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CRÔNICA ASTROLÓGICA DO DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA DE 2005

A águia decepada

Fernando Fernandes

 

O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro em 2005 confirma que eventos artísticos e manifestações de massa respondem claramente ao mapa do momento. No desfile mais dramático, o da Portela, os mapas revelam até mesmo a crise de identidade por que passa a escola e a exclusão de sua Velha Guarda.

Muitos anos de pesquisa com mapas de eventos culturais - lançamentos de filmes, livros, telenovelas, shows, personagens de história em quadrinhos e outros - deram-me a certeza de que tais eventos respondem com impressionante constância às configurações astrológicas. Com muita freqüência, manifestações artístico-culturais antecipam tendências ainda embrionárias na sociedade, dando forma reconhecível a conteúdos que ainda não encontraram outros canais de manifestação. Grandes renovações de costumes, conflitos sociais e guerras, antes de eclodirem na vida real, costumam dar sinal de sua chegada através da arte.

A cultura de massa, mesmo quando gera produtos sem maior significação estética, trabalha o tempo todo a dimensão simbólica, colocando em circulação elementos que impactarão de alguma maneira o imaginário da coletividade. Não é diferente com as escolas de samba. Em cada desfile, reencontramos o zodíaco com todas as suas polaridades. O exercício de acompanhar um carnaval inteiro, anotando os horários de início de desfile de todas as escolas e comparando-o com o que foi efetivamente mostrado na avenida, já havia sido feito em 1998, com resultados intrigantes. O que me espantava era o fato de que um desfile não nasce no momento em que acontece na avenida: o enredo é escolhido com um ano de antecedência, e tudo passa por uma cuidadosa preparação. O horário é, na maioria das vezes, decidido por sorteio e nada garante que será rigorosamente cumprido. Assim, como explicar que o desfile da escola corresponda com impressionante fidelidade ao mapa do momento? É o mapa do desfile que determina suas características ou é a natureza do desfile que "escolhe" o horário mas adequado para se manifestar? Mesmo sem resposta para a questão teórica, podemos afirmar como o personagem Chicó, do Auto da Comparecida: "Não sei explicar, só sei que foi assim."

Neste artigo são comentados os mapas dos desfiles de dez escolas de samba do grupo especial do carnaval carioca em 2005. A preocupação não é de utilizar a Astrologia para definir "quem vai ganhar o carnaval" (o artigo foi escrito antes da divulgação dos resultados), mas sim o de demonstrar a aplicação de alguns princípios gerais de interpretação de eventos deste tipo. Foi considerado como horário para o levantamento de cada mapa o momento do disparo da contagem de tempo para cada escola. Os desfiles foram gravados em vídeo com o contador de tempo previamente sincronizado com a hora oficial. No caso de algumas escolas, não foi possível apurar com exatidão o momento inicial, o que gerou mapas ligeiramente aproximados.

Princípios gerais da interpretação de eventos artísticos

1 - O mapa do início do evento determina suas características gerais, em termos de forma e conteúdo. O mapa funciona como um "molde vazio" que organiza a manifestação artística, fazendo com que esta se dê em consonância com as configurações mais importantes da carta.

2 - São de especial importância na interpretação de eventos artísticos os signos angulares, especialmente aqueles que se encontram no Ascendente e no Meio do Céu, assim como planetas em conjunção com os ângulos e a situação do regente do Ascendente, por signo, casa e aspectos.

3 - Configurações especialmente notáveis do ponto de vista geométrico tendem a determinar as "linhas de força" através das quais o evento se desdobra. Destaque para as configurações mais tensas, como a quadratura T, o stellium ou a ativação, pelos ângulos ou por planetas pessoais, de aspectos tensos formados pelos planetas mais lentos (Saturno, Urano, Netuno e Plutão).

4 - Aspectos que se tornam partis (exatos) durante a própria realização do evento podem indicar desdobramentos significativos. No caso do desfile das escolas de samba, que dura menos de duas horas, tais situações costumam restringir-se a trânsitos de planetas pelos ângulos e a aspectos da Lua.

Mocidade Independente dá a tônica do carnaval

Início do desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel (que também é o mapa do início do desfile das escolas de samba de 2005 no Rio de Janeiro) - 6.2.2005, 21h17 HV (horário aproximado) - Rio de Janeiro, RJ - 22s54, 43w12.

Este mapa é de particular importância porque, sendo a Mocidade a primeira escola a desfilar, sua entrada na avenida corresponde ao próprio início do desfile como um todo. Assim, este mapa nos dá uma tônica geral do carnaval carioca em 2005, no que se refere ao desfile das escolas do grupo de elite.

O Ascendente é Virgem e seu regente está em Aquário, tal como no primeiro desfile, em 1932. Mercúrio em conjunção com Vênus e Netuno expressa um desejo de criar no público um encantamento estético, de seduzi-lo e arrebatá-lo. Seduzir é uma proposta permanente das escolas de samba. Contudo, a presença destacada de Netuno em conjunção com o regente do Ascendente chama a atenção para o risco de problemas decorrentes de erros de avaliação de artesãos e artistas plásticos, os "operários" (casa 6) que trabalham no barracão (oficina de montagem de alegorias e fantasias) da escola. Isto porque Mercúrio-Netuno, apesar de ainda na casa 5, encontram-se na cúspide da casa 6, significadora da perícia técnica, e Netuno, planeta das névoas, tolda a lucidez de Mercúrio, levando a erros de avaliação.

Diversas escolas superdimensionaram seus carros alegóricos, o que levou a seguidos acidentes na área de concentração, antes do início da passarela. Alguns escolas desfilaram com carros quebrados (como a Vila Isabel) enquanto outras sequer puderam colocar alguns carros na avenida (como a Portela).

Se Netuno responde pelos erros de avaliação, a compulsão pelos carros gigantescos pode ser verificada em outros aspectos. Júpiter, planeta da hipertrofia, está na casa 1, no ápice de uma quadratura T, formando quadraturas com Lua e Saturno. Júpiter está em Libra, signo de valores estéticos, e na casa 1, que fala do corpo - no caso, o corpo do desfile, a aparência e a substância física das escolas de samba, com seus componentes e carros alegóricos. A tradução para a configuração é: um desfile onde as escolas assumiram uma aparência hipertrofiada (Júpiter na 1) como decorrência de uma opção estética em favor do gigantismo (Júpiter em Libra). Esta opção foi responsável por problemas estruturais (Júpiter em quadratura com Lua e Saturno, ambos em seus signos de exílio). Lua e Saturno regem (e ocupam, neste mapa) o eixo Câncer-Capricórnio, significador das estruturas de sustentação, como a pele e os ossos. Em termos de desfile, não é preciso dizer que há uma analogia direta com os carros alegóricos, que são também grandes estruturas em que os carnavalescos se apóiam para desenvolver o enredo.

Mais ainda: no mapa do desfile inaugural de 2005, Plutão é o planeta mais angular (está no Fundo do Céu), fato que destaca sua importância. Plutão em Sagitário também tem relação com a estética do gigantismo, dos efeitos monumentais, da tentativa de impressionar a qualquer custo. Neste signo, Plutão não é dado a sutilezas: apela para o ostensivo, para o colossal, tentando afirmar o poder da escola mais ou menos como faziam os faraós do Egito ao mandar erigir colossais estátuas de pedra.

Em resumo: o mapa sugere um desfile minucioso e detalhista (Ascendente em Virgem) e com acentuada plasticidade (Mercúrio enquadrado entre Netuno e Vênus), mas sujeito a equívocos de avaliação (Mercúrio-Netuno) e com um forte viés para o gigantismo (Júpiter na 1, Plutão angular), implicando riscos estruturais envolvendo carros alegóricos (Lua-Saturno no eixo Câncer-Capricórnio). Saturno tensionado e em seu signo de exílio também sugere dificuldades de administração de tempo, mostrando que a imaginação (Lua) e o cronômetro (Saturno) estariam em conflito até o último minuto.

A própria Mocidade Independente, que apresentou o enredo Buon Mangiare, Mocidade! A arte está na mesa (uma homenagem à arte e à cultura da Itália), não teve os problemas que tanto prejudicaram outras escolas, mas apresentou um desfile frio, apesar de correto e luxuoso (Ascendente em Virgem, Mercúrio em conjunção com Vênus). O toque Libra-Vênus ficou por conta de alas e um carro alegórico que falavam da moda italiana e de seus grandes estilistas. Mas a Lua em Capricórnio, e ainda aplicando aspecto tenso a Saturno, não ajudou muito a aquecer o público.

Império Serrano politicamente correto

Atalhos de Constelar 80 - fevereiro/2005

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