
A relação de Lucy com Charlie Brown é um caso clássico de bullying — mas não é o único em Peanuts.
No início dos anos cinquenta, crianças e adolescentes já viviam problemas com os valentões da turma, mas faltava ainda uma clara tipificação do comportamento agressivo nesta faixa de idade, assim como de suas causas. O termo bullying, na acepção contemporânea, só começa a se tornar conhecido após as pesquisas do psicólogo sueco Dan Olweus, já nos anos setenta. Seu livro Aggression in the Schools: Bullies and Whipping Boys, traduzido para o inglês apenas em 1978, é considerado o primeiro estudo científico no mundo sobre esta prática, definida pelo autor como um “comportamento intimidatório indesejável, que se repete ao longo do tempo e sempre envolve alguma forma de disparidade de forças entre agressor e agredido”.
Charles Schulz, o genial criador da tirinha Peanuts, trouxe à tona situações de bullying muito antes que a expressão se tornasse parte de nosso vocabulário. Em outro artigo, já falamos de Charlie Brown, o “fracassado” mais famoso das histórias em quadrinhos. Agora, hora de colocar o foco na incômoda Lucy e em duas de suas vítimas habituais, o irmão Linus e o pianista Schroeder.
Lucy, a mandona
A carta da primeira aparição de Lucy (Lucille van Pelt, 3 de março de 1952) mostra o Sol em Peixes em quadratura com a Lua em Gêmeos. É um aspecto que costuma ser associado a uma certa dificuldade para “estar de bem com a vida”, indicando um desconforto interior simbolizado pelo conflito entre os dois luminares (Schulz tinha a mesma quadratura, também em signos mutáveis). Lucy é a insatisfeita que esconde a própria insegurança sob a capa da arrogância e da pretensa capacidade intelectual. Comporta-se como a “sabe-tudo” (Lua em Gêmeos) e dá conselhos sem ser solicitada.
Há uma quadratura T (dois planetas em oposição formando quadraturas a um terceiro) envolvendo Vênus em Aquário, Plutão em Leão e Marte em Escorpião. Qualquer pessoa que já tenha lidado com uma mulher com tais aspectos sabe muito bem que esta é uma configuração difícil, tendendo a levar a comportamentos paradoxais: um intenso desejo de relacionar-se mesclado com uma disposição perversa para sabotar as próprias possibilidades de relacionamento.

Lucy van Pelt, 3.3.1952, sem casas.
Ciúme, possessividade, impulsos controladores, agressividade, tudo isso está presente nesta carta. Para completar, o lançamento de Lucy ocorre durante a formação da conjunção Saturno-Netuno em Libra. Na época, os Estados Unidos vivem a histeria do Macartismo, quando milhares de americanos foram denunciados e perseguidos sob supostas acusações de comunismo, espionagem e traição. A falta de empatia de Lucy espelha o clima de desconfiança geral então vigente.
Lucy, como personagem de ficção, exacerba tais características e leva-as até o nível da caricatura. Se Peanuts fosse uma tirinha maniqueísta (e não é), caberia a Lucy o papel de vilã da história. Egocêntrica e de pavio curto, adora uma brincadeira de gosto duvidoso, especialmente se a vítima for Charlie Brown – o pato de sempre – ou seu irmão mais novo, Linus.
Linus, o menino do cobertor
Irmão mais novo de Lucy, Linus é uma metáfora da necessidade de segurança do homem contemporâneo. Chupa o dedo e não se afasta um minuto de seu velho cobertor azul, numa evidente recusa de abandonar o estágio da primeira infância. Foi ele quem inspirou a expressão security blanket (manta protetora), incorporada ao vocabulário americano. Por outro lado, é um intelectual capaz de dar respostas e encontrar soluções que deixam todos de queixo caído.
Lucy nas palavras de Álvaro de Moya, “persegue-o, tortura-o e enche-o de complexos”. Linus é vítima também das atenções indesejáveis de Sally, irmã mais nova de Charlie Brown, que só o chama de “meu querido docinho”.
O lançamento do personagem ocorre em 19 de setembro de 1952, com Sol, Mercúrio e Lua em Virgem e três planetas – Saturno, Vênus e Netuno – em Libra. O aspecto mais tenso da carta é a quadratura de Urano à tripla conjunção Saturno-Vênus-Netuno. Astrologicamente, o descompasso entre a precoce maturidade intelectual e a infantilidade emocional pode ser explicado pela ausência de planetas pessoais em signos de Água, relacionados à afetividade e à intimidade. Linus é um tipo Ar-Terra (conhecimento teórico e aplicado) cujo único planeta em Água é Urano em Câncer formando quadraturas com os planetas em Libra.

Linus, carta solar – 19.9.1952.
A problemática da segurança emocional é tipicamente canceriana, entrando o cobertor como um substituto da carapaça do caranguejo. Linus protege-se para evitar uma proximidade indesejável e sofre com a presença de mulheres, o que é indicado por Vênus em quadratura com Urano e conjunção com Saturno. Urano pode representar a inconveniente Sally, enquanto Saturno é a dura irmã Lucy.
Schroeder, o concentrado
Schroeder é o menininho caladão e concentrado que gasta a maior parte do tempo tentando tocar Beethoven no pianinho de brinquedo. É a paixão de Lucy, que vive a perturbá-lo com suas investidas afetivas nada sutis. Schroeder a ignora enquanto pode, mas por vezes sai do sério e deixa clara sua irritação.
O surgimento de Schroeder nas tirinhas de Peanuts acontece em 30 de maio de 1951. Sua carta solar de lançamento revela uma interessante mescla de aspectos de concentração, irritabilidade e fuga através da arte.

Schroeder, carta solar – 30.5.1951.
Júpiter e Lua estão em Áries (um signo esquentado) formando quadratura a Urano (o comportamento inconvencional) e oposição a Netuno (a paixão pela música). O Sol está conjunto a Marte, em Gêmeos (a irritação). Há ainda as quadraturas de Vênus a Netuno (a sensibilidade musical) e de Mercúrio em Touro a Plutão (o comportamento silencioso, concentrado, a fixação obsessiva em torno da figura de Beethoven).
É interessante observar que a quadratura T de Lucy está toda ela em aspecto tenso com o Mercúrio de Schroeder, o que é para ele um fator de perturbação e motivo das respostas ríspidas e cortantes que dá quando assediado pela menina.

Schroeder tenta concentrar-se no piano, mas é permanentemente assediado por Lucy.
A força de Netuno nesta carta, tensionando simultaneamente Vênus e Lua, mostra Schroeder como mais um personagem masculino com dificuldade para entender mulheres e tendência de fuga para alguma zona de conforto – a música, no caso dele.
Com Netuno em Libra no início dos anos cinquenta, o criador de Peanuts, Charles Schulz, foi um mestre em usar suas tirinhas para falar dos grandes dramas librianos: a insegurança, a necessidade premente de ser aceito pelo grupo e o esforço para não ser visto como “esquisito”. Schroeder é uma das facetas deste mundinho angustiado.
A relação de assédio amoroso entre Lucy e Schroeder expressa uma forma de bullying nem sempre compreendida como tal, mas tão destrutiva quanto aquela que Lucy pratica com Linus. Na verdade, ela tanto aprisiona quanto é aprisionada nestes vínculos pouco saudáveis. Como personagem, Lucy encarnará para sempre a oitava inferior da quadratura T entre Vênus, Marte e Plutão. No mundo das pessoais reais, nenhum mapa é uma maldição, e toda configuração astrológica pode ser vivida em diversos níveis.
Leia também:
Charlie Brown, Snoopy e o mundo libriano de Peanuts
As amigas de Charlie Brown que não cabem na escola