Algumas ideias sobre Marte astrológico
As significações do planeta Marte mais conhecidas o descrevem como o deus da guerra. Daí se conclui normalmente que ele seja responsável por ações de ataque e de defesa, por competição, tudo no terreno da luta e da agressividade. Tais generalizações são apenas em parte adequadas porque, na verdade, a energia marciana de que todos nós dispomos na vida pode ter variadas maneiras de se expressar.
Seleciono duas dessas possibilidades que cabem nos propósitos de análise do filme em questão. A primeira delas diz respeito ao guerreiro, aquele que protege as pessoas e seu grupo. Ele vive para tal tarefa, para a qual foi indicado por sua coragem e virtude. A correção de comportamento e a integridade são a ele relacionadas. Não há excessos, mas a realização da luta e do exercício da coragem quando necessários. Pela honra e defesa do bem, a virilidade de Marte está a serviço do próximo. Essa expressão marciana cabe bem no desenho do cavaleiro da Idade Média, visto que a cavalaria daquela época era uma instituição ligada à honra e ao código de conduta, que podia ser definida não pelos desígnios da guerra, mas pelo compromisso social.
A segunda possibilidade de significado diz respeito à característica inata e básica do ser humano, no seu nível mais instintivo. Seria a característica da natureza humana, que precisa sobreviver e por isso sai em busca de recursos. Nesse sentido, Marte se associa ao movimento da conquista, do ardor, da paixão a caminho de algo ou de um lugar. O planeta Marte, com essa acepção de sentido, seria também o recurso para que o indivíduo desenvolva sua identidade. Pode parecer um propósito egoísta, mas ele é, na verdade, o princípio da vida.
Ambos os significados, segundo a teoria, podem se manifestar em vários níveis. O deus Ares da mitologia grega ou o Marte da romana precisam ser agressivos na medida exata. Mas, exageros cabem nos dois tipos de expressão que citamos. O desenho do mapa astrológico manifestará tais diferenças se lembrarmos que há dignidades e debilidades na expressão de um planeta.
Conferimos a seguir como se colocam tais significados no filme em questão. As personagens nos oferecem um quadro de múltiplas expressões marcianas, em geral relacionadas ao signo de Áries, embora também possamos nelas entrever sinais de Escorpião, o segundo signo que nosso planeta pode representar.
Movendo o mundo
Iremos encontrar neste filme muitos daqueles ingredientes que fizeram (e fazem) a alegria de muita gente: mocinho, bandidos, tiros, mortes, cavalos. Prevenimos que não vale a comparação com o filme Bravura Indômita (1969) estrelado por John Wayne, pois os irmãos Cohen (diretores do filme) expressaram claramente a intenção de seguir o livro de Charles Portis (1933 – ) e não de fazer um remake. Negação do primeiro filme? Precaução? A resposta a essas perguntas não importa para nós neste momento.
Este filme tem uma linguagem adequada aos dias de hoje. Esbanja excelência no trabalho dos atores, na fotografia e nas belas paisagens. Um ou outro fato improvável pode ser desculpado no roteiro deste grande filme, que podemos chamar de faroeste. É permeado de índices dos filmes antigos, ainda que não apresente um final feliz. E – para felicidade nossa – conta com sinais evidentes da assinatura de seus diretores.
Mattie Ross (Hailee Steinfeld) sai em busca de vingança pela morte de seu pai, assassinado por Tom Chaney (Josh Brolin) , que roubou ouro de seu patrão e ainda se foi pelo território indígena com seu cavalo. Para tal empreitada, ela contrata o xerife Rooster Cogburn (Jeff Bridges) , analfabeto, cachaceiro e bom no gatilho, embora tenha um olho só. Ele é ajudado pelo policial texano Labeouf (Matt Damon), que também busca o Chaney por ter matado um senador em seu estado. Mattie não concorda com essa presença. A partir daí, a trama revelará ao espectador muitas surpresas.
Como uma resenha do filme analisa, “Trata-se de uma trama simples, num ‘território onde os fracos não têm vez’, onde não há margem para grandes digressões filosóficas. A vida como ela é.” (PRIOR, 19/02/11)
É neste quadro que entramos no mundo de Marte: pelas mãos de Mattie, com o desafio de ser forte e de vencer os obstáculos, com coragem, energia física, autoconfiança, atenção e ação consistente.
O projeto de vingança que a move dá início à narração. Não pela dor ou mágoa, mas pela sede de justiça. Ela parte para cumprir o seu projeto e diz à mãe em carta: “Estou prestes a embarcar em uma grande aventura.” Com essa decisão clara e definitiva, destemida, ela vai ao encontro de seu desejo, em um mundo duro.
Nesse início da história percebemos que o comportamento da Mattie nada tem a ver com sua idade, nem com o que se espera de uma mulher. Ela apresenta uma individualidade consciente de seu objetivo de vingar a morte de seu pai, o qual, segundo ela, teria aprovado sua atitude.
Este seu último depoimento pode ser um sinal de proximidade entre eles, que lhe teria aberto as portas do mundo masculino de então. Com ele, possivelmente, ela teria aprendido como negociar, montar e usar armas. Sabemos que ele era maçom, de onde podemos supor o nível de cultura do contexto em que ela vivia, e que lhe teria dado oportunidade de coletar informações que não faziam parte do mundo feminino, tais como habilidades para lidar com números e letras. Além de alfabetizada, tinha acesso ao latim e às páginas da Bíblia. Ela vive muito pouco do mundo feminino, que aparece em algumas situações, como por exemplo, a harmonização que ela tenta estabelecer entre Cogburn e Laboeuf, quando eles brigam.
Não lhe fazem falta os confortos destinados às mulheres, citados por Cogburn, ao avisá-la da rudeza da empreitada que vai começar.
Ao olhar seu pai no caixão, embalsamado, não perde o foco na tarefa para a qual se prepara e não o beija, porque “O espírito já se foi”, diz ao dono da funerária, passando para o próximo tópico a resolver, sem titubear.
Após as decisões iniciais, Mattie compra um cavalo e o reconhece parceiro, familiarizando-se com ele. Toma da arma, agasalho e chapéu, heranças do pai, e se faz, assim, cavaleira. Todos esses elementos são símbolos do mundo do faroeste, em que o homem se arma e prepara para o confronto com o mundo, em que deparará com muitos inimigos até que encontre o que procura. Age como defensora da honra, com correção e virtude. Invoca em situações difíceis a justiça legalmente estabelecida, na figura dos advogados, da corte e da lei, mas sabe, de antemão, que podem não lhe valer nada. Essa invocação da força da lei nem sempre cabe nesse mundo hostil de limites pouco delicados. Mas é assim que ela se investe do papel de defensora, falando em nome da mãe e irmãos.
Ela representa o primeiro significado de Marte que citamos. Ao longo da narrativa, tais sinais são desenvolvidos. Mattie incorpora com espírito viril comportamentos tipicamente masculinos em um mundo em que a mulher tem papel doméstico por excelência. Abre mão de conforto, não perde o foco em emoções, conta com os privilégios das informações e conhecimento que detém, apresenta a determinação e capacidade para realizar seu objetivo. Por ordem moral, ela sai em busca de justiça.
Outras paixões, outros ardores
Porém, outras personagens manifestam outros aspectos marcianos. Assim, Cogburn e Laboeuf têm uma representação e função social e compõem com Mattie um trio em busca da ordem legal. São os que estão preparados realmente para a conquista do que ela deseja.
Ela escolheu, dentre os que lhe foram indicados pelo xerife, o homem que ele adjetivou como o “mais cruel”. Mas ela confirma essa opção depois de ter assistido à sessão de júri a que foi submetido, situação na qual ela pôde averiguar de sobra suas qualidades: objetividade, astúcia, inteligência. Essa longa cena expõe intencionalmente a figura do xerife Cogburn, homem de natureza bruta, mas objetiva e honesta.
A união com Laboeuf inclui a pitada de complicação necessária para tornar a narração mais interessante. A partir de razões diferentes, ambos querem o mesmo homem e numa parceria difícil seus contratos são feitos e desfeitos, de acordo com o andamento das situações.
Além desses homens do bem, temos outras personagens também associadas à manifestação de Marte, mas apresentando motivações de outra ordem.
Do encontro dos nossos três heróis com essas outras, aparecem os efeitos da agressividade marciana na briga pela sobrevivência em um mundo ausente de leis. Através deles acontecerão emboscadas, provocações e insultos. Crueldade, brutalidade e raiva. Outra realidade mais urgente se estabelece, questão de vida ou morte. Essa é a lei. Expressões de Marte como índice de algo básico na natureza humana.
As situações humanas se complicam como é de se esperar em bom filme de ação. No desenvolvimento da narrativa, pouco a pouco, a astúcia e a estratégia entram em cena. O aparecimento de caverna com cobras complementa o quadro de expressão marciana matizada por Escorpião.
Temos, portanto, ambas as presenças: a objetividade crua de Marte ariano e a astúcia escura de Marte escorpiano. Temos também inúmeras possibilidades entre esses dois polos. Mas temos, principalmente, a representação da força que movimenta, do impulso que produz e gera, e da ação que protege a vida do outro.
Movendo nossa imaginação
Mas a relação entre as três personagens centrais vai se transformando, fica mais intensa, mantendo o clima de contínuo confronto e competição. Desde a situação inicial, em que entram ameaças de morte, como na cena em que Mattie atravessa o rio, até a cena impagável em que Laboeuf e Cogburn de maneira adolescente disputam quem tem a melhor pontaria.
No entanto, ao longo da história, as surpresas constroem uma situação de dependência em que os vínculos afetivos acabam se estabelecendo. Pouco a pouco, surge o lado humano, que acaba rompendo o lado hostil de disputa e individualidade desse mundo, abrindo espaço com expressões de sensibilidade e respeito entre essas pessoas. Mattie, muito tempo passado dessa época, homenageia o parceiro mesmo morto, em ritual delicado por longos anos. Também Laboeuf e Marshall Cogburn deram sinais dessa abertura emocional. Quanta abertura? Sensibilidade de que tipo? Isso fica a critério de nossa imaginação.
A imagem de Mattie cresce perante seus parceiros de jornada. Ela inicia o filme com uma narração, antecipando, de certo modo, o desenrolar de sua personagem. A narração final confere a ela verossimilhança, quando temos mais detalhes de sua história pessoal. Sabemos, então, que ela nunca se casou. “Não tive tempo para essas coisas”, confessa. Podemos supor que ela, apresentando comportamentos essencialmente masculinos quando jovem, continuou pela vida em papéis marcianos, como por exemplo, a defesa da família? De novo, fica a instigação marciana para a liberdade de imaginar.
E uma última provocação imaginativa. Em inglês – e nesse contexto -“True Grit” significa verdadeira dureza ou firmeza. Embora saibamos que ambos saíram vivos e vitoriosos, como cabe a um bom embate do Marte, deus da guerra, quem é a personagem central, digna de carregar esse significado? Quem é a figura de bravura indômita? Mattie Ross ou Rooster Cogburn?
Acredite. Trata-se de prato cheio para quem gosta ou não gosta de faroeste.
Referências bibliográficas
GETTINGS, Fred. Dictionnary of Astrology. London: Arkana/Penguin group, 1990.
GREENE, Liz e SASPORTAS, Howard – Os planetas interiores, elementos estruturais da realidade pessoal. SP: Editora Roca, 1995.
PRIOR, Sérgio Luiz dos Santos. Comentário após a resenha do filme. UOL, Cineclick, 19/02/2011. Disponível em: http://cinema.cineclick.uol.com.br/filmes/ficha/nomefilme/bravura-indomita-2010/id/17228//. Acesso em 25/02/11.
RIBEIRO, Anna Maria da Costa . Conhecimento da Astrologia –. 2ª.ed. RJ: Hipocampo, 1986.
TYL, Noel – Astrology 1-2-3. St Paul: Llewelyn Publications, 1984.