Dados sobre o suicídio
Nota sobre o horário
em que ocorreu o suicídio de Getúlio
(incluída posteriormente ao curso ministrado no IA-Unesp)
A minissérie Agosto, baseada na obra
literária de Rubem Fonseca, exibida pela TV Globo em agosto
de 1993, motivou vários artigos de jornal sobre o suicídio
de Getúlio. A Folha de S.Paulo (artigo de Armando
Antenore), em 16 de agosto de 1993, publicou declarações
do coronel da Aeronáutica Hernani Hilário Fittipaldi,
que era o ajudante-de-ordens do presidente em 1954. São retirados
desse importante artigo os seguintes trechos, sobre fatos que antecederam
imediatamente a morte de Getúlio.
Na madrugada de terça-feira, dia 24 de agosto,
logo após o término da reunião ministerial,
Fittipaldi, então major, tomou o elevador com Vargas. Subiram
até o terceiro andar. Não havia ninguém por
perto quando os dois entraram no quarto do presidente. A porta permaneceu
aberta. Com as mãos nas costas, Getúlio andava de
um lado para o outro, silencioso. Sem saber como agir, o ajudante-de-ordens
decidiu acompanhar os passos de Vargas. "Caminhei de um lado
para outro, em sincronia com o presidente." O major arriscava,
às vezes, palavras de conforto.
Foi quando Benjamin, irmão de Vargas, entrou
no quarto. Nervoso, informou: "Assim que deixou a reunião,
o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, afirmou para generais
descontentes que, depois da licença, você não
reassumirá." "Quer dizer, então que me depuseram",
concluiu Getúlio. Benjamin ficou sem jeito e saiu. O major
perguntou se o presidente não queria um uísque. "Acho
que mereço", respondeu. Vargas tomou apenas um gole
da bebida, disse que desejava descansar e pediu para Fittipaldi
chamar o camareiro Pedro Lourenço Barbosa. "Saí
do quarto com a certeza de que o presidente se mataria", relembra
o coronel. Cerca de meia hora depois, o ajudante-de-ordens esperava
o elevador. Pretendia descer e dormir. Vargas, de pijama, deixou
o quarto, passou pelo major e entrou no gabinete de trabalho. Saiu
com as mãos dentro dos bolsos, sorriu para Fittipaldi e fechou
novamente a porta do quarto. O elevador chegou. No térreo,
o major ouviu um tiro. Voltou correndo. A mulher de Vargas, Darcy,
que dormia em outro aposento, olhava o presidente. A perna esquerda
de Getúlio pendia fora da cama. Na mão direita, a
arma - um Colt, calibre 32. A mão esquerda repousava sobre
o peito. Dona Darcy pediu a Fittipaldi que ligasse para o ministro
Zenóbio. Quando o major completou a chamada, ela disse: "Zenóbio,
venha ver o que fizeste." O ajudante-de-ordens depois ligou
para o diretor da Rádio Nacional, Victor Silva.
Infelizmente, o coronel Fittipaldi não informou
os horários em que esses fatos ocorreram, ou esses horários
foram omitidos pelo jornal. O mesmo jornal, em 29 de agosto de 1993,
página 1-18, diz:
24 de agosto - O ministro da Guerra passa a apoiar
a renúncia, após se reunir com militares oposicionistas.
Às 8h45, Getúlio se mata com um tiro no peito.
Antônio Callado, que era redator-chefe do Correio
da Manhã em 1954, em dois artigos publicados na Folha
de S.Paulo, o primeiro em 11 de abril de 1992 e o segundo em
23 de agosto desse mesmo ano, diz que Getúlio se matou às
8h30.
Outros horários divulgados pela Folha de
S.Paulo, na edição de 21 de agosto de 1994.
No dia 22, Vargas está praticamente deposto.
Daí até a madrugada do golpe, sucederiam-se manifestos
de Café Filho e oficiais-generais da Aeronáutica,
Marinha e Exército, pedindo a renúncia. À meia-noite
do dia 23 (0h do dia 24), Zenóbio e Mascarenhas levam ao
Catete a informação de que o Exército já
não apóia o governo. Vargas recusa tanto a hipótese
de renúncia como a de licença e diz que vai reunir
o ministério de madrugada. Chama João Goulart e lhe
entrega a carta-testamento.
As 3h30 do dia 24, Vargas reúne-se com parentes
e seus ministros, entre eles Tancredo Neves, Oswaldo Aranha e Zenóbio
da Costa, ministro da Guerra, então leal ao governo.
Vargas pede uma fórmula para resolver a crise.
Zenóbio sugere resistência, mas observa que isso "custaria
sangue, muito sangue" e que o resultado seria incerto.
Vargas enfim decide se licenciar "desde que mantida
a Constituição e a ordem". Caso contrário,
"os revoltosos encontrariam seu cadáver".
As 4h45 sai o comunicado oficial do pedido de licença.
No apartamento de Café Filho, Lacerda e outros políticos
cumprimentam o novo presidente.
As 6h chega a notícia de que Benjamim Vargas,
irmão do presidente, fora intimado para depor no Galeão.
Logo depois, Alzira Vargas diz ao pai que está em contato
com generais leais, que pretendiam prender os conspiradores Juarez
Távora e Eduardo Gomes. Vargas diz que agora a resistência
é inútil. Nesse momento, Zenóbio, reunido com
militares revoltosos, adere ao golpe. O presidente é informado
às 7h do golpe e se mata depois das 8h.
Na mesma página (1-8) dessa edição,
esse jornal diz:
24 de agosto - Às 6h, Benjamin Vargas, irmão
do presidente, recebe um ultimato das Forças Armadas para
depor na Base Aérea do Galeão. As 8h30 Vargas se suicida
com um tiro no coração.
Na página seguinte (1-9), da mesma edição,
com título Funcionários narram as últimas
horas, a Folha publica:
7h45 - Vargas pede a Barbosa (camareiro ou barbeiro
Pedro Lourenço Barbosa) que chame Benjamim. O barbeiro sai
do quarto. Pouco depois vê Getúlio Vargas, de pijama,
entrar em seu gabinete de trabalho. Barbosa entra no quarto do presidente
para pegar suas roupas. No corredor, o mordomo Zaratini observa
o presidente voltar ao quarto. "O que você está
fazendo aí?", diz Vargas a Barbosa ao vê-lo em
seu quarto. "Me deixe descansar mais um bocado". Barbosa
sai.
8h15 - Barbosa ouve um estampido. Corre até
o quarto e vê o presidente "deitado na cama de braços
abertos, com uma perna sobre a cama e outra um pouco fora, tendo
um revólver na palma da mão direita e uma mancha de
sangue no peito, do lado esquerdo".
Paulo Francis em artigo publicado na Revista D,
em 18 de novembro de 1990, escreve:
Eu estava dormindo, é o que fazia às
8 da manhã de 25 (sic) de agosto, quando meu pai, com a insolência
que só meu pai ousaria comigo, me sacudiu o calcanhar, me
acordando, para me anunciar a morte, o suicídio de Getúlio
Vargas.
Concluindo
A reunião ministerial ocorreu na madrugada
do dia 24. Getúlio, acompanhado de seu ajudante-de-ordens,
deve ter ido para o terceiro andar do Catete quase às 5h
da manhã, após ter assinado o pedido de licença.
Quando Benjamin foi comunicar ao irmão que Zenóbio
havia aderido ao golpe militar, após ter saído do
palácio e se reunido com outros militares, o major Fittipaldi
ainda se encontrava com o presidente. Após isso é
que Getúlio tomou o gole de uísque e, mais tarde,
pediu ao ajudante-de-ordens que chamasse o camareiro, pois desejava
descansar um pouco. Depois da chegada do camareiro - que possivelmente
não morava no palácio, que deveria ter horário
para iniciar seu trabalho (7h?) - o major ainda permaneceu por mais
ou menos meia hora nesse pavimento, certamente em recinto que não
era o corredor. Nessa meia hora não presenciou a vinda de
Alzira e a volta de Benjamin ao quarto de Getúlio, que lhe
comunicou que havia recebido intimação para depor
no Galeão. Isso ocorreu em torno das 7h45, após o
presidente ter mandado o camareiro chamar o irmão. Quando
Fittipaldi esperava o elevador, viu o presidente entrar e sair do
escritório. Ao chegar ao quarto, Getúlio pediu para
o camareiro sair. Quando o elevador chegou no pavimento térreo,
o major ouviu o tiro fatídico. Ou seja, a morte deve ter
ocorrido antes das 8h e não depois desse horário,
como consta de artigos consultados.
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Leia outros artigos de Raul V. Martinez.
Nota complementar:
um astrólogo dos anos 30
Fernando Fernandes
Em 27 de julho de 1932, no auge da Revolução
Constitucionalista, Vargas anota em seu diário uma
interessante observação:
"Trato com Artur Costa sobre a situação
financeira e a possibilidade de uma emissão para o
resgate em títulos do Tesouro. Disse-me que Sana-Khan
havia anunciado a terminação da luta, pela derrota
dos rebeldes, para amanhã."
Este Sana-Khan - ou Sanakhan (sem o hífen),
era um astrólogo e quiromante armênio que desempenhou
papel de destaque junto a políticos das décadas
de 30 a 50. Foi ele, por exemplo, quem previu em 1936 a Jânio
Quadros, ainda um estudante de Direito, que este viria a ser
vereador, prefeito, governador de São Paulo e presidente
da República, cargo do qual renunciaria para reeleger-se
ainda uma vez e morrer assassinado.
Os fatos demonstraram que Sana-Khan estava
certo até a previsão da renúncia, como
observa Getúlio Bittencourt no livro À Luz
do Céu Profundo, errando apenas quanto à
reeleição e ao assassinato. Não se tem
certeza se Sana-Khan chegou a levantar o mapa de Jânio,
pois as previsões basearam-se na análise da
mão do ex-presidente. Quanto à Revolução
de 32, Sana-Khan errou redondamente, pois os combates se prolongaram
ainda por longas semanas. A anotação no diário
de Vargas prova que o presidente deve ter ouvido com atenção
o relato da previsão, a ponto de registrá-lo.
Provavelmente não deu ao assunto maior importância,
já que nele não volta a tocar nos dias subseqüentes.
Contudo, fica evidente que havia auxiliares diretos do presidente
dispostos a dar crédito a previsões astrológicas
e a levá-las para as discussões palacianas,
mesmo que apenas a título de curiosidade.
Segundo a revista Veja de 29.01.1986,
p. 31, Sana-Khan errou também no vaticínio da
própria morte, marcada para 30 de dezembro de 1970,
mas ocorrida apenas em 1979.
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