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A BATERIA DAS ESCOLAS DE SAMBA E O ELEMENTO FOGO

Bumbum Praticumbum Prugurundum

Fernando Fernandes

 

A bateria, como um todo, é regida pelo elemento Fogo. Mas cada instrumento tem personalidade própria e regência específica. Juntos, constituem mais um microcosmo em que a estrutura astrológica se revela.

A bateria é a base, o que dá o ritmo da escola. Ritmo é assunto de Netuno, mas pulsação é função cardíaca. Quem rege o coração é Leão, e dizer que a bateria é o coração da escola virou uma espécie de frase feita. Por outro lado, tambores, de maneira geral, costumam ser simbolizados por Marte, talvez pela sua conotação guerreira, talvez pela forma como são tocados - pancadas, atritos, tudo que exige expressão agressiva da energia muscular.

Algumas expressões usadas pela comunidade carnavalesca podem ajudar a identificar associações astrológicas: "esquentar os tamborins", "inflamar a escola" etc. Tudo remete ao elemento Fogo e seus três signos, Áries, Leão e Sagitário. O papel da bateria é insuflar vida no desfile da escola. É o fator dinâmico que faz a diferença entre uma agremiação carnavalesca e um mero desfile de carros alegóricos. Através da bateria, incorporam-se ao desfile elementos imponderáveis, mas de importância fundamental para seu sucesso, como o ritmo, a empolgação e a alegria. Nas religiões afro-brasileiras, o toque dos tambores é utilizado para a indução do transe, criando condições para o contato com o invisível. O ritmo frenético desmonta a estabilidade da matéria e abre caminho para a transcendência.

O fogo atua de forma semelhante, produzindo reações químicas na matéria para liberar energia. As chamas se elevam aos ares, escapando à ação da gravidade. Não podem ser aprisionadas e duram apenas enquanto existe a conjugação dos fatores que lhes permitem a existência, comburente e combustível. O fogo exaure e vivifica a matéria, possibilitando a manifestação do espírito.

Sob a regência geral do elemento fogo, a bateria desdobra-se num conjunto de instrumentos que apresentam, cada um, características diferenciadas e regência específica. A ênfase neste ou naquele instrumento dá à bateria de cada escola uma textura timbral própria, normalmente em consonância com seu mapa de fundação.

Caixas de guerra e taróis

As caixas de guerra são de origem militar. Dão calor à bateria, sendo responsáveis pelo clima frenético da massa sonora. As caixas e taróis de vários tamanhos, que constituem o segmento principal de toda bateria, são regidos por Marte e Áries, significadores de calor, atividade, guerra e descargas de adrenalina. Não há que esquecer que a bateria das escolas de samba, assim como as orquestras do frevo pernambucano, sofreram a influência das bandas militares a que muitos de seus integrantes pertenciam.

Surdo de marcação

O surdo é um instrumento sombrio, cujo som cavernoso parece vir do fundo da terra e serve de referência estruturadora para toda a divisão do colorido rítmico. Seu regente é Saturno. A bateria da Estação Primeira de Mangueira, por exemplo, destaca-se das demais pelo uso diferenciado do surdo de marcação. A maioria das escolas utiliza também o surdo de resposta, que dá um toque no contratempo da batida principal. Já a Mangueira marca cada compasso apenas com um toque seco, uníssono, sem firulas, o que dá a sua bateria uma sonoridade única e facilmente reconhecível. A Mangueira, escola conservadora (Lua em conjunção com Saturno em Capricórnio) define a textura de sua bateria por uma diferenciação saturniana.

A libidinosa cuíca

A cuíca é o instrumento mais escandalosamente sexuado do carnaval. Lembra na aparência um tambor comum, mas a mão que fica por cima do instrumento serve apenas de apoio para a ação da outra, que se mete pelo buraco da cuíca para friccionar o eixo interno escondido dos olhos do público. É a metáfora da bolinação, ato ao mesmo tempo oculto e exibido, já que ninguém vê o trabalho da mão do instrumentista, mas percebe seu sorriso inequivocamente libidinoso.

As cuícas são debochadas, exibicionistas, galhofeiras, em completa oposição à seriedade dos surdos. Permitem ao instrumentista toda sorte de contorsões - e este é um instrumentista que não precisa obedecer à formação militar do restante da bateria, tendo liberdade para fazer evoluções individuais.

A cuíca partilha do anticonvencionalismo e do espírito transgressivo de Urano. Sua capacidade de despertar sugestões eróticas, assim como a própria forma como é tocada - colada ao instrumentista, na região do baixo ventre - lembram Escorpião. Urano em Escorpião complementado com a leveza de Gêmeos e a estridência de Leão.

Tamborins e chocalhos

Os tamborins são uma herança dos saltimbancos medievais e dos festins mesopotâmicos. Não têm origem africana, mas mediterrânea. Não exigem muito esforço físico para sua execução. Têm uma sonoridade delicada, que preenche os vazios da marcação pesada, e sua função é dar colorido à bateria. Servem para floreios, o que já seria suficiente para atribuir-lhes uma regência venusiana.

O mesmo pode-se dizer dos chocalhos e outros instrumentos leves, normalmente colocados à frente da bateria e destinados a produzir nuances de efeitos timbrais. São instrumentos leves, de sonoridade aguda, e tendem, cada vez com maior freqüência, a ser executados por mulheres, enquanto o restante da bateria continua sendo um território basicamente masculino. No caso dos chocalhos e de qualquer outro instrumento em forma de cabaça (formas arredondadas e côncavas que contêm grãos ou outros objetos que produzem ruído ao serem sacudidos), podemos atribuir também uma regência lunar, já que a Lua é significadora do útero ou de qualquer outro "saco" que contenha alguma coisa.

Pandeiro e caixas de fósforo

O pandeiro percorreu uma trajetória semelhante à do tamborim, mas produz um som mais cheio, que mescla o toque seco no couro com a reverberação metálica dos pequenos discos de alumínio nas bordas. É um instrumento solista, um dos poucos que, tocados isoladamente, consegue reproduzir a textura rítmica do samba. Aparece com freqüência nas rodas de samba que reúnem compositores em torno de mesas de botequins. Como o violão, é o veículo de expressão do criador, auxiliando-o a exteriorizar o primeiro esboço da nova canção, estando ligado, portanto, à casa 5. É tocado na altura do peito, perto do coração, estando fortemente vinculado ao conceito de pulsação. Sua própria forma - um disco maior, de couro e madeira, em torno do qual distribuem-se pequeninos discos metálicos - lembra um sistema solar em miniatura.

Na intimidade das rodas de samba, pode ser substituído pela caixa de fósforos, que produz efeito semelhante. Fósforos existem para produzir fogo, da mesma forma como o ato de compor um novo samba revela a centelha criadora do compositor. Pandeiros e caixas de fósforo são instrumentos solares, significados por Leão na casa 5.

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Atalhos de Constelar 80 - fevereiro/2005

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