O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro
em 2005 confirma que eventos artísticos e manifestações
de massa respondem claramente ao mapa do momento. No desfile mais
dramático, o da Portela, os mapas revelam até mesmo
a crise de identidade por que passa a escola e a exclusão
de sua Velha Guarda.
Muitos anos de pesquisa com mapas de eventos culturais
- lançamentos de filmes, livros, telenovelas, shows, personagens
de história em quadrinhos e outros - deram-me a certeza de
que tais eventos respondem com impressionante constância às
configurações astrológicas. Com muita freqüência,
manifestações artístico-culturais antecipam
tendências ainda embrionárias na sociedade, dando forma
reconhecível a conteúdos que ainda não encontraram
outros canais de manifestação. Grandes renovações
de costumes, conflitos sociais e guerras, antes de eclodirem na
vida real, costumam dar sinal de sua chegada através
da arte.
A cultura de massa, mesmo quando gera produtos sem
maior significação estética, trabalha o tempo
todo a dimensão simbólica, colocando em circulação
elementos que impactarão de alguma maneira o imaginário
da coletividade. Não é diferente com as escolas de
samba. Em cada desfile, reencontramos o zodíaco com todas
as suas polaridades. O exercício de acompanhar um carnaval
inteiro, anotando os horários de início de desfile
de todas as escolas e comparando-o com o que foi efetivamente mostrado
na avenida, já havia sido feito em 1998, com resultados intrigantes.
O que me espantava era o fato de que um desfile não nasce
no momento em que acontece na avenida: o enredo é escolhido
com um ano de antecedência, e tudo passa por uma cuidadosa
preparação. O horário é, na maioria
das vezes, decidido por sorteio e nada garante que será rigorosamente
cumprido. Assim, como explicar que o desfile da escola corresponda
com impressionante fidelidade ao mapa do momento? É o mapa
do desfile que determina suas características ou é
a natureza do desfile que "escolhe" o horário mas
adequado para se manifestar? Mesmo sem resposta para a questão
teórica, podemos afirmar como o personagem Chicó,
do Auto da Comparecida: "Não sei explicar, só
sei que foi assim."
Neste artigo são comentados os mapas dos desfiles
de dez escolas de samba do grupo especial do carnaval carioca em
2005. A preocupação não é de utilizar
a Astrologia para definir "quem vai ganhar o carnaval"
(o artigo foi escrito antes da divulgação dos resultados),
mas sim o de demonstrar a aplicação de alguns princípios
gerais de interpretação de eventos deste tipo. Foi
considerado como horário para o levantamento de cada mapa
o momento do disparo da contagem de tempo para cada escola. Os desfiles
foram gravados em vídeo com o contador de tempo previamente
sincronizado com a hora oficial. No caso de algumas escolas, não
foi possível apurar com exatidão o momento inicial,
o que gerou mapas ligeiramente aproximados.
Princípios gerais
da interpretação de eventos artísticos
1 - O mapa do início do evento determina suas
características gerais, em termos de forma e conteúdo.
O mapa funciona como um "molde vazio" que organiza a manifestação
artística, fazendo com que esta se dê em consonância
com as configurações mais importantes da carta.
2 - São de especial importância na interpretação
de eventos artísticos os signos angulares, especialmente
aqueles que se encontram no Ascendente e no Meio do Céu,
assim como planetas em conjunção com os ângulos
e a situação do regente do Ascendente, por signo,
casa e aspectos.
3 - Configurações especialmente notáveis
do ponto de vista geométrico tendem a determinar as "linhas
de força" através das quais o evento se desdobra.
Destaque para as configurações mais tensas, como a
quadratura T, o stellium ou a ativação, pelos ângulos
ou por planetas pessoais, de aspectos tensos formados pelos planetas
mais lentos (Saturno, Urano, Netuno e Plutão).
4 - Aspectos que se tornam partis (exatos) durante
a própria realização do evento podem indicar
desdobramentos significativos. No caso do desfile das escolas de
samba, que dura menos de duas horas, tais situações
costumam restringir-se a trânsitos de planetas pelos ângulos
e a aspectos da Lua.
Mocidade Independente dá
a tônica do carnaval
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Início do desfile da Mocidade Independente
de Padre Miguel (que também é o mapa do início
do desfile das escolas de samba de 2005 no Rio de Janeiro) -
6.2.2005, 21h17 HV (horário aproximado) - Rio de Janeiro,
RJ - 22s54, 43w12. |
Este mapa é de particular importância
porque, sendo a Mocidade a primeira escola a desfilar, sua entrada
na avenida corresponde ao próprio início do desfile
como um todo. Assim, este mapa nos dá uma tônica geral
do carnaval carioca em 2005, no que se refere ao desfile das escolas
do grupo de elite.
O Ascendente é Virgem e seu regente está
em Aquário, tal como no primeiro desfile, em 1932. Mercúrio
em conjunção com Vênus e Netuno expressa um
desejo de criar no público um encantamento estético,
de seduzi-lo e arrebatá-lo. Seduzir é uma proposta
permanente das escolas de samba. Contudo, a presença destacada
de Netuno em conjunção com o regente do Ascendente
chama a atenção para o risco de problemas decorrentes
de erros de avaliação de artesãos e artistas
plásticos, os "operários" (casa 6) que trabalham
no barracão (oficina de montagem de alegorias e fantasias)
da escola. Isto porque Mercúrio-Netuno, apesar de ainda na
casa 5, encontram-se na cúspide da casa 6, significadora
da perícia técnica, e Netuno, planeta das névoas,
tolda a lucidez de Mercúrio, levando a erros de avaliação.
Diversas escolas superdimensionaram seus carros alegóricos,
o que levou a seguidos acidentes na área de concentração,
antes do início da passarela. Alguns escolas desfilaram com
carros quebrados (como a Vila Isabel) enquanto outras sequer puderam
colocar alguns carros na avenida (como a Portela).
Se Netuno responde pelos erros de avaliação,
a compulsão pelos carros gigantescos pode ser verificada
em outros aspectos. Júpiter, planeta da hipertrofia, está
na casa 1, no ápice de uma quadratura T, formando quadraturas
com Lua e Saturno. Júpiter está em Libra, signo de
valores estéticos, e na casa 1, que fala do corpo - no caso,
o corpo do desfile, a aparência e a substância física
das escolas de samba, com seus componentes e carros alegóricos.
A tradução para a configuração é:
um desfile onde as escolas assumiram uma aparência hipertrofiada
(Júpiter na 1) como decorrência de uma opção
estética em favor do gigantismo (Júpiter em Libra).
Esta opção foi responsável por problemas estruturais
(Júpiter em quadratura com Lua e Saturno, ambos em seus signos
de exílio). Lua e Saturno regem (e ocupam, neste mapa) o
eixo Câncer-Capricórnio, significador das estruturas
de sustentação, como a pele e os ossos. Em termos
de desfile, não é preciso dizer que há uma
analogia direta com os carros alegóricos, que são
também grandes estruturas em que os carnavalescos se apóiam
para desenvolver o enredo.
Mais ainda: no mapa do desfile inaugural de 2005,
Plutão é o planeta mais angular (está no Fundo
do Céu), fato que destaca sua importância. Plutão
em Sagitário também tem relação com
a estética do gigantismo, dos efeitos monumentais, da tentativa
de impressionar a qualquer custo. Neste signo, Plutão não
é dado a sutilezas: apela para o ostensivo, para o colossal,
tentando afirmar o poder da escola mais ou menos como faziam os
faraós do Egito ao mandar erigir colossais estátuas
de pedra.
Em resumo: o mapa sugere um desfile minucioso
e detalhista (Ascendente em Virgem) e com acentuada plasticidade
(Mercúrio enquadrado entre Netuno e Vênus), mas sujeito
a equívocos de avaliação (Mercúrio-Netuno)
e com um forte viés para o gigantismo (Júpiter
na 1, Plutão angular), implicando riscos estruturais
envolvendo carros alegóricos (Lua-Saturno no eixo Câncer-Capricórnio).
Saturno tensionado e em seu signo de exílio também
sugere dificuldades de administração de tempo,
mostrando que a imaginação (Lua) e o cronômetro
(Saturno) estariam em conflito até o último minuto.
A própria Mocidade Independente, que apresentou
o enredo Buon Mangiare, Mocidade! A arte está na mesa
(uma homenagem à arte e à cultura da Itália),
não teve os problemas que tanto prejudicaram outras escolas,
mas apresentou um desfile frio, apesar de correto e luxuoso (Ascendente
em Virgem, Mercúrio em conjunção com Vênus).
O toque Libra-Vênus ficou por conta de alas e um carro alegórico
que falavam da moda italiana e de seus grandes estilistas. Mas a
Lua em Capricórnio, e ainda aplicando aspecto tenso a Saturno,
não ajudou muito a aquecer o público.
Império Serrano
politicamente correto
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