Charles M. Schulz nasceu em Saint Paul, Minnesota, de uma família de poucos recursos. Seu pai era dono de uma barbearia, e foi com dificuldade que conseguiu pagar o curso de desenho por correspondência que o tímido Charles tanto queria fazer. Tal como já ocorrera com Walt Disney algumas décadas antes, o talento de Schulz não foi imediatamente reconhecido e, no curso de desenho, sua nota foi apenas sofrível.
A pequena e gélida Saint Paul era uma das cidades americanas com maior percentual de imigrantes, especialmente alemães, irlandeses e escandinavos. Schulz, como o próprio sobrenome revela, vinha de uma dessas famílias europeias, e alguns dos personagens que criou lembram a mesma origem, como os irmãos Lucy e Linus Van Pelt e Schroeder, o menininho pianista.
Schulz, o criador de Peanuts
Durante a Segunda Guerra, Schulz foi convocado para servir na Europa, e parece ter sido esta experiência que lhe deu confiança em si mesmo. O rapaz tímido foi obrigado a transformar-se num soldado eficiente e, graças às habilidades como cartunista, tornou-se também muito popular entre os companheiros de armas.
Ao voltar da guerra (onde não chegou a disparar um único tiro), consegue um emprego num jornal católico, onde seu trabalho resumia-se a escrever legendas para as tirinhas produzidas por outros desenhistas. Mais tarde, passa a dar aulas de desenho na mesma escola em que havia estudado e, nesse ambiente estimulante, aprimora sua técnica e toma contato com algumas pessoas que servirão de inspiração para futuros personagens – inclusive um sujeito chamado Charles Brown e uma garota ruiva por quem alimenta uma paixão sem futuro (o personagem Charlie Brown também é apaixonado por uma garotinha de cabelos vermelhos).
Apenas depois de conseguir a publicação de um cartoon no Saturday Evening Post, Schulz começa a chamar a atenção dos grandes syndicates (as distribuidoras americanas de histórias em quadrinhos). O United Feature Syndicate interessa-se por uma proposta do desenhista de produzir uma série chamada L’il Folks (algo como Gente Miúda), mas, para evitar confusão com outros quadrinhos, especialmente L’il Abner (conhecido no Brasil como Ferdinando), a empresa impõe a mudança do nome para Peanuts (amendoim – lançado como Minduim, no Brasil).
Schulz não gosta nem um pouco da nova denominação, que soa para ele como uma tentativa de caracterizar seus quadrinhos como algo “sem importância”. Contudo, o público parece gostar. Aos poucos, mais e mais jornais passam a publicar as tirinhas e, nos anos 60, Peanuts já é, segundo o jornalista e especialista em quadrinhos Álvaro de Moya, a tira diária “mais recortada e exibida ou enviada nos States”.
Além disso, intelectuais e teóricos da comunicação começam a perceber o verdadeiro mérito do trabalho: uma forma inovadora de retratar com agudeza e insights filosófico-psicanalíticos as angústias e inseguranças do homem contemporâneo, como lembra Álvaro de Moya:
Charlie Brown, seu personagem principal, é a síntese de todos os complexos de todos os homens, adquiridos na infância. Eis a insegurança, o insucesso, a dúvida, a ingenuidade, a inabilidade de empinar papagaios, os braços caídos ao longo do corpo em incapacidade total, desistência de ação, impossibilidade de reação. (MOYA, Álvaro de. Shazam! SP, Perspectiva, 1977.)
Charles Schulz nasceu em 26 de novembro de 1922. Seu registro de nascimento não informa a hora, que permanece desconhecida, mas, considerando apenas os aspectos mais gerais da carta, já é possível extrair algumas informações esclarecedoras.
O Sol está em Sagitário, em conjunção com Vênus, indicando uma disposição para enxergar o mundo a partir de uma perspectiva filosófica e afetiva. O Sol forma também uma quadratura com Lua e Urano em Peixes, enquanto Marte em Aquário opõe-se a Netuno em Leão. Estes são aspectos-chave para compreender o genial desenhista, como veremos mais adiante.
O grande trígono em signos de Água do mapa de Schulz (Júpiter em Escorpião, Lua-Urano em Peixes e Plutão em Câncer) fala de sensibilidade, empatia e uma disposição compassiva para com as imperfeições do gênero humano. É o mapa de alguém que consegue sintonizar emocionalmente com o outro, compreender a alma humana em profundidade e traduzi-la em poucas palavras com a ajuda do sagaz e instigante Mercúrio nos últimos graus de Escorpião, já em conjunção com Vênus e Sol em Sagitário.
Charles M. Schulz morreu na noite de 12 de fevereiro de 2000, em Santa Rosa, Califórnia, vítima de complicações de um câncer de cólon. Em janeiro, produzira sua última tira original, em que se despedia de seus leitores através de uma pequena mensagem saída da máquina de escrever de Snoopy. Nela, agradece a companhia de todos ao longo de quase 50 anos e anuncia que teria de parar para dar mais atenção a seu tratamento de saúde.
No dia seguinte, 13 de fevereiro, 2.600 jornais em todo o mundo publicaram esta tirinha de despedida junto com a notícia da morte do desenhista. Schulz sempre desenhou seus personagens sozinho e não queria que o trabalho fosse continuado por terceiros, após sua morte. Desde 4 de janeiro de 2000 o United Feature Syndicate, que tem o copyright de Peanuts, passou a distribuir outra vez as tirinhas produzidas a partir de 1974 – época em que todos os personagens já estavam criados e em que o talento do autor já atingira a plena maturidade.
O universo ficcional de Peanuts
Personagens de ficção podem ter uma carta natal? A resposta depende de muitos fatores. Em primeiro lugar, um personagem deve refletir o mapa de seu criador e dos trânsitos e progressões que o ativavam no momento da criação. Em segundo lugar, nem sempre um personagem tem uma carta claramente definida.
Os de Walt Disney, por exemplo, não respondem de forma cabal ao mapa do dia de seus respectivos lançamentos, talvez porque estivessem inseridos em um processo de produção de natureza industrial, onde o lançamento público situava-se por vezes num momento muito posterior ao da concepção na prancheta de desenho. Além disso, Disney criou pessoalmente poucos personagens. A maioria surgiu do trabalho de equipe de muitos artistas gráficos, constituindo, antes de tudo, o fruto de um esforço coletivo.
De maneira geral, não é uma boa ideia acreditar que as configurações astrológicas do dia do lançamento possam explicar o comportamento de um personagem da mesma forma como interpretaríamos o mapa de um indivíduo real. Contudo, Peanuts é uma exceção, talvez porque os personagens de Charles Schulz tenham uma profundidade psicológica rara no universo da cultura de massa, ou talvez porque sua concepção seja obra exclusiva de um único artista. Schulz, por assim dizer, “distribuiu seu mapa” pela turminha que criou para povoar as tirinhas de Peanuts. Vamos a eles.
Charlie Brown, o menino de cabeça redonda
Charlie Brown corporifica todas as características do anti-herói desajeitado. É o perdedor nato, o garoto que não consegue fazer nada direito. “É claro que Charlie Brown sabe como soletrar fracasso”, diz numa historinha a maldosa Lucy, “ele tem sido um fracasso a vida toda.” O menininho cabeçudo é sempre o alvo preferencial das brincadeiras dos amigos e jamais acerta uma jogada nas partidas de baseball. Lucy vive a enganá-lo, prometendo segurar a bola de futebol americano enquanto ele corre para o chute. Invariavelmente, ela tira a bola no última instante, levando Charlie a chutar o ar e cair de costas.
O mapa de Charlie Brown confunde-se com o da própria série Peanuts, pois é ele o protagonista da primeira tirinha, publicada em 2 de outubro de 1950. Charlie é bem intencionado, íntegro, polido e gentil com todos (Sol em Libra). Sua maior necessidade é sentir-se aceito (outro traço libriano). Faz de tudo para merecer o respeito e admiração de seus pares, mas os sucessivos “foras” levam-no a vergar ao peso da própria sensação de incompetência.
As quadraturas da Lua em Gêmeos – signo da habilidade e da destreza – podem explicar alguns dos mais sérios problemas deste personagem. Uma das quadraturas é com Mercúrio em Virgem, sendo Mercúrio o próprio regente de Gêmeos. A outra é com Saturno, também em Virgem, planeta que simboliza as cobranças e exigências da sociedade e o desconforto íntimo delas decorrente. É como se Charlie se sentisse na permanente obrigação (Saturno) de provar o quanto é esperto, inteligente e hábil (atributos da Lua em Gêmeos), fracassando exatamente em decorrência do excesso de ansiedade e do medo de errar (Mercúrio conjunto a Saturno).
Snoopy, o inventivo
Snoopy (intrometido, ou xereta) é um cãozinho beagle extrovertido, cheio de imaginação e que se considera… simplesmente o máximo! Não é raro vê-lo deitado de barriga para cima, no teto de sua casinha de cachorro, a imaginar-se como protagonista das mais loucas aventuras. No domínio da fantasia, Snoopy vive os mais extravagantes personagens saídos de sua rica imaginação, e sendo sempre bem-sucedido. Tem uma excelente imagem de si próprio, ao contrário de seu dono, o complexado Charlie Brown.
Não é de muita utilidade quando se trata de questões práticas. Numa historinha, Linus perde seu cobertor e Charlie Brown lhe empresta Snoopy – que supostamente é um cão de caça – para ajudar a encontrá-lo. Na volta, Linus está furioso: “Você e seu estúpido cão, Charlie Brown. Vocês me deixam louco! Ele não presta pra nada. Ele não consegue achar nada!” E tudo porque, no meio do caminho, Snoopy simplesmente esquecera sua missão e preferira devanear, imaginando-se um magnífico astro internacional de patinação artística.
Snoopy não tem os pés no chão. É um tipo Aquário com toques netunianos – na verdade um alter ego do próprio Schulz, que tinha Lua em conjunção com Urano em Peixes em quadratura com o Sol em Sagitário. Para Snoopy, que importância pode ter o cobertor de Linus? O mundo é vasto demais, interessante demais para que assuntos menores possam monopolizar-lhe a atenção.
O mapa da estreia de Snoopy – que aconteceu em 4 de outubro de 1950, apenas dois dias depois do lançamento de Peanuts e de Charlie Brown – apresenta as mesmas posições planetárias da antevéspera, com exceção da Lua, que se desloca de Gêmeos para Câncer. As identidades entre a carta natal de Charles Schulz e a do lançamento de Snoopy são inequívocas:
- a) Schulz tem Lua em conjunção com Urano, assim como Snoopy;
- b) Schulz tem Lua em Peixes; Snoopy tem a Lua em Câncer (exaltação de Júpiter, regente tradicional de Peixes) em quadratura com Netuno (regente moderno de Peixes);
- c) Tanto Schulz quanto Snoopy têm a conjunção Urano-Lua em quadratura com o Sol;
- d) Schulz tem o Sol em conjunção com Vênus; Snoopy tem o Sol em Libra e Vênus em domicílio no mesmo signo.
Charlie Brown e Snoopy parecem ser as duas facetas da vida de Schulz. O menino desajeitado é a projeção do autor em sua infância e primeira juventude, introvertido, tímido e deslocado. O cão que se imagina um herói da I Guerra Mundial é o Schulz maduro, já em pleno domínio da capacidade criativa e capaz de permitir-se a uraniana extravagância de desenhar personagens de fundo psicanalítico e filosofar em tirinhas de jornal.
Conclusão: o legado de Peanuts
Nada define melhor o universo ficcional de Peanuts quanto o Sol em Libra e a quadratura Lua-Saturno de 2 de outubro de 1950. O posicionamento do Sol aponta para o tema subjacente a todas as historinhas: o impulso de integração social. Sentir-se aceito é, em última instância, a meta de todos os personagens de Schulz, o que significa relacionar-se com o outro e tentar compreendê-lo.
Assumir o compromisso da parceria, enfrentando todos os desafios do confronto com a alteridade, é a grande aventura libriana dessas crianças precoces, metáforas da angústia do homem moderno submetido às pressões da sociedade urbana. O desafio é representado pela áspera quadratura Lua-Saturno do mapa da primeira tirinha, naquele distante 1950. Os meninos dos quadrinhos de Schulz são adultos em miniatura, que internalizam as cobranças da vida em sociedade sob a forma de culpas e inseguranças. Por isso são tão humanos, e tão próximos dos leitores.
Neste sentido, a generosidade jupiteriana de Charles Schulz legou-nos um espelho precioso: com Charlie Brown, descobrimos que “ser um cara legal” não significa necessariamente ganhar sempre ou receber os aplausos do grupo. O menininho cabeçudo que jamais conseguirá aprender a jogar baseball tem a seu favor a ética e a honestidade, temas do Sol em Sagitário de Schulz e do Sol em Libra do personagem. E não é pouco.
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