sagitário) rumo a uma organização social (Capricórnio) melhor, mais justa? Menos cruel e indiferente?
No eixo de negatividade que compõe Gêmeos-Sagitário, Virgem seria, na casa quatro, a falta de alma e frieza, pois todas as baboseiras, bobagens e sentimentalismos estão sendo vendidas na casa dez em Peixes. Quantos vilões que você conhece que não têm uma aparência sentimental? Presenteiam de um lado, enquanto abusam (Peixes negativo) severamente de outro? O que é a corrupção em grande escala senão um grande abuso social?
De toda forma, mesmo que de maneira muito lenta, a fria sociedade humana vem evoluindo, pois há até pouco tempo atrás era totalmente admissível explorar cruelmente seu semelhante, e vendê-lo como se fosse um bem. Era o tempo da escravidão. Hoje, milhões de pessoas ainda vivem vidas indignas. A humanização é um processo lento.
Se colocarmos Sagitário no Ascendente como um desenvolvimento da ética (não querendo dizer, em absoluto, que Sagitário seja melhor do que Gêmeos, e sim, que Gêmeos no Ascendente, no caso presente, simboliza a superficialidade social e as mentiras contadas, como no caso da mídia e Lou), Peixes estará na casa quatro, representando uma maior sensibilidade para com o todo, o conjunto, enquanto Virgem na casa dez seria a possibilidade de se organizar um sistema mais justo, que permitisse a mais pessoas os serviços básicos.
O filme fala de ética, e foi lançado bastante próximo do início do trânsito de Saturno por Sagitário, signo ligado a esta temática. Assim como os excelentes “Tropas de Elite – 1 e 2”, mostra que a corrupção, desvios e problemas que acontecem em âmbitos menores (como a mídia sensacionalista) e que são apenas retratos de algo que está acontecendo em um âmbito muito maior. E, ainda, no coração – e cérebro – de muitas pessoas. Que Saturno em Sagitário nos faça, de alguma forma, pensar. E começar, mesmo que milimetricamente, a avançar como seres humanos.
Caio Leite de Paula diz
Vanessa, o ator é sol-netuno em sagitário, ainda que tal conjunção seja em orbe larga. É da geração jupiter-saturno em Libra, que demonstra uma dinâmica diferente da persona.